Como não podia deixar de ser, o meu primeiro texto alusivo à época que já começou não podia começar sem a habitual fezada em relação a uma das novas contratações. Só o facto de me por os olhos a brilhar em cada defeso de cada época do seu mandato, o Presidente e a sua direcção tem a minha gratidão. Começou com Montero, depois veio Nani, a seguir aterrou Bryan e este ano chega Alan Ruiz. Quatro fantásticos futebolistas que, sendo diferentes em caracteristicas, idade e experiência, tiveram o condão de me entusiasmar como uma criança que recebeu tudo aquilo que queria no Natal.

Falemos então de Alan Ruiz. Se estão à espera que meta para aqui números (mesmo sendo um defensor da análise estatistica) tirem o cavalinho da chuva. Tudo o que vão ler de seguida não tem qualquer sustentação, é apenas uma mistura daquilo que vejo, aliado ao meu infantil entusiasmo. Trata-se de um tipo de jogador cada vez mais em vias de extinção, o artista, o 10. Não há aqui muito para descrever, todos sabemos identificar um criativo. Todos conhecemos a sua aparente lentidão (quem espera que seja apenas fruto de mais umas parrilladas para queimar pode ficar desiludido) e a sua invulgar relação com a bola. Isto, para mim, é adquirido. Na minha cabeça, a questão resume-se apenas a quanto tempo Jesus vai levar para perceber que este rapaz tem de jogar sempre porque traz duas coisas, duas coisas apenas, que ninguém no plantel tem, de forma inata e que tanta importância têm no principal objectivo de um jogo de futebol: Visão de Jogo e Último Passe.

Antes que comecem a atirar-me copos e a gritar, possessos, “E o João Mário? E o Bryan? E o Iuri?” Devo dizer-vos que as assistências de João Mário e Bryan, resultaram, sobretudo de cruzamentos para a área onde estava Sli. O que não tem mal absolutamente nenhum! Mas não é disso que falo. Falo da capacidade, raríssima, de primeiro levantar a cabeça, ler o jogo e encontrar a linha de passe que desequilibra toda a defesa (preferencialmente que isole um companheiro) e, não menos importante, ter os tomates em conformidade para executar na perfeição. Voltando atrás, tanto Bryan como JM sabem fazê-lo mas o seu talento natural sempre esteve no drible e no controlo de bola e foi por isso que se deram a conhecer ao Mundo. O último passe é apenas uma das opções das muitas que costumam tomar, sejam elas com maior ou menor risco. E é precisamente a avaliação do risco de uma acção que os distingue todos. Para Alan (e, em parte, Iuri), não há risco nenhum em tentar colocar alguém na cara do golo. Para eles, a recompensa vale sempre o risco. Mas para Bryan e JM, tendo uma maturidade superior e um trabalho táctico muito forte, o risco de falhar e perder a posse de bola está sempre presente, o que revela uma evolução diferente como jogador.

Alan Ruiz é diferente. Tem os mesmos recursos técnicos que referi acima mas pensa o jogo de forma diferente. O seu primeiro pensamento, após ter a bola controlada e o mínimo tempo e espaço para pensar e executar, é encontrar um companheiro com espaço em profundidade. Melhor, a sua primeira vontade é encontrar O companheiro em profundidade. Que normalmente é aquele que faz o golo. Isto nada tem a ver com técnica (excepto na execução) ou táctica. Tem a ver só com capacidade de pensar, qualidade de execução e, o mais importante, os colhões para o fazer, algo que muito poucos têm mas não fazem, quiçá pelas amarras tácticas do futebol moderno, e outros não têm mas fazem de vez em quando bem mas muitas vezes mal. O bom disto é que basta fazer bem uma vez e, se o companheiro for um jogador minimamente decente e estiver concentrado, é golo garantido.

Escrevo isto porque tudo o que vejo nele mostra essa forma de ler o jogo. Desde a postura corporal (tronco direito e cabeça levantada), passando pela forma como tenta sempre controlar a bola antecipando o que vai fazer a seguir e o seu primeiro toque, tudo isto diz-me que ele é especial. Depois, é ver o tipo de oportunidade/desequilíbrio que ele cria ou tenta criar e perceber que potenciar isto vale bem mais do que qualquer tareia fisica ou “intensidade” em campo. Futebol são golos e Alan Ruiz é um criador deles. Tão simples como isto.

Mas como o Universo não ficou satisfeito só com isto (parece que gosta mais de futebol inglês com balázios do meio da rua em todas as jornadas), ainda deu ao argentino uma potência e colocação de remate acima da média. Tanta que já jogou não só a segundo avançado como mesmo a PL, fazendo a sua melhor série de golos a jogar nessas posições na Argentina.

Neste momento, tendo em conta a forma com que ele chegou, a maioria de vocês acha que, naturalmente, estou a exagerar. E provavelmente estou. Mas gosto de pensar que há duas coisas no Mundo que sou capaz de reconhecer a léguas: um bom jogador e uma gaja boa. E, definitivamente, o Alan Ruiz é mesmo uma gaja boa.

* todas as sextas, Sá abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!