De vez em quando há jogos assim. Jogos em que os 11 jogadores que entram em campo não mandam uma para a caixa. Seria mais fácil começar a bater naqueles que eu não gosto e passar-lhes já o atestado de incompetência que muita gente estava mortinha para passar. Mas como praticamente todos estiveram mal, tenho de pensar que o problema foi colectivo e, mais grave ainda, de motivação. Todos os jogadores que entraram ontem já nos brindaram com boas exibições numa determinada altura dos seus percursos no Sporting. O próprio treinador já elogiou a maioria deles.

Assim sendo, passemos já à conclusão óbvia: há alguns jogadores que fazem parte das segundas linhas que estão a lidar mal com essa condição. Se há coisa que eu aprecio é quando um suplente está fodido com esse estatuto e utiliza esse sentimento para ganhar um lugar entre os titulares. Já quando se acomoda a esse estatuto ou a frustração se manifesta em campo, é motivo para preocupações que, em última instância, até podem acabar com a saída desses jogadores do clube. Se cada jogo da Liga Europa é uma oportunidade de ouro para perceber quem quer ser titular, então tenho de concluir que pelos vistos ninguém quer ser. Já levámos 3 do Lokomotiv e agora levámos 3 do Skenderbeu em dois jogos que são fotocópias um do outro. Há duas excepções: Bruno Paulista e Matheus que não jogaram o primeiro jogo e ontem foram dos poucos que tentaram remar contra a maré. Portanto, se há dois jogadores que merecem mais minutos no campeonato, são estes dois. Os outros apenas demonstraram que é no banco que, neste momento, merecem estar. E só eu sei o que me custa escrever isto, porque estou a falar de jogadores que eu, pessoalmente, aprecio.

Não vale a pena relativizar a vergonha de ontem. Mas também não vale a pena fazer disso uma tempestade num copo de água. E, acima de tudo, é preciso contextualizar. Estamos a falar de uma competição que o próprio treinador desvalorizou e isso, bem ou mal, acaba por influenciar a motivação dos jogadores. Por outro lado, o próprio jogo foi aquilo que nenhuma equipa deseja para si: sofrer um golo na primeira vez que o adversário vai à nossa baliza, sofrer outro e uma expulsão na segunda vez que lá vai e sofrer o terceiro num erro patético do guarda redes que entrou. Se a reacção sempre esteve difícil, depois daquele segundo golo e expulsão ficou impossível. Ainda assim, seria bom ter visto a fibra desta malta que, mesmo não conseguindo, podia ter tentado. Mas sobre isso já escrevi acima.

Pessoalmente, já dissequei o jogo de ontem e já mudei o chip para Arouca. Mas há muita gente que aproveita estes jogos que, felizmente, são cada vez mais excepção a uma regra que nos coloca, de momento, no primeiro lugar e que já nos rendeu duas Taças desde que BdC pegou no clube. E que regra é essa? É a regra que diz que jogos como o de ontem são a excepção. Que aquilo que se passou ontem, não deixando de ser um escândalo, também já não acontece muitas vezes. Voltando a esses digníssimos Sportinguistas, eles aproveitam todo e qualquer desaire para desancar nos jogadores, no treinador, no presidente e debitam uma teoria que, para mim, é a coisa mais ridícula e mais patética que já li: a teoria de que o clube não devia colocar à venda bilhetes e upgrades para a Liga Europa porque o próprio clube não quer ganhar a competição. Ou que o clube devia reembolsá-los pela vergonha. Isto, para mim, é a perfeita definição do adepto das vitórias. Quando fomos à capoeira dar 3, esses adeptos provavelmente acharam “normal”. Hoje querem reembolsos e sentem-se enganados. Alguém apontou-lhes uma arma? Foram obrigados a comprar os bilhetes ou a fazer o upgrade? Na próxima vez, ao invés de reclamarem, não comprem o bilhete. Porque se há coisa que me irrita mais do que ler os comentários em dias como o de ontem, é ver que existem Sportinguistas que continuam a achar que o clube lhes deve alguma coisa.

Ser adepto ou sócio de um clube não dá direito a exigir o que quer que seja só porque se contribui. Apenas dá o direito de mudar alguma coisa se o rumo não for o correcto. A exigência, essa tem de ser exercida por quem dirige o clube e o grupo de trabalho. E, acima de tudo, tem de ser exercida pelos próprios atletas em relação às suas prestações. A “nossa” exigência não é mais do que um eufemismo para uma frustração em relação a uma ou outra exibição. Temos de ser exigentes? Claro, estamos no Sporting, um clube que tem a responsabilidade de entrar em campo sempre para ganhar. Mas será que essa “exigência” nos torna imunes a jogos como o de ontem? Nem por sombras. Humilhações como a de ontem acontecem ao Sporting e ao Real Madrid. Então, a questão que se põe é: como devemos exercer essa exigência? – resposta, para mim, é clara e tem de ser dada em duas vertentes: primeiro, no apoio. A melhor forma de exercer a nossa exigência é deixar claro que naquilo que é nosso dever, não falhamos. Ou seja, fazer sentir aos jogadores que não vai ser por nós que não vão ganhar jogos. E, segundo, avaliar a direcção e perceber se jogos como o de ontem são excepções ou começam a ser uma regra e, consequentemente, fruto de uma eventual deficiente gestão desportiva.

Pegando nesta última, BdC tem a obrigação de deixar claro a Jesus que um clube como o Sporting não pode “escolher” competições. Por outro lado, também deve perceber que a profundidade do plantel, provavelmente, não será suficiente para “ir a todas para ganhar”. Parece contraditório e é, mas por isso é que ser presidente do Sporting não é para todos e requer o entendimento de todas estas questões. A forma de resolver isto é ir dando mais e melhores jogadores para poder gerir com mais segurança e aumentar a competitividade do plantel. Por outro lado, também é preciso entender, nós e o presidente, que estamos no primeiro ano de Jorge Jesus. Estes percalços são compreensíveis num primeiro ano e, sobretudo, quando se tratam de jogadores menos utilizados. Se a equipa habitual está a crescer a olhos vistos, os menos utilizados começam a ver a titularidade por um canudo e esta circunstância é nova para eles. Jogadores como Mané e Montero, que eram titulares ou com muito tempo de jogo, hoje estão a ter cada vez menos minutos e estão a ser ultrapassados por outros. Tudo isto é novo para eles e acredito que não estejam a reagir da melhor forma. Porém, isto só acontece porque a equipa titular tem estado muito bem. E esta circunstância, assinarei sempre de cruz. Sobretudo quando nos coloca isolados no primeiro lugar.

Feito o desabafo, passemos então às consequências. Ontem, um resultado destes era motivo para alarme porque, naturalmente, levava sempre a outro resultado negativo e a uma consequente crise de resultados que normalmente acabava no despedimento do treinador ou em eleições no clube. Hoje, já temos provas mais do que suficiente para saber que isto será tratado com a importância devida e pelas pessoas certas (BdC e JJ). Não sei se vai haver rebocada, não sei se vai haver facebookada nem sei que tipo de abordagem fará o treinador. O que eu sei é que isto não vai ser tratado com paninhos quentes e que, acima de tudo, vai suscitar uma reacção para o jogo seguinte. E também prevejo que acontecerá uma espécie de separação do trigo do joio: quem quer ser titular e quem se acomodou. O primeiro grupo continuará a ser opção para Jesus e o segundo grupo será, paulatinamente, afastado até ao final da época. Resta aos jogadores escolher onde querem estar. Porque é disso que se trata, da sua motivação, da sua vontade e da sua forma de lidar com o estatuto de suplente. A mim, ninguém me vai convencer que os titulares do Skenderbeu são melhores que os suplentes do Sporting que lhes enfardou no jogo imediatamente anterior. O que mudou de um jogo para o outro não foi a qualidade dos jogadores, foi a sua atitude e a sua concentração. Este será, porventura, o maior desafio de Jesus este ano no Sporting. E neste processo, é possível que percamos alguns jogadores mas não tenho dúvidas que ganharemos outros. Se daqui a uns meses ganharmos uma mão-cheia de jogadores em perfeitas condições de lutar por um lugar na equipa e de serem mais-valias quando forem chamados, se calhar, uma eventual eliminação da Liga Europa poderá ser o preço a pagar para encontrar esses jogadores dentro do próprio plantel.

PS: Como disse acima, não sou apologista de “escolher” competições. Mas aceito que se definam prioridades. E se o treinador acredita fielmente que rodando 11 jogadores na Liga Europa estaremos em melhores condições de disputar o campeonato até ao fim, mesmo criticando esta postura, não vai ser por minha causa que Jesus não vai poder testar esta sua teoria. Só um louco é que acha que o Sporting é candidato a vencer a Liga Europa, uma competição que apenas foi ganha duas vezes por um clube português. E para isso basta ver a qualidade dos melhores clubes que aqui estão e que ainda vão entrar em prova os terceiros classificados da Liga dos Campeões. Num primeiro ano de Jesus é uma loucura pensar nisto. Num segundo ano, quiçá, depois de disputarmos e, eventualmente, cairmos da Liga dos Campeões, poderá ser mais exequível. Jesus tem um plano para disputar finais europeias, plano esse que resultou em dois anos. Em nenhuma parte desse plano está escrito que isso acontece no seu primeiro ano de clube. E o plano é simples: No primeiro ano, entrar directamente na Champions via título ou via 2 lugar mesmo com prejuízo de uma prova europeia e nos anos seguintes, com receitas da Champions e de venda de jogadores, reforçar fortemente o plantel e criar condições para continuar a disputar o título e chegar longe na Europa. O plano de “ir a todas e ganhar tudo no primeiro ano”, acontece uma vez na vida. E só acontece com grandes planteis, grandes treinadores e muita sorte nos sorteios, tudo isto conjugado. No nosso caso, já temos um grande treinador. Ainda não temos um grande plantel, mas já temos um bom plantel. Sorte nos sorteios, bem, isso nunca teremos. Deixemos Jesus por o seu plano em marcha. Ele tem esse direito. No momento próprio avaliaremos se o plano resultou ou não. E esse momento não é agora.

 

* todas as sextas, directamente de Angola, abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!