Não sei se te aconteceu o mesmo, mas tenho levado a semana a recordar-me de um dos episódios mais marcantes do meu trajecto enquanto adepto do Sporting Clube de Portugal. Há nove anos, se a memória não me falha, o Sporting recebia o Belenenses, treinado por Jorge Jesus, e precisava de ganhar e esperar que o fcPorto escorregasse com o Aves para poder sagrar-se campeão. Alvalade encheu, mesmo face a um campeonato que, tal como este, surgia inquinado por decisões do apito. E depois de festejar quatro golos, já sabendo que do outro jogo nada havia a esperar, aquela moldura humana uniu-se num cântico menos elaborado que O Mundo Sabe Que, mas tão ou mais arrepiante pela espontâneidade com que surgiu. Foram nove longos minutos em que, de cachecol aberto, mais de 40 mil almas cantaram a uma só voz “Até Morrer, Sporting allez!”.

E tenho-me lembrado desse momento porque voltamos a partir para uma última jornada com este sentimento de esperança reduzida, lúcida, ilusória, o que quiseres chamar-lhe. Mas esperança. Recuso-me que seja de outra forma, mesmo depois da fantochada que foi aquele jogo na Madeira (só para dar um exemplo). E recuso-me, desde logo, por respeito a tudo o que a nossa equipa tem feito ao longo de toda esta época e por olhar para a partida de amanhã como mais uma oportunidade de ver em acção estes homens, que tão bem têm sabido envergar a camisola verde e branca de Leão Rampante ao peito. Será a última oportunidade, esta época, de ver praticar o melhor futebol cá do burgo, de poder gritar Ruuuuui depois de uma defesa, de poder ver o Schelotto evoluir de jogo para jogo, de sorrir ao ver o patrão Coates e o aspirante Semedo, de tentar que o Marvin me ouça quando grito para o gajo sacudir o peso da camisola e jogar o que sabe, de ajeitar o bigode que não tenho quando o William domina o meio-campo no seu estilo tartaruga, de esperar que ninguém veja que pinguei a cueca quando o João Mago e o Ruiz ajeitam a bola, de tentar correr ao lado do Gelson dizendo-lhe “bora, puto, parte esse gajo!” e de, depois do Slimani moder a língua, ficar com a vista mais enevoada do que quando vou à bola e me esqueço dos óculos.

Amanhã é hora de terminarmos este trajecto que fizemos juntos. Fomos e somos melhores dentro e fora de campo e é isso que amplia o sentimento de angústia quando pensamos na próxima partida, disputada num estádio onde nos afastaram de uma competição que seria nossa (aposto não um, mas os dois testículos). Tudo isto, frente a um adversário que cabe num dos momentos mais marcantes da caminhada 2015-17. Tão marcante que ainda sinto a roupa molhada de tentar proteger uma roupa mais pequenina que se ergue ao meu colo e, de olhos arregalados, agitada um cachecol de forma frenética depois da remontada. Depois de termos carregado uma equipa em ombros. Depois do capitão Adrien ter feito o primeiro e, virando-se para nós, nos dizer “venham daí, caralho!” (achavam que eu ia esquecer-me do 23? O gajo foi impedido de jogar amanhã, mas o seu espírito estará presente em cada um de nós). E nós fomos, fomos todos, porque isto funciona mesmo assim e porque mesmo que não o seja esta época terá que ser sempre nossa na redefinição do que somos e do que queremos ser.

«Vamos ser campeões, pai?»
“O importante é ganharmos o nosso jogo, depois logo se vê”
«E se os lampiões empatarem somos campeões?»
“Sim”
Faz-se uma pausa e as ideias ajeitam-se na cabeça da pequena Leoa.
«Pai… mesmo se não formos campeões posso levar a camisola do Sporting para a escola? Quero levá-la na mesma»

E quando lhe digo “claro que podes”, percebo que, uma vez mais, é a forma infantil de olhar o futebol que guarda a nossa essência. É essa pureza, esse prazer do jogo pelo jogo, esse cagar na expressão “zero ídolos” que guarda a resposta ao raio das inquietudes adultas que perspectivam o que se seguirá ao último jogo do campeonato. Não há nada mais simples do que isto, afinal: depois de amanhã seremos Leões tão ou mais orgulhosos do que somos hoje. E era o que faltava dependermos de uma conquista para dizê-lo ao mundo!