Intitula-se «Uma grande luta não faz uma grande Liga», foi escrito por Nuno Madureira no MaisFutebol e chama a atenção para assuntos face aos quais a maioria das pessoas com responsabilidade continua a assobiar para o lado.

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Retomo uma ideia que já tinha defendido no Maisfutebol da TVI 24: o adiamento da decisão do título para a última jornada, por força da vitória do Sporting, no sábado, foi um ato de justiça para este campeonato. Afinal, a luta de Benfica e Sporting pelo primeiro lugar merece ser esticada até ao limite do prazo: teve tanto de intensa, equilibrada e meritória – lá dentro, ao fim de semana – como de feiinha, e de canela até ao pescoço, cá por fora, de segunda a sexta.

Dito isto, esta grande luta, e este prolongar de emoção até ao último dia, mesmo sendo extensivo ao nome do segundo despromovido e do último apurado para a Europa, está longe, muito longe, de chegar para fazer uma grande Liga. Entre muitas outras razões, porque seria impensável, numa grande Liga, que os seus principais símbolos promovessem sistematicamente a ideia – amplificada por aparelhagens de conveniência, e engolida com silêncio envergonhado pelas próprias estruturas da Liga – de que tudo o que se vê nos relvados (à exceção das vitórias próprias, por coincidência todas elas imaculadas como querubins) é condicionado, manipulado e decidido com má-fé por manobras do lado de fora.

Quem, no seu juízo perfeito, quer ver uma Liga assim? A resposta é simples: só os adeptos das equipas que ganham, ou que alimentam a esperança de ganhar mais vezes – e se em Portugal essas equipas raramente foram mais de duas ou três, nos últimos tempos estão cada vez mais distantes das outras. Assim, pegando num exemplo concreto, nesta época as subidas na média de assistências na Luz e em Alvalade são, obviamente, boas notícias para o bolo da Liga. Mas mascaram a realidade de uma prova em que metade das equipas tem taxas de ocupação dos estádios inferiores a 40% e em que um quarto dos jogos (67 até à 32ª jornada) tem menos de 2 mil espectadores pagantes.

Antes que me atirem com o óbvio, sou o primeiro a reconhecer: lá nas grandes Ligas, essa terra imaginária, tão longínqua para quem passa um domingo à chuva em Tondela, Arouca ou Moreira de Cónegos, também há desequilíbrios. Também há clubes com mais peso do que outros, pela história, pela geografia, pela tradição, pelo número de adeptos e por tudo aquilo que em tecnocratês de bancada se designa por valor de mercado. E, como é óbvio, também aí esses grandes clubes ganham mais vezes. Mas, numa grande Liga, a preocupação com o equilíbrio e com a viabilidade financeira dos seus participantes é transversal e antecede, com regras claras, de partilha de receitas, a discussão sobre o tamanho das fatias de poder económico e político que cabe aos maiores. Discussão essa que, todos concordam, não pode pôr em causa o tamanho do bolo comum.

Quase tudo por cá – não me ponho de fora, a Comunicação Social está obviamente incluída no rol de responsáveis – tem contribuído para esbater a relação de proximidade entre os potenciais adeptos e os clubes que lhes são geograficamente mais próximos. Nesse sentido, foi bonito, e simbólico, ver a festa de subida dos adeptos do Chaves, em comunhão com os jogadores, a um domingo de manhã, no extremo mais distante do pais, depois de uma noite inteira de viagem. Tal como foi triste e simbólico testemunhar, na tarde de sábado, a queda anunciada de um histórico com adeptos, tradição e carisma, como é o caso da Académica.

Mas, todos o sabemos, momentos como esse são exceções. A tendência é para reduzir a discussão semanal aos dois ou três penaltis e foras de jogo, dos dois ou três jogos que verdadeiramente contam para alguma coisa. E essa tendência só vai acentuar o cenário atual: de uma Liga de fachada, com três concorrentes de elite, eventualmente com um peso médio a reboque, à frente de 14 parceiros de circunstância, que vivem de alianças e amuos, na dependência das sobras de jogadores e das receitas que os grandes lhes proporcionam.

Depois, em semanas como esta, entre um penalti e uma expulsão, ainda nos sobra tempo para reparar num ou noutro Leicester da vida. E gostamos, claro: com tanta má-fé e cegueira podemos já ter perdido a inocência, mas ainda nos emocionamos com contos de fada. Especialmente quando temos a segurança de saber que tudo vamos fazendo para que os contos de fadas só aconteçam lá longe, no país imaginário das grandes Ligas.