Qualquer adepto do Sporting que se preze, sabe que são raras as épocas em que vivemos sem fantasmas. Pouco importa agora se se somos nós que os formamos, mas entre o fantasma dos penaltis falhados, o dos golos sofridos de canto, o de não conseguirmos descobrir um novo Mourinho, o de falharmos golos feitos contra equipas que só defendem, o de que a equipa não aguenta a pressão de jogar em Alvalade e por aí fora, o que não faltam são sombras que, enraizadas na mente dos adeptos, dos dirigentes, dos treinadores e dos jogadores acabam por aumentar o grau de dificuldade extra com que habitualmente já nos confrontamos.

E um dos factores extra ficou, ontem, bem expresso. Sim, temos que voltar a falar disto, porque depois do cheiro a podre que se espalhou a partir de Moreira de Cónegos, um gajo ia desmaiando quando, ontem, ficaram dois penaltis no bolso durante os 45 minutos. Um sobre João Mário, outro sobre Paulo Oliveira. E ainda há aquele bloqueio ao Jefferson que até na NBA seria falta. Depois o cabrão do fantasma dos golos que ficam presos na garganta, primeiro por Mané, depois por João Mário (granda assistência com a peitaça, ó Tanaka). E o fantasma do “já vi este filme e o mais certo é que vamos empatar porque não resolvemos nos primeiros 45 minutos. O fantasma do guarda-redes adversário que faz o jogo da sua vida contra o Sporting. Ah, e aquele fantasma que me fustiga os tímpanos e consome a alma, o fantasma assobiador, sendo que este e um caso complicado porque os adeptos ficam possuídos e resolvem assobiar os que vestem a sua própria cor.

Mas na tarde/noite de Alvalade, com mais de 42 mil pessoas nas bancadas para ajudar a empurrar o autocarro do Mota que havia ficado sem gasóleo em frente à baliza (muito sincero, o técnico gilista, dizendo que «a diferença para a segunda parte esteve na eficácia do Sporting», pois do lado dele nada mudou: mesmo a levar duas batatas e mais perto de levar a terceira, o Simy chegava a fazer pressão… a meio do seu meio-campo), o pré-jogo indiciou que os fantasmas iam ter tarefa complicada: o treinador mexia, e de que maneira, na equipa. Bem, o Gauld não era titular e o William podia ver o raio do amarelo que o impedisse de engolir o meio-campo na ida à Galiza, mas pelo menos havia o reconhecimento que era necessário mudar algo. William foi tão grande que se esquivou aos amarelos, Tanaka foi o Montero depois de comer duas tábuas de sashimi e sentir os efeitos do ómega3, João Mário veio atrás e formou com sir Will uma dupla de meninos que fazem sorriso de gozo quando acumulam boas decisões (eu não quero arranjar fantasmas, mas quis-me parecer que estavam ao despique para ver qual deles acertava mais passes e que o treinador não foi capaz de fazer voz grossa a esta brincadeira de crianças), Paulo Oliveira parecia ser capaz de estar em todo o lado, qual jovem veterano encarregue de deixar Tobias fazer a recrura sem sobressaltos, Miguel Lopes voltava a confundir-nos os espíritos e eu tenho cá para mim que se mudar de penteado as coisas correm ainda melhor.

E Nani, numa exibição cheia de altos. A assistência que Mané desperdiça, aquela bola a meio-campo em que o pé vira uma colher e oferece, doce, docemente, a continuação da jogada, a cabeçada ninja para o golo de Tanaka. E o golo. O golo do ano. O golo que ragou ao meio o fantasma assobiador e, com as bancadas exorcizadas, levou mais de 40 mil pessoas a levantarem-se da cadeira para aplaudi-lo no momento da substitução. Só faltou, mesmo, vencer o fantasma que impede o treinador de ter uma expressão corporal e facial capaz de agradar a tudo e todos. Mas, acreditem no que este rapaz vos diz, isto é tudo estratégia. É que quinta-feira há novo jogo e tenho cá para mim que o Marco está à espera do momento em que virarmos a eliminatória, para passar do puto que ficou sem a mãe num porto italiano à selvajaria de um puto a quem chamavam Conan.