Não podia em consciência falar de outro tema que não fosse o caso “Benfica vs bloggers”. Por todos os motivos e mais alguns, é uma matéria que me é muito cara. E explico porque acho este caso digno de muito mais atenção quer por parte dos adeptos, quer por parte da comunicação social, quer até por organismos como a FPF, Liga, IPDJ ou Governo.

Por mais que o Benfica tente passar a ideia que o processo que moveu nos EUA é uma tentativa de culpabilizar quem atentou contra a sua privacidade, a verdade é que dirigiu o alvo para algo completamente distinto. Apontou para onde podia, não para onde queria. Querem queimar alguém e apresentar culpados na praça pública. Querem dar à multidão algo para quem esta dirija o seu ódio, humilhação, vergonha.

Não tendo meios de identificar ou sequer processar os hackers de roubaram os e-mails, e não havendo mesmo mais nada, a opção foi mesquinha, irresponsável e desesperada. Tentam alvejar dois pesos pesados da “opinião livre”, dois blogs sobejamente conhecidos por repetidamente irem às suas feridas e exporem os seus modus operandi. É uma espécie de “não conseguimos os hackers, mas tomem lá dois dos gajos que mais nos humilham na internet”. Parece estar a correr bem.

Vejo muitos congéneres bloggers, twitters e Facebook’s benfiquistas exultantes, de faca e garfo na mão, à espera do prato. Há espera de provarem que são absolutamente incapazes de separar o clubismo de coisas muito mais importantes para as nossas vidas. Coisas como a liberdade de opinião.

Na teoria deles, o Artista do Dia e o Mister do Café devem pagar o preço por terem comentado informação privada do seu clube. É um argumento abjecto que não está suportado por nenhuma lei ou dever de cidadão. Não só podemos comentar qualquer informação privada (desde que exista interesse público relevante), como é estúpido considerar “privado” algo que está partilhado em dezenas de sites, jornais, blogs e revistas. E existe tanto interesse público (que torna lógico o direito a comentar) precisamente porque o conteúdo dos e-mails têm demasiadas provas de más condutas, para ser manifestamente simpático no adjectivo.

Os adeptos e bloggers benfiquistas que salivam enquanto batem palmas a esta operação cobarde da sua direcção, estão-se a borrifar para a desculpa que o seu clube encontrou para ameaçar e pressionar os dois bloggers leoninos em questão. Querem apenas ter alguém que sofra como eles estão a sofrer, querem apenas humilhar alguém para que não se sintam sozinhos nesse estado. Tal como uma criança, golpeiam um colega pequeno apenas porque não podem golpear o colega maior, o que interessa é dar vazão à frustração, por mais irracional que seja o gesto. Acho impressionante que nenhum, repito nenhum blogger, tenha sido capaz de ver para além da propaganda, tanto quanto a imprensa, algo que me assusta pela incapacidade de manifestar visão atenta e crítica, essencial nos dias de hoje, onde convivemos com tantas verdades como mentiras, pós verdades, pseudo factos, um enorme rol de cinzentos que distorcem a opinião com fins bem objectivos.

Escapa a toda a gente que levar cidadãos para o epicentro do confronto, arrastando outsiders que estão fora do poder do futebol (ainda por cima pelas razões erradas) abre um novo e trágico terreno de batalha. Um terreno que já foi invadido noutras alturas da história, noutros campos de atividade, com consequências terríveis para o desequilíbrio entre os deveres e os direitos da condição de ser humano. Perder liberdade é um assunto sério. Seja onde for e com quem for. Não é passível de ser visto aos olhos de quem apoias nos relvados, sobre quem escreves num blog, sobre o que foi mais ou menos simpático para clube x ou y. Vivemos numa democracia e o ano é 2018. Não deveríamos andar a debater este tipo de questões. O Benfica, cada vez mais, significa atraso civilizacional.

Mas o que interessam os direitos do Artista ou do Mister? Eu quero é vê-los a “arder na fogueira”, a “pagarem pelo que fizeram ao Benfica”, a “chorar com medo pelos filhos”. “Não queriam andar a gozar? Então gozem agora!”. “Quem lhes mandou meterem-se com o Benfica”, “sabiam os riscos que pisavam”. A quantidade de barbaridades, analfabetismo e instinto primata que este tipo de reações revela é para mim uma desilusão épica. Fico deprimido de saber que existem Portugueses, de Braga, Estoril, Faro, Funchal, Torres Novas, Évora que pensam ou dizem estas coisas. O nível de ódio irracional é estratosférico, capaz de negar direitos a um cidadão, capaz de desejar o mal a quem não se conhece, apenas se sabe que são adeptos de outra equipa de futebol e escreveram textos críticos da direção do seu clube.

No dia em que o ódio legitimar a ação de um clube, suportada e validada pelos seus adeptos, contra um cidadão que apenas deu uso aos seus direitos. Nesse dia, o futebol e os clubes tornaram-se num problema e num cancro social. Um foco de divisão entre cidadãos. E digam-me que o Governo deve continuar a fechar os olhos a estes sintomas. Digam-me que o Governo, PJ, Juizes… todos os pilares da nossa democracia não devem fazer tudo para parar este Benfica. Mas digam-me baixinho, o Gabinete de Crise pode estar à escuta e era uma maçada para mim levar um processo, onde não posso pagar para me defender, na justiça norte-americana.

“Uma criança mimada não tem noção dos limites. Procura-os e enquanto não os encontrar, continuará a insistir e até amplificar os maus comportamentos.”

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca