Desde o início da temporada que o grande tema discutido tem sido as arbitragens. No caso do Sporting, estamos a falar de erros grosseiros em todos os jogos oficiais, o que, não sendo surpreendente, não deixa de ser inédito. No plano interno, reina a incompetência no sector e, pessoalmente, não encontro um árbitro que me encha as medidas como, por exemplo, acontecia há uns anos com Pedro Henriques ou neste último, com Marco Ferreira, que acabou a carreira fruto da sua inacreditável despromoção. Na Europa, a coisa é mais grave porque outros interesses se levantam e, mais uma vez, o Sporting bateu de frente com esses mesmos interesses. Na sequência da eliminação da Champions, o nosso Presidente voltou a trazer à baila o tema das novas tecnologias, em particular, o videoárbitro. Uma ideia que eu subscrevo na totalidade. Feito o repto pelo presidente, pus-me a pensar numa forma de aplicar o videoárbitro no futebol.

O exercício que se segue destina-se apenas tentar a encontrar uma forma de utilizar o videoárbitro no futebol sem que essa alteração descaracteriz a modalidade. Esta é apenas uma ideia entre várias e, espero eu, que a abertura deste debate aqui na Tasca seja um brainstorming útil para os amantes de um futebol justo, isento e imune a fenómenos como a corrupção, à semelhança do que acontece, por exemplo, com a NBA.

1) Hierarquia de árbitros e suas funções
Na minha opinião, cada jogo precisa de uma equipa de arbitragem constituída por 5 árbitros:
Chefe de equipa: Vídeoárbitro + auxiliar do cronómetro
Árbitros de campo: 2 (um em cada metade do campo)
Fiscais de Linha: 2 (nos moldes em que existem hoje)

Nesta equipa, o videoárbitro tem a função de anular ou validar qualquer decisão da sua equipa, os dois árbitros dentro das 4 linhas (um em cada metade do campo) têm a prorrogativa de ASSINALAR/DECIDIR as faltas dos jogadores e os fiscais de linha têm a função de ASSINALAR um possível/provável lance de offside. Portanto, em termos de hierarquia, temos 3 tipos de árbitros em que o primeiro é o DECISOR, os segundos são INDICADORES/DECISORES e os terceiros são apenas INDICADORES.

Porquê esta hierarquia?
Para mim, só faz sentido existir videoárbitro se tiver o poder de validar ou anular decisões. Deve ter intervenção limitada mas a sua intervenção só faz sentido se for definitiva. Os dois árbitros de campo, por serem segundos na hierarquia, significa que têm o poder de assinalar e decidir sobre todas as faltas dentro de campo. Ainda assim, o videoárbitro tem sempre o poder de anular qualquer decisão destes mas, como deve proteger a fluidez do jogo, dá liberdade aos seus 2 árbitros para assinalarem as faltas que detectarem e, APENAS em caso de erro grosseiro cometido (agressão, conduta anti-desportiva, mão na bola) é que interrompe o jogo. Os fiscais de linha são últimos na hierarquia porque limitam-se a assinalar possíveis lances de fora-de-jogo sem que a sua decisão valide ou anule o desfecho do lance. Mas já lá vamos.

Porquê dois árbitros de campo?
Para garantir uma maior eficácia nas decisões e limitar ao mínimo a intervenção do videoárbitro. Cada árbitro é responsável por “cobrir” uma metade do campo. Menos terreno para cobrir permite a cada árbitro estar sempre perto dos lances e não desgastar-se em correrias que influenciam o seu discernimento na tomada de decisão. E, inclusive, permite ao árbitro que não está “activo” na metade em que o jogo não está a correr a estar atento a possíveis lances de agressão sem bola que nem o videoárbitro nem o seu companheiro são capazes de detectar em tempo real.

2) Fiscais de Linha
Para além da introdução do videoárbitro, de mais um árbitro de campo, a completa reformulação de poder dos fiscais de linha é a grande alteração que proponho.
Para mim é absolutamente criminoso que um “bandeirinha” tenha o poder de anular uma jogada de golo iminente ou validar um golo que foi precedido de fora-de-jogo. Não defendo a substituição pura e dura dos fiscais de linha pelo vídeo árbitro porque é sempre necessário avaliar o lance em tempo real. Mas o poder de decisão não pode estar nas mãos deles. Daí, proponho que continuem a existir fiscais de linha mas cuja intervenção seja exclusivamente indicativa e, mais importante, que não obriguem à paragem do jogo. Para isto acontecer, é preciso que os fiscais de linha cumpram à risca a prorrogativa de, em caso de dúvida, beneficiar quem ataca. Quero com isto dizer que o fiscal de linha só deve levantar a bandeirola quando tem a certeza absoluta que existe offside e, em caso de assinalar, o lance só é parado quando o videoárbitro analisar a repetição e se a irregularidade tiver ocorrido.

3) Exemplos práticos do offside
A) Lances que terminam no imediato
Se o lance terminar com finalização ou com outra situação que obrigue à paragem do jogo, a decisão é fácil. Independentemente do fiscal de linha assinalar o offside, o lance corre e termina (com golo ou não) Se há indicação, o videoárbitro verifica e valida/anula. Se não há indicação, igual. Mas o jogo continua a correr e só se a irregularidade acontecer é que a interrupção é feita.

B) Lances que não terminam de imediato
Esta é a parte mais sensível desta proposta. Porque quando o lance não acaba, seja por recuperação de bola da equipa que defende ou por manutenção da posse de bola da equipa que ataca, a repetição do lance só ocorre quando o jogo pára e isso pode acontecer muito tempo depois da infracção ter ocorrido. E, pelo meio, poderá existir novo lance passível de ser offside. Aqui, a solução que proponho é: se no momento em que a verificação do lance é feita pelo videoárbitro, a equipa que defendia na altura do offside tiver a posse de bola, o jogo não pára. Senão, o jogo é parado pelo árbitro de campo e a bola devolvida à equipa com a marcação do livre no local do fora-de-jogo, como habitualmente. Para isso, seria necessário o auxiliar do cronómetro estar atento a quem tem a bola no momento em que o videoárbitro decide se existe irregularidade ou não. Mais uma vez, a interrupção só é feita se o offside realmente existir e for confirmado pelo videoárbitro.

No fundo, a ideia principal é deixar o jogo correr e interrompê-lo apenas quando o videoárbitro realizar a sua análise e decidir, como chefe da equipa de arbitragem, se existiu irreglaridade e se o jogo deve ser parado. Os bandeirinhas não teriam poder de decisão mas não perderiam a sua utilidade porque há lances claros que devem ser imediatamente assinalados e que o videoárbitro não tem hipótese de ver em tempo real. Há porém, uma situação para a qual não consegui encontrar uma solução. Há uma série de foras-de-jogo claros, que não deixam dúvida a ninguém mas que seriam apenas analisados quando o jogo parasse, deixando um grande período de tempo para o videoárbitro analisar um lance que não deixa dúvidas a quem está a ver o jogo ao vivo. E enquanto o videoárbitro não tem a oportunidade de avaliar o lance, o jogo corre com todos os intervenientes sabedores que existe um lance irregular anterior que motivará, dentro de poucos segundos, a paragem do mesmo. E Isso poderia, efectivamente, descaracterizar o jogo. Infelizmente, o único meio para evitar isto seria dar o poder de parar o jogo ao fiscal-de-linha, o que vai contra aquilo que é aqui proposto.

4) Agressões sem bola e conduta anti-desportiva
O videoárbitro teria sempre a prorrogativa de, não só assinalar estes lances que os árbitros de campo não viram, mas também de decidir a punição disciplinar imdependentemente do momento em que essa infracção é detectada. No caso dos lances onde o jogo está a decorrer, os árbitros de campo decidem os lances para amarelo mas nos lances de expulsão directa, é o videoárbitro que decide. Por outro lado, eu sou defensor que os lances para segundo amarelo deveriam igualmente ser decididos pelo videoárbitro porque podem ser decisivos para o jogo.

5) Paragem do jogo
Eu sou defensor do cronómetro parar nos tempos mortos. Acho que a atribuição e cumprimento do tempo de descontos é terreno fértil para um árbitro influenciar o jogo no seu momento mais decisivo. Como tal, sou adepto do videoárbitro, quiçá com a ajuda de um auxiliar, controlar o cronómetro, à semelhança das modalidades de pavilhão. Acabava o anti-jogo, acabavam as lesões inventadas e acabava com a perversão que são os tempos de compensação, o seu cumprimento e a não contabilização de novas paragens durante esse período.

Para tudo isto correr bem, as televisões teriam de disponibilizar a repetição tão rapidamente quanto possível, com a linha do fora-de-jogo no local certo e com a paragem do lance no exacto momento em que a bola é batida. Uma repetição tem de ser suficiente para o videoárbitro analisar e tomar a sua decisão o sucesso dessa análise depende muito da forma como a repetição é dada. Uma tarefa muito importante que, obviamente, não pode ser confiada à btv ou sporttv.

Esta proposta não é, nem de perto nem de longe, perfeita. Como nenhuma outra será. A ideia principal é que os árbitros convencionais perderiam grande parte do seu poder de decisão e concentrar-se-iam apenas na parte mais importante do seu trabalho: observação e interpretação de irregularidades nos lances. O ónus da tomada de decisão, pelo menos das mais decisivas, seria atribuido ao videoárbitro que é aquele que tem as condições mais favoráveis para tomar a decisão correcta.

Outra questão importante é a impossibilidade de aplicar estas medidas em todos os escalões competitivos. Mas isso, a meu ver, não é problema. Não é por se aplicarem apenas no escalão mais importante que deixaria de ser necessário. Afinal, as grandes receitas, os grandes objectivos e as grandes recompensas estão na Primeira Liga. E, talvez um dia, quando estas ou outras alterações se tornarem banais, se crie uma forma de aplicá-las nos escalões inferiores. Já antes haviam diferenças e ninguém se preocupou com essa questão. Nos distritais joga-se em pelados, na Segunda Liga só alguns jogos é que são transmitidos e muitas outras situações de desigualdade poderão ser encontradas para justificar o que quer que seja.

Qual é a vossa opinião?

* todas as sextas, directamente de Angola, Sá abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!