Intitula-se “O catálogo Doyen” e foi publicado pelo blogue Reflexão Portista. E é uma reflexão que vale a pena ler.

Numa esplanada, em Madrid, falando com um amigo que trabalha na direcção desportiva de um clube com quem o FC Porto faz negócios com alguma regularidade, discutiamos a politica de contratações dos dois clubes. Esse mesmo amigo contou-me anedoctas deliciosas de outros tempos, outros negócios mas foi claro ao afirmar que desde há dois anos para cá, tudo tinha mudado para toda a gente, incluindo o nosso clube. “O Porto”, disse-me ele, “já não negoceia directamente com quase ninguém. Nunca mais cá vieram os de sempre. Agora é tudo via eles.” Eles, neste caso, refere-se à Doyen Sports. A história não era nova mas contada por alguém que está directamente envolvido no meio reforça o que há muito se diz. Durante o mandato Pinto da Costa, especialmente a partir dos anos noventa, o FC Porto tinha empregados ou duas ou três pessoas de confiança do presidente, essencialmente agentes bem conectados como Luciano D´Onofrio ou Josep Maria Minguella, que negociavam futebolistas em nome do clube. A palavra final era sempre do presidente e muitas vezes até era ele que apresentava a lista dos jogadores que queria para avaliar a sua situação. Depois a direcção desportiva e esses cinco ou seis homens tratavam do resto. Eram conhecidos em toda a América Latina e toda a Europa e tratavam por “tu”, os membros das direcções desportivas de todos os clubes relevantes. Agora isso acabou. O FC Porto já não negoceia em seu nome. Agora negoceiam em nome do FC Porto, o que é diferente.

Esta história serve para exemplificar o que nos meandros do clube se passou a chamar o “catálogo”.
Desde há cerca de dois anos e meio os problemas de financiamento do clube deixaram a direcção num beco sem saída. Apesar das boas vendas de activos e das boas relações com empresários vários e clubes, a financiação do clube era cada vez mais complicada nas entidades bancárias – a crise é para todos – e para piorar a cada ano que passava os gastos – sobretudo a banda salarial – iam aumentando de forma descontrolada. O anuncio do fim dos fundos, a solução habitual, por parte da FIFA foi um golpe esperado mas duro. Um problema já que obrigava no papel os clubes a comprar a 100% o passe dos jogadores algo que há muito o FC Porto (e outros clubes) não faziam por ser impossivel arcar com os gastos. Nesse contexto problemático alguns desses fundos – que colaboram activamente com agências profissionais, servindo em muitos casos com elementos ocultos do seu modelo de negócio – sugeriram uma importante alteração. Continuariam a apoiar os clubes que quisessem trabalhar com eles, financiando a compra de futebolistas de forma encoberta mas, em troca, esses clubes deveriam obrigatoriamente mover-se essencialmente com activos do seu catálogo. Só em casos muito, muito esporádicos – desde a falta de uma opção viável no catálogo, a recusa de um jogador ou uma oportunidade de negócio que o clube comprador pudesse suportar só e via um agente paralelo mas com boas relações com a equipa dessa fundo – é que o fundo fecharia os olhos a um negócio paralelo. O grosso da actividade teria o backup financeiro, sim, mas também a exclusividade desportiva.
Um desses catálogos, o mais célebre e activo do mundo do futebol, pertence ao universo Doyen. A aproximação de Jorge Mendes – um agente que trabalha com o FC Porto desde há mais de quinze anos ainda que a sua relação tenha sufrido altos e baixos com o clube – começou anos antes, nos importantes negócios para o Manchester United (Anderson), Real Madrid (Pepe) e logo para a Rússia e para o Monaco. O passo seguinte era inevitável. O FC Porto já utilizava jogadores do catalogo Doyen e passou a ser parte de um clube que inclui outros ilustres como o AC Milan, o AS Monaco, o Valencia, o Atlético de Madrid ou o Inter que tomaram a mesma decisão, com o grau de “independência” a variar consoante o poderia financeiro de cada clube. Uma entidade com umas finanças depauperadas, como a nossa, tem naturalmente menos margem de manobra que um Milan. Mas a ideia é a mesma.

A partir desse momento o FC Porto perdeu muita da autonomia para mover-se no mercado.
É um homem da Doyen – mandatado pelo clube – quem negoceia em nome do FC Porto. O clube raramente envia os seus emissários a negociar. São os jogadores do catálogo Doyen os que se movem, a maioria das vezes entre estes clubes num circulo vicioso que serve apenas para alimentar o negócio já que a importante percentagem de comissão mantém a chama viva. Nunca um jogador Doyen fica muito tempo no mesmo lugar, é algo assumido por todas as partes. O caso Lucas Lima foi paradigmático. O jogador pertence ao catálogo da Doyen mas não queria vir. O Santos tinha dificuldades em vender abaixo de um determinado preço por isso foi dito ao FC Porto que era a única opção viável no mercado. Pegar ou largar. Obviamente existem centenas de jogadores como Lucas Lima no mercado e um clube com independência e poder financeiro para auto-sustentar-se, teria ido atrás dessas opções. O FC Porto não o foi porque não podia. A solução encontrada foi transformar outro activo Doyen já no clube – Brahimi – no sucessor de Oliver (outro negócio mediado pela Doyen tal como o de Adrian – emprestado sem opção de compra – e o de Jackson, todos com o Atlético) e ir ao mercado atrás de outro jogador da agência, Jesus Corona (num negócio a três partes entre o Twente, outro “clube Doyen” e o fundo original que pescou o jogador no México). Os 10 milhões – tal como os 20 de Imbula, que a Doyen tentou colocar no Inter e no Valencia antes – são ficticios. Oficialmente o jogador é 100% do clube, na prática é apenas um investimento alheio que se vai rentabilizar tendo custado, muito provavelmente apenas a metade em ambos casos. Como tantos outros.

A situação actual do FC Porto é precisamente essa.
Salvo negócios muito concretos – o de Casillas, mediado por Mendes apesar de este não ser o seu agente a pedido especial de Florentino Perez, o do lateral uruguaio, trazido pelo filho do Presidente nas suas costas até ao último minuto – quase tudo o que o FC Porto pode ou vai incorporar nos próximos anos está no catalogo da Doyen. Não há muitas voltas a dar. O catalógo é grande e há lá muitos grandes jogadores porque a especialidade de Jorge Mendes e dos seus é fazer todos felizes e para isso não podem vender gato por lebre. Há quem diga, não sem razão, que mais vale negociar com a Doyen conhecendo a qualidade do produto do que com um qualquer manhoso empresário sul-americano capaz de nos vender o futuro Mareque como se fosse Roberto Carlos. Essa é também uma das bases do êxito da iniciativa. Os clubes sabem que recebem quase sempre material de qualidade.

Além do mais este investimento tem o back-up financeiro do fundo que o clube não possui mas as contrapartidas são evidentes. O clube perde autonomia, o treinador perde autonomia e os jogadores sabem que ficam dois ou três anos até que o fundo decida movê-lo (ás vezes para outro clube seu, basta ver o que passou este Verão com o Monaco e os seus 170 milhões de euros em vendas, com o Valencia e o Atlético de Madrid, os que mais se mexeram em Espanha (trocando jogadores entre os três como Carrasco ou Abdennour) para rentabilizar o activo. O FC Porto poderia até encontrar o novo Messi perdido num clube qualquer que, por dois ou três milhões que não encontre para pagar, se esse jogador estiver fora do catálogo e sem interesse em entrar (como passou com Iturbe, por exemplo, a razão da sua saída do clube) ele acabará por ir para outro lado. Há clubes que passaram a colaborar com a Doyen de forma periférica depois de serem colaboradores activos como o Sevilla, conscientes de que isso ia limitar imenso a sua margem de manobra. Até agora a iniciativa tem funcionado porque o clube tem o melhor director desportivo do futebol mundial, Monchi. Outros usam o catálogo de forma consciente mas mantêm um grau de independência para arriscar em negócios concretos seus, por sua conta e risco como os grandes de Itália. O FC Porto não pode optar pelo primeiro ponto porque o desespero por ter uma equipa competitiva assusta os seus dirigentes e não pode ir pelo segundo porque a situação financeira, apesar de todas as vendas, continua a ser desesperante.

No fundo, no futuro, quando ouçam falar de um futuro jogador para o plantel confirmem primeiro se está no catálogo. Se assim for, a probabilidade até pode ser alta. Caso contrário, será um milagre. O catálogo controla agora o destino deste e dos futuros planteis. É o preço a pagar por querer ser quem não se é.