Ninguém melhor que os adeptos do Sporting sabem o que significa “especulação mediática” e é um fenómeno que tem vindo a ganhar muita, demasiada, tração no panorama do desporto português. Não é que não exista a mesma realidade noutros países, ela existe, mas é fácil de perceber que o consumidor nacional é especialmente permeável quer à exposição do conteúdo, quer à formatação de opinião que está associada ao mesmo.

Pode parecer algo estranho, mas a verdade é que existe uma larga fatia de quem assiste a programas de “debate desportivo” ou “análise desportiva” que não descodifica a fórmula ou o desígnio desses “info shows”. E é especialmente importante que o façam, pois não tendo consciência disso são receptores (e difusores) de informação completamente absurda, distorcida, criada apenas para atingir, durante a sua emissão, o máximo impacto nos espectadores.

Dou um exemplo. A notícia “treinador X sai por a equipa não dar sinais de evolução” passa rapidamente pata “treinador X, agastado com a falta de apoio do presidente, já não tem margem de manobra junto da direcção, que vê no treinador Y uma melhor solução”. A receita é sempre juntar muito sal, pimenta, discórdia e confronto. Nada pode ser “normal” ou “natural”, tudo é pincelado com adjetivos agressivos e emotivos, revestindo o conteúdo de todos os ingredientes que normalmente se usam para escrever o argumento de uma novela, daquelas bem puxadinhas, bem mexicanas.

Mas atenção, o exemplo que dei serve para ilustrar o exagero, não ilustra porém a pura arte de inventar factos que por vezes enchem as horas de programação. O expediente obriga a ter carvão para atirar para a fornalha, pois o motor das audiências assim o obriga. Não havendo carvão natural, vai tudo lá para dentro, seja verdade ou não, seja relevante ou não, seja sequer lógico ou não. O critério é…arde? Então, bora!

Quem perde com isto tudo? O desporto em primeiro lugar, os espectadores de seguida e o jornalismo quase em simultâneo. O deporto perde, pois não se debate nada que tenha a ver com jogos, jogadas, táticas, talento, superação. Aliás as equipas que normalmente estão em bom momento de forma são despachadas em meia dúzia de minutos, tentando poupar o máximo de tempo de antena para dissecar os podres de quem está “em crise”. O espectador perde, e perde em toda a linha, não aprende nada de novo, nem tem a oportunidade de ser esclarecido já que o modelo de debate não pressupõe que exista uma dialética construtiva, mas sim gritaria, ânimos exaltados, zero diálogo e muito desacordo e confronto.

Por último, mas não menos perdedor, o jornalismo. Nada do que se vê naqueles formatos tem ou terá alguma vez a finalidade de informar e esclarecer, não cumpre nenhuma das regras do código deontológico e sobretudo goza literalmente com quem acredita que a arte de informar deve obrigar à isenção, à verdade e ao rigor. O mais próximo que este lixo televisivo tem com o jornalismo é mesmo o facto de estarem inseridos nas grelhas de programação dos chamados “canais de notícias”.

Chamo a atenção (e não me cansarei com isto) que este verdadeiro circo romano mediático que rodeia o futebol trará a longo prazo riscos muitos reais, sobretudo para o futebol. A sua dinâmica de permanente exacerbar do confronto é no fundo uma verdadeira campanha “always on” de instigação e promoção da clubite, de agressividade e de intolerância. Um atiçar constante de ódios e incompreensões, algo que se vem alimentar do imenso analfabetismo desportivo português. Um analfabetismo que eleva a Santo Graal motes como “só é feliz quem ganha”, “não há adversários, apenas inimigos” ou o famigerado “todos os fins justificam os meios, se ganhares”.

Depois ficamos todos muito espantados com casos de violência, com provas de comportamentos completamente antidesportivos, com multidões famintas por confronto. Indignam-se os sindicatos, os políticos e os cronistas jogando as mãos à cabeça enquanto se interrogam “como pode isto acontecer”? Como? Mas alguém já viu os canais com mais audiências, as horas em que atingem maior número de espectadores e o que transmitem a essa hora? Não é óbvio?

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca