Num mundo perfeito, cerca de 45 mil pessoas não deviam ter que deslocar-se ao estádio a que chamam casa, para ver o jogo mais entusiasmante do seu país, tentando fechar na gaveta mas esquecida da sua mente o facto de um adepto ter sido assassinado uma dezena e qualquer coisa de horas antes. Mas esse mundo perfeito não existe e o futebol português está longe, cada vez mais longe de mostrar ter vontade de alterar o cenário, por isso foi em clima pesado que se avançou para o dérbi.

E se em termos desportivos este jogo pouco ou nada acrescentava para o Sporting, em termos conjunturais era uma oportunidade de bater o mais relevante culpado pelo estado a que chegou este jogo da bola cá no burgo. Era uma oportunidade para, uma vez mais, erguer o punho por uma revolução tão demorada como ansiada, da qual vale a pena não desistir. Trocando os cravos por telemóveis, os Leões e Leoas que lotavam Alvalade como que iluminaram o caminho para essa vontade. E a entrada em campo da equipa não deixou margem para dúvidas: caiu em cima do adversário.

Tão em cima que, logo aos 3 minutos, Bas Dost mostrou que essa coisa de ser um assassino profissional não se faz apenas de disparos certeiros e aproveitou a brincadeira entre Luisão e Ederson para ensaiar uma tentativa de ser mais rápido do Gelson Martins e obrigar o redes encarnado a pontapeá-lo de forma grosseira. Penalti claríssimo, com o apitadeiro Soares Dias a deixar no bolso o mais do que óbvio cartão amarelo. Dost, capitão sem braçadeira, ainda se aproximou da marca os 11 metros, mas Adrien Silva puxou dos galões que um indiciam como próximo major e tratou de enfiar a bola lá dentro.

Mas se se pensou que a equipa iria cavalgar sobre o seu adversário, foi puro engano. William, ali ao bater dos 20 minutos e num dos últimos passes acertados que conseguiu fazer antes de entrar numa espiral de perdas de bola exasperantes, lançou a corrida de Gelson para uma cueca épica a Grimaldo e uma tentativa de meter a bola em Alan Ruiz que acabaria cortada pela defesa. E já que falamos em Alan Ruiz, pode dizer-se que é complicado querer fazer uma revolução com um gajo a menos em inspiração e transpiração. Ausência total do argentino de um jogo onde muito dele se esperava, a que se juntarmos a total desinspiração de Bruno César e o esforço inglório de Jefferson para ter uma noite como as que Undertaker tem no mundo do wrestling, ajudam a perceber como a equipa foi caindo com o passar dos minutos.

O capitão Rui (nível de concentração e leitura dos lances altíssimo) e o capitão Coates (impressionante, meus amigos e minhas amigas, impressionante a leitura de jogo e o posicionamento do latagão) davam totais garantias lá atrás, quase ofuscados por um tenente Oliveira que fez questão de recordar a tudo e todos que nunca se percebeu porque raio perdeu o seu lugar ao lado do patrão uruguaio. Mas era pouco, pois Adrien perdia-se na missão de anular Pizzi e o plano ofensivo estagnava sem os esticanços de Gelson. Não admira, por isso, que os últimos dez minutos da primeira parte tivessem permitido ao benfica subir as tropas e ter a iniciativa de jogo. Vieram os três lances de dúvida dentro da área, sendo claro que Bruno César comete penalti sobre Lindelöf (o lance entre William e Rafa só é penalti na cabeça de pessoas como o Rafa; o lance entre Schelotto e Grimaldo perde-se entre o toque e o teatro de quem se atira para o chão depois de ver que já não chega à bola). E por falar em Grimaldo, seria o defesa esquerdo, depois de falta inexistente marcada à entrada da área, a obrigar Patrício a belíssima intervenção.

Ao intervalo, a sensação era clara: o Sporting tinha que matar o jogo. E foi com essa vontade que veio para o segundo tempo. Schelotto, homem capaz de fazer mais piscinas do que Alexis Santos, continuaria empenhado em desafiar os seus próprios pulmões e meteria rasteira para o primeiro ameaço de Dost; Gelson combinaria com Adrien e o 23 meteria ao segundo poster para cabeçada demasiado alta do holandês; o mesmo Gelson voltaria a fazer gato sapato do lateral esquerdo lampião e cruzaria com conta peso e medida para Bas Dost falhar a emenda na melhor oportunidade de golo. Estávamos com 53 minutos de jogo e o adversário estava encostado às cordas, mas depois de mais uma arrancada de Gelson e uma simulação de Dost pensando que tinha um companheiro nas costas, o ímpeto esfumou-se. Pior, veio o golo do empate, nascido de um livre directo a castigar uma falta muito questionável.

Faltavam 25 minutos para o final e era necessário responder, até porque o adversário já tinha colocado Jimenez no lugar de Rafa, o que obrigava William a posicionar-se mais perto dos centrais. Numa equipa a viver (há meses) dos capitães Rui, Coates, Adrien e Dost e depositando as esperanças de movimentos de ruptura no tenente Gelson, era necessário algo. Era necessário o povo unido, algo que não existia dentro de campo (Schelotto havia sido derrotado pelos próprios pulmões, William tinha ficado em casa e enviado o seu irmão que falha todos os passes, Jefferson, Bruno César e Alan Ruiz era três pés esquerdos a fazer suspirar pelo pé esquerdo de Marian Haad) e que se perdia fora dele.

O jogo estava amordaçado e era necessário alguém capaz e agitar e dar renovada esperança. Jorge Jesus tinha esse alguém, mas preferiu insistir num jogador a fazer uma época penosa e com cada vez menor aceitação entre os adeptos. Bryan Ruiz entrou, Podence ficou a aquecer. Depressa se veria, pela não produção de um e por aquilo que mexeu a entrada do outro, que a ordens do coronel tinham sido mal dadas quando tanto se precisava dessa orientação. E, assim, este pequeno grito de revolta que poderia ter acontecido em Abril, perdeu-se numa noite frustrante, entre o pouco futebol de uns e a pouca vontade de outros. No fundo, o espelho de uma época cujo reflexo nos leva a perguntar se, agora definitivamente sem motivação a não ser ajudar Dost a marcar golos,  dará lugar à preparação da próxima de forma efectiva e estruturada?