No meio de uma muito interessante entrevista dada ao Expresso, Cândido Costa recorda o tempo em que foi treinado por Jorge Jesus, no Belenenses.

Foi através do Jorge Mendes que foi para o Belenenses?
Na altura já havia a GestiFute e o Jorge tinha ido para outros mundos, já estava no mundo muito privado do Jorge. Eu também tinha passado para outro ranking e sinceramente ainda bem porque conheci umas das pessoas que mais me ajudou, o Cristiano Faria. Esse merece bem que o nome esteja aqui porque foi um empresário/amigo e uma pessoa muito presente e correta comigo. Apareceram uns clubes, de fora, mas disse que não gostava muito de ir para fora, e o tempo das inscrições a passar. E as equipas a arrancar. Eles aliciavam-me com a hipótese de ir para fora, para Chipre, Roménia, que ia ganhar bem, mas eu não queria ir para esse mercado, achava que ainda podia jogar na I Divisão. Até que apareceu o Belenenses, com Jorge Jesus. Já tinha ouvido histórias, de uma exigência incrível, um treinador top, mas terrível. E eu: “Está bem, vou para o Belenenses”. Último dia de inscrições, arranquei no meu carro por ali abaixo, encontrámo-nos com o Tuck, que teve de vir de Lisboa até Coimbra, para rapidamente fazer o contrato num notário de Coimbra porque senão passava o prazo. E depois de assinar continuo para Lisboa para ir fazer o primeiro treino.

Como foi o embate com Jorge Jesus?
Eu tive mais tempo de férias do que os outros porque não fiz pré-época. Tive dois meses e tal de férias nesse verão. E quando comecei a conversar como mister, ele olhou de cima abaixo para mim e disse: “Estás gordo, pá. Tu estás a rebolar”. No primeiro treino deu-me uma coça (risos). Fiz o treino com a equipa, quando o treino terminou eu todo contente: “Chegou ao fim”. Vinha de férias, estava num plantel que já levava um mês e meio de treinos – chegar ao final de pé para mim foi uma vitória. Já estava a baixar as meias quando o Jorge Jesus se virou para mim: “Vem fazer aqui um trabalhinho extra comigo”. Fez-me correr à volta do campo todo durante não sei quanto tempo. Eu fiz juras, fiz promessas de que se aquilo acabasse, eu cumpria as promessas.

Que tipo de promessas?
“Por favor isto que acabe, eu nunca mais bebo, eu fico duas semanas sem fumar um cigarro, nunca mais me porto mal, mas por favor isto que acabe”. Eu vinha das férias, das churrascos, dos convívios. E ele: “Vamos fazer mais uma que estás bem ainda”. Eu só pensava: “Não acredito que isto está a acontecer comigo”. Morto, mas sem dar parte fraca. Quando ele disse que já chegava, deitei-me na relva. “Obrigado senhor, obrigado Jesus” (risos).

Mas ele gostava de si.
Gostava e acredito que ainda gosta. Ele gostava muito das minhas características guerreiras. Eu valorizava muito o treino, era um jogador muito intenso nos treinos. Hoje, na pele de treinador, sei que eu ia gostar muito de mim. Porque era muito comprometido e muito disponível para o que fosse preciso para a equipa. Se o treinador precisava de um jogador para uma posição, eu oferecia-me. Sempre à frente, nunca refilava. Se havia mais valia em mim era essa abnegação. E com o Jorge Jesus isso é tido muito em conta porque ele gosta muito de rigor, de comprometimento coletivo. Se há valor que o Jorge Jesus gosta é de um jogador que perceba a ideia de jogo dele e que a executa, mesmo que às vezes isso não se reflita no resultado. É sinal que estás a seguir uma liderança, que ele acredita e que bem ou mal também vai assumir que foi o culpado.

Foram duas épocas em que jogou sempre.
Sim. E em posições diferentes. A primeira como médio interior numa equipa fortíssima que foi à final da Taça de Portugal, com o Sporting. E na segunda época fizemos também um bom percurso. Com a saída dele o Belenenses deixou de ser o mesmo. A questão financeira foi tremenda. Essas duas épocas com Jesus abalaram, e de que maneira, o Belenenses. Se na verdade, em termos desportivos, as coisas corresponderam, também é verdade que dilacerou-se um bocado o Belenenses porque havia jogadores a ganhar muito dinheiro. Não diria muito dinheiro para a realidade futebolística ao mais alto nível, mas para a realidade do Belenenses… tenho de reconhecer que havia ordenado muito elevados. Com ele, as condições tinham de ser top, não pode falhar nada. E depois, sair desta exigência/condições e passares para menos exigência, e isto não é uma crítica aos treinadores, são lideranças diferentes, e menos condições, o reflexo foram duas épocas sofridas.

Sofridas para si?
Também. Pessoalmente comecei a ter muitas lesões musculares. Se calhar reflexo também da menor exigência, menor intensidade.