Ponto Prévio: No meu entender exigir a qualidade e rendimento das segundas linhas equivalente ao das primeiras é uma contradição em si própria. Senão não eram “segundas linhas”. Para mim, “segunda linhas” significa um conjunto de jogadores de características iguais ou diferentes das primeiras que garantem, não só competitividade num plantel mas também um rendimento adequado ao estatuto que têm e nunca um rendimento igual ou superior àqueles que substituem. Quando, por vezes, isso acontece significa uma de duas: ou o suplente tem uma qualidade igual ou superior em relação ao jogador que joga mais, ou o suplente está num melhor momento de forma que o titular. E dou dois exemplos diferentes que comprovam isto: o primeiro é Paulo Oliveira, que foi contratado para ser segunda linha mas a sua qualidade já era superior ao das primeiras (particularmente, Maurício) e o segundo é Miguel Lopes, que para mim não é melhor do que Cédric mas no momento em que entrou no 11 estava melhor que o titular. Portanto, quando uma segunda linha se transforma em primeira, isto não quer dizer que a qualidade de ambos é idêntica ou que a regra devia ser essa. Quer apenas dizer que existiram outros factores que contribuiram para essa alteração (avaliação do treinador, momento de forma, lesões, etc.) e, claro, que o habitual suplente agarrou com as duas mãos a oportunidade que lhe foi dada.

Olhando para o nosso plantel, verificamos que existe um 11 titular que dá algumas garantias de competitividade e um conjunto de jogadores que podem entrar no onze e que garantem qualidade embora, nalguns casos, tenham características diferentes. Falo de Tobias, Miguel Lopes, Mané, André Martins e Montero. Cada um na sua fase, entraram no onze e responderam bem. Excepto os dois últimos, que tiveram dois períodos distintos. Um em que não jogaram bem e outro, mais recente, em que estão a dar mostras da sua capacidade. Curiosamente, o período em que estiveram mal coincidiu com um posicionamemto diferente em campo com o André a jogar a médio ofensivo e Montero sozinho no ataque (e mais importante, a ser servido de forma errada e a ter que jogar muito mais sem bola do que com ela), o que rapidamente levou às suas saídas do onze e, inclusive, deixaram sequer de ter minutos passando a ser até terceiras opções. Neste período mais recente, foram ambos chamados, AM recuou uns bons metros no terreno e Montero teve um companheiro na frente de ataque e passou a ter mais participação no processo ofensivo. O resultado está à vista: ambos subiram de rendimento e de cotação junto dos adeptos. André Martins passou a pautar jogo no meio-campo defensivo e Montero passou a ter mais bola, mais liberdade no campo e, consequentemente, mais golos e assistências. Eis a prova cabal de que, se calhar, mais importante do que ter grandes jogadores é colocá-los onde se sentem bem e onde podem utilizar as suas melhores características. É que não estamos a falar de dois cepos mas, provavelmente, de dois dos jogadores com mais técnica do plantel que dependem, mais do que ninguém, do tipo de futebol que a equipa pratica. Num futebol pausado, de posse e jogado com variações entre jogo exterior e interior são elementos muito importantes porque assumem o jogo, gostam de ter bola e tratam-na sempre bem. Num jogo mais rápido, de transições, jogado por fora e baseado em cruzamentos para a área são inconsequentes, diria até inúteis. A pergunta que eu faço é: será que estes dois jogadores não servem para a equipa ou o tipo de jogo que a equipa pratica não lhes serve a eles? Vou ainda mais longe: Qual o tipo de jogo que melhor se adequa aos jogadores que temos e aos objectivos ambiciosos a que nos propomos? Ou então: que tipo de análise final vai ser feita quando se decidir o futuro de ambos? Perguntas retóricas, que vão ficar sem resposta e que, provavelmente, serão esquecidas quando ambos abandonarem o clube no final da época…

Temos ainda, um conjunto de jogadores fiáveis cujo verdadeiro valor só saberemos se lhes dermos um período considerável de tempo de jogo. Falo de Rosell, Jonathan, Rubio, Gauld ou Tanaka. Sobre Gauld e Rubio, estamos a falar de dois jovens com bastante qualidade que já demonstraram na B aquilo que são capazes. Rosell é um jogador fiável cujo único problema é ter de substituir o melhor jogador do plantel. Se querem que ele varra o miolo, entre e saia de cabines telefónicas e faça slaloms com atrelado como faz o William tirem daí o sentido. Uri é precisamente o oposto, passa despercebido, joga sempre a 1/2 toques e garante equilíbrio defensivo. Jonathan é o típico jogador argentino, bom com a bola e agressivo e raçudo sem ela. Se querem que ele meta 10 assistencias por época como faz o Jefferson, esqueçam. Mas é gajo para, de vez em quando, fazer um slalom que fez agora contra o Porto B, enfiar uma bomba do meio da rua como fez no princípio da época ou mesmo entrar na área e marcar um golo como contra o Porto em Alvalade ou contra o Chelsea em Stamford Bridge. Nada mau para um lateral suplente de 20 anos que faz este ano a sua primeira época na Europa. Já Tanaka é “só” o melhor rematador do plantel (e isto diz muito sobre a nossa capacidade neste aspecto) e o avançado com melhor média de golos/minutos jogados. Tem lacunas no seu jogo mas também tem qualidades que precisamos como de pão para a boca, nomeadamente, na capacidade de remate e marcação de livres directos.

Pois bem. O primeiro passo para se avaliar um jogador é compreender as suas características em vez de lhe pedir que faça coisas que outros, completamente diferentes, fazem com frequência. Até porque nunca fazemos o exercício inverso, tipo pedir ao Slimani que meta um livre na gaveta à Tanaka ou que marque um golo acrobático à Montero. Tantas e tantas vezes leio que “Montero e Tanaka não são Slimani”, “Rosell não é William” ou “Jonathan não é Jefferson”. Na verdade, nunca percebi bem o que é que isso quer dizer. Quer dizer que são (muito) melhores? Que garantem mais rendimento? Que trabalham melhor? Não sei. O que sei é que quando foram chamados mostraram qualidades muito especiais e um compromisso com a equipa que alguns dos jogadores titulares não demonstraram em determinada altura. Quanto vale esta postura? Para mim, vale muito. Mesmo não sendo habituais opções podem, perfeitamente, construir uma história interessante em Alvalade desde que estejam rodeados de um elenco de qualidade que também os faça evoluir. E esta é a parte em que vocês se espumam todos e gritam em plenos pulmōes: “Foda-se! E queres ser campeão com jogadores deste tipo?” E eu respondo, com toda a calma e até um sorriso arrogante, que sem jogadores assim não conseguiremos ser campeões. Hoje, se calhar, ninguém se lembra mas por cada Acosta havia um Ayew, por cada Duscher havia um Bino e por cada César Prates havia um Saber. Ou seja, por cada jogador de qualidade indiscutível, haviam sempre uns quantos apenas úteis, de equipa, com características diferentes, que não levantavam ondas e que, nalguns casos, até eram verdadeiros cepos! Mas tiveram o seu lugar (e até tempo de jogo!) em equipas campeãs. Porquê? Porque é assim que se constroem planteis. Se fossem todos estrelas e de qualidade indiscutível andavam em guerra no balneário porque só podem jogar 11. São sempre precisos jogadores que sabem o lugar que ocupam, que são pacientes em esperar a sua chance e que trabalham nos limites. É aqui que enquadro jogadores como Tanaka, Rosell, André Martins e, em certa medida, até Montero. Não é “aqui” que está o problema de não termos lutado pelo título. Não podem ser os suplentes a ficar com o ónus de uma má época e os titulares a receberem os louros de uma boa época.

Afinal, perguntam vocês, onde está então o problema? Para mim, o problema está na regularidade (ou falta dela) dos titulares, na inexperiência do treinador e, claro, nos factores externos que não é neste texto que se pretende dissecar. Um treinador com experiência não só pode transformar uma equipa menos apetrechada num campeão (Inácio) como também pode ser inteligente em perceber que muito pouco se pode ensinar a um elenco de luxo (Boloni). É isto que traz a experiência: saber aquilo que se tem em mãos e utilizar a forma adequada para potenciar aquilo que existe, seja bom, mau ou assim-assim. Por outro lado, se quisermos realmente ser campeões, temos de aumentar a qualidade dos titulares. Isso pode ser feito de duas maneiras: ou se contratam jogadores melhores do que eles ou o treinador desenvolve melhor aquilo que já temos. Preferencialmente, ambas.

Em relação às segundas linhas, deixem-nos estar em paz porque estão muito bem. Melhor do que era expectável no início da época e com um rendimento bem interessante para o tempo de jogo que têm. O próximo defeso será fundamental para o nosso futuro. Se calhar, é preciso tomar decisões difíceis, como substituir alguns jogadores que consideramos “titulares” ou “indiscutíveis” por outros capazes de, não só assegurar um rendimento melhor como também de acrescentar coisas diferentes ao nosso futebol. Ou simplesmente mudar algo no modelo de jogo que potencie melhor os recursos que temos. Ou ambos. Não sei. O que eu sei é o seguinte: as alterações que precisamos e que farão aumentar o nosso nível terão de ser feitas nos onze jogadores mais utilizados. Porque foram eles os grandes responsáveis pela temporada que estamos a fazer. Para o bem e para o mal.

PS: Para terminar, quero deixar uma estatística que ajuda a perceber esta ideia: Montero, Slimani e Tanaka têm, juntos, 34 golos (14+13+7). Mais do que a soma dos golos dos avançados titulares e suplentes dos rivais. O problema é que, por exemplo, o Jackson e o Jonas, só na Liga levam quase 20 golos. Ainda acham que o problema está nas segundas linhas?

* todas as sextas, directamente de Angola, Sá abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!