São noites como a de ontem que tornam o futebol singular na sua beleza. Uma beleza que vai muito além dos desenhos tácticos, das fintas, dos remates, dos golos. Uma beleza que advém de partilhar algo com milhares dentro de um estádio e, de cada vez que erguemos um punho vitorioso ou rasgamos mais um pouco das cordas vocais, ser capaz de levar essa partilha até aos que estão longe fisicamente, mas com quem comungamos uma paixão que não pára de alimentar este grande amor.

Foi tudo isso que se cantou quando as equipas entraram. Porque se o Sporting nasceu um dia e faz cantar dos netos até aos avós, não é menos verdade que escutar quase 50 mil gargantas a entoar “o mundo sabe que…” faz estremecer até um Leão de pedra. E mal adivinhávamos que, efectivamente, o Sporting seria obrigado a ser não de pedra, mas de aço, face a um fcp que parece ter-se preparado para este jogo como ainda não se havia preparado para nenhum outro esta época. As faíscas que resultavam de cada disputa de bola não deixavam margem para dúvidas: isto era jogo para gente crescida.

Curiosamente, na ausência de Teo, Jesus deitou mão a um gaiato, Matheus. Puxou Ruiz para as costas de Slimani e deu liberdade a João Mário para fazer o que quisesses na lateral que lhe fosse oferecida. Agradeceu o “pantufas”, partindo para uma grande primeira parte onde foi capaz de desequilibrar por ele e por Ruiz, estranhamente incapaz de se ambientar à colocação em zona central. E desse sinal menos do costa riquenho, nasceu, também, uma maior dificuldade em pressionar as saídas de bola adversária. Foram 15 minutos de bolas divididas, pouco ou nenhum espaço, com vantagem para quem optava pelos lançamentos longos. Foi dessa forma que o azuis e brancos criaram a ilusão de superioridade e apareceram mais vezes embalados pelos corredores laterais. Curiosamente, seria pela zona central que criariam maior perigo: à primeira, Patrício foi mais rápido a sair da baliza do que Aboubakar, à segunda, com o camaronês pela frente, o número 1 leonino fez-se maior do que uma baliza e transformou um golo feito numa monstruosa defesa.

vsfcp3Antes, já Alvalade tinha explodido de alegria. Livre de Jefferson, castigando uma das infindáveis faltas de Maxi Pereira, e brutal cabeçada de Islam Slimani. Um golaço que deixou pregados ao relvado Indi e Danilo e que catapultou o Sporting para uma vitória inquestionável. A partir desse momento, exceptuando o tal lance de Aboubakar, o fcp jamais conseguiu criar verdadeiras oportunidades de golo. Perigoso, sim, nos constantes esticanços à conta e Brahimi e Corona e nas correrias desenfreadas que procuravam criar superioridades nas faixas laterais, mas sem ideias para lá das mais valias individuais de cada um dos seus executantes.  E a diferença este mesmo aí: além da excelência dos seus executantes, o Sporting foi uma equipa na verdadeira dimensão da palavra.

Uma equipa que passou grande parte dos 90 minutos com dez homens a pressionarem o meio-campo adversário e que não teve medo de arriscar dar-lhe o maior trunfo que podia ter: os lançamentos longos. Mérito de Jesus, capaz de dar aos seus jogadores uma dimensão táctica extra e uma intratável crença em si mesmos; mérito dos jogadores, que sabem interpretar o que lhes é pedido e que, semana após semana, estão cada vez mais confiantes naquilo que conseguem fazer (fantástico o nível a que o carrossel William, Adrien, João Mário, Ruiz consegue atingir).

E o que a turma de Alvalade é capaz de fazer ganha outra dimensão sempre que o adversário abandona o conforto da sua zona defensiva. À necessidade de trocar os lançamentos longos e saídas rápidas pela iniciativa do jogo, o fcp respondeu sem ideias; à possibilidade de utilizar o espaço que, também fruto do cansaço provocado por 45 minutos luta, ia surgindo, o Sporting surgiu com futebol de primeira água que só não resultou em mais golos porque a barra e o poste da baliza de Casillas devolveram a cabeçada e o remate de Slim e de Adrien. O que poderia ter acontecido a este fcp caso uma dessas bolas entrasse não se sabe, mas o risco de um resultado bem mais pesado seria efectivo. Principalmente se o árbitro soubesse castigar com segundo amarelo um tal de Herrera, depois de Gelson lhe arrancar os rins, ou colocasse na rua um tal de Maxi pelas constantes provocações e agressões.

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Nada disto aconteceu, mas aconteceu um segundo golo, novamente por Slimani, agora servido por um Ruiz que Jesus insistiu em manter em campo quando milhares de adeptos não descartavam a sua saída (eu ia tendo um acesso de raiva à conta das trocas de bola displicentes entre Bryan e o William em inferioridade física, que resultavam em perigosas perdas de bola). Era um ponto final num jogo de luta intensa, onde Slimani decidiu, onde patinhos feios como João Pereira ou Naldo foram figuras maiores, onde Rui, Ruiz (muito a espaços) e João Mário deram o toque de classe e onde Adrien meteu tudo e todos no bolso e mostrou o quão vergonhoso é não ser titular absoluto da selecção nacional. E quando Alvalade, em peso, se levantou para aplaudir a sua saída, percebeu-se um pormenor que faz toda a diferença: em Alvalade, mora um Leão à imagem do seu capitão. Saibamos nós segui-lo e apoiá-lo nas 20 finais que faltam!