Quem o diz é Carlitos, que ajudou a conquistar a Taça CERS e terminou a carreira de verde e branco, depois de ter capitaneado o fcPorto e jogado no benfica, clube do qual é adepto confesso.

[…] Quando ganhei a Taça CERS pelo Sporting, meti os patins em cima da mesa e saí. E o Sporting não ganhava títulos há uma data de anos. Só que montou-se um grupo de amigos, todos do FC Porto. Um era médico, outro era professor de educação física, um era fisioterapeuta e tal. Formou-se uma equipa engraçada e o nosso objectivo era treinar defensivamente: marcávamos o golinho e encostávamos. Quando tentámos jogar de igual para igual, levámos dez na Luz e mais dez no Dragão. O Bruno de Carvalho queria matar-nos. E eu disse-lhe ‘então mas você é maluco? A gente treina em Mafra e…’

O Sporting treinava em Mafra?
Sim, no Pavilhão Livramento.

Todos os dias?
Sim. Agora vê, todos nós tínhamos uma profissão e, à tarde ou à noite, íamos treinar para Mafra.

Bem, dedicação mesmo.
Pois é, amigo. Isso mesmo. E o pessoal chateado porque perdemos com Benficas e Porto. Quer dizer.

Mas então e o Bruno de Carvalho?
Disse-lhe ‘epá, já tive experiências de clubes assim; o Sporting que nos arranje uma carrinha e nós vamos todos juntos’.

Antes era como?
Cada um ia no seu carro.

C’um caneco. O Sporting deu-vos a carrinha?
Ya. Encontrávamo-nos em Alvalade e lá íamos para Mafra.

Quem conduzia?
Eu. Sempre por paranóia, sabes porquê?

Estou curioso.
Nos tempos do Benfica, quando jogávamos no Norte, o autocarro era da Barraqueiro e sabia lá quem conduzia. Então fazia por estar sempre ao lado dos condutores. Sempre. No Sporting, assumi esse papel. Até porque tive uma experiência tramada em Angola, quando fomos jogar a Benguela.

Conta aí.
Saímos de Luanda e a viagem era de nove horas. O condutor era chinês e ia assim [Carlitos entorta-se todo na cadeira] e os cabrões da minha equipa iam todos bêbedos la atrás. Isto tudo na estrada da Barra do Kwanza, só com carros todos partidos à berma. Acredita, sou um gajo muito mais feliz desde que deixei a alta competição.

Ahahahah, imagino.
Era um stress do caraças. A minha mulher, coitada. Sugeria-me um cinema à 6.ª feira à noite e eu recusava por causa do jogo do dia seguinte. Não queria sair de casa, só a pensar no jogo.

Acabaste a beleza, com a conquista da Taça CERS. Foi final four?
Ya, em Igualada. Ganhámos ao Igualada com golo de ouro na ½ final e depois vencemos ao Reus, nos penáltis.

Golo de ouro e penáltis é dose.
Uma coisa do outro mundo.

Que tal o ambiente?
Fantástico. O Bruno de Carvalho não viajava connosco para a final four, até porque a equipa do futsal também está na final four europeia, no Pavilhão Atlântico. Ele só aparece na final e isso deu-nos força. Ele acreditava que íamos ganhar.

Mas vocês sabiam que ele ia?
Nada, foi surpresa. Jesus, e o que ele fumava? Estava sempre connosco a fumar, a fumar, a fumar. ‘Ò Carlitos, tens que me dar dos teus cigarros’. Eu só lhe dizia para comer alguma coisa no meio de tanto fumo.

E mais?
O gajo é uma figura. Aparecia nos nossos treinos às duas da tarde, pegava no stick e ia para dentro de campo. Ou era assim ou eram ataques de fúria, como no dia em que perdemos a final da Taça de Portugal para o Benfica [3-0]. Não nos deixou receber as medalhas de vice-campeões.

Isso é antes ou depois da final da Taça CERS?
Antes, é antes.

Imagino-o no final do jogo da Taça CERS.
Ao intervalo, o treinador nem deu a táctica. O Bruno abre a porta, mete a cabeça e diz-nos ‘epá, estamos empatados, vocês não querem cinco mil euros de prémio para cada um?’ E sai de cena, sempre de cigarro em punho. No final, ele desmaiou uma ou duas vezes no balneário. Quando acordava, dizia-nos ‘o meu Sporting não ganhava nada há uma data de anos, agora vocês são imortais’. O gajo estava maluco. Outra, ele ia connosco no autocarro. Até aqui, tudo bem. Mas ia onde? Onde é que o Mourinho vai no autocarro da equipa? À frente, certo? O gajo ia lá atrás, com todos nós, a dizer-nos ‘vocês têm que ganhar’, fosse quem fosse o adversário. Sou benfiquista, já disse e repito-me. Mas o gajo foi o melhor presidente que apanhei. No Benfica, quando o Luís Filipe Vieira ia ver os nosso jogos, entrava no balneário e cumprimentava-nos assim [Carlitos faz um ar de desentendido]. Ele não sabia quem nós éramos nem outras figuras das modalidades, como o João Matos e o Pedro Cary, do futsal, ou o Candeias, do andebol. Nesse aspecto, o Bruno é mais presidente. Se bem que tenha as suas coisas.

Quais?
A gente perdia e ele dizia-nos na brincadeira: ‘Vou-vos ao ordenado a todos’. E eu ‘ò presidente, isto tudo junto é um ano do Gelson, porque é que está a mandar vir connosco? Acha que fizemos de propósito, acha que não queríamos ganhar?’. Havia mais. Então a gente jogava com os nossos sticks. Uma vez, disse-lhe isso e ele ficou a olhar para mim. ‘Mas vocês não têm sticks’. ‘Temos, presidente, o meu stick, enviado pelo meu patrocinador. Tal como o João Pinto tem o do seu patrocinador e tal e tal.’ Nisso, foi bom haver abertura para meter o dedo na ferida e dialogar.

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entrevista publicada no site Observador