O meu Tio Aires era um rapazinho de 32 anos, tinha eu cinco. Sportinguista convicto tinha uma paixão louca pelos cinco violinos. Era médico e trabalhava no Insttituto de Oncologia. A exiguidade do corpo médico da época exigia dos efectivos que fossem sempre os mesmos a estar de serviço dias seguidos, noites seguidas seguidas de dias seguidos. Dormiam-se uns minutos numa cadeira num corredor, numa marquesa num gabinete vazio mas as noites e os dias eram um permanente sobressalto, designadamente para os cirurgiões.

Especializado em cancro da vista, ambidextro perfeito, numa época em que o laser não existia e o bisturi exigia uma mão totalmente firme. era, nessa altura já solicitado pelos mais importantes hospitais Europeus para operações que exigiam alguém que tanto segurasse o bisturi com qualquer das mãos, sem a mais leve tremura. Capitão e ariére da Selecção Nacional de Rugby, jogava no Direito porque o Sporting “já não tinha Rugby”. levava-me a Alvalade aos jogos e fez de mim Sportinguista ferrenho, agressivo e directo, como ele. Ele foi o meu ídolo e o meu Herói de infância a arte marcial que praticava era o Jiu Jitsu nos seus primórdios, em Portugal.

Um dia apresentou-me ao Juca e ao Travassos. Noutro, apresentou-me ao Jesus Correia e finalmente, um dia levou-me à Socidel, na Rua Nova do Almada, para conhecer o Peyroteu, cujos golos e jogads com o Albano e o Vasques me descrevia com a emoção, para mim, de um relato de futebol.

Numa manhã de Outubro de 1961 saiu do instituto do Cancro (como na altura era conhecido) meteu-se no Fiat 600 para regressar a casa. Tinham sido dois dias e duas noites a “operar”, com escassas horas de sono de permeio. Passou o portão, virou à esquerda e adormeceu. Colidiu com um autocarro que estava parado na paragem do lado esquerdo da rua. O Sportinguista, o Médico, o Atleta, o meu ídolo, morreu ali de imediato. Ficou-me a memória dele que, jamais esquecerei e a dos cinco violinos que, não tendo visto ao vivo, vi com ele em sonhos toda a minha vida.

As lendas entram na história e por vezes já são dela inextricáveis. Aires José Belard Kopke, um violino que toca ainda hoje no meu coração velho de sessenta e dois anos.

Este troféu significa para mim todo o meu amor ao Sporting, toda a alegria e felicidade que uma infância permite viver. É tão fundamental como o “Crónico” no meu imaginário repleto de lenda. Este Troféu tem de ser nosso, só pode ser nosso, não é de mais ninguém, Este troféu tem de ficar em Alvalade, dê lá por onde der.

 

Nota da Tasca: Jorge Jesus, borrifa-te no Bloco de Notas e usa este texto como palestra. Ou, se preferires, resume o discurso a «Este Troféu tem de ser nosso, só pode ser nosso, não é de mais ninguém»

 

Comentário feito por Mário Túlio

*«eu ouvi o teu comentário» é servido sempre que o homem do balcão consiga distinguir uma boa posta por entre o barulho dos pratos