«Olha o Tiago!». A minha mulher é a primeira a vê-lo, ali no Largo de Sta Maria, onde arde uma belíssima fogueira de Natal, daquelas que só ardem em terras como Celorico da Beira.
Chegámos tarde. Ou melhor, cerca de três horas mais tarde do que era previsto, que isto de ainda te enfiares nas compras no dia 23 de manhã só pode resultar em voltas desgovernadas do relógio. Mas tinha que ser assim. Pelo bolo rei ainda morno, pelo borrego embalado no dia, pelo pão de ló com ovo. E pelas prendas que ainda não foram embrulhadas e que te dão mais uns minutos extra de atraso.
De Sintra a Celorico são três horas de esperança, com passagem pelas Caldas e por Leiria, que neste comboio verde e branco cabem todas as fantasias de Natal. Não reparas na placa, passas o primeiro ponto de encontro. Vai de dar a volta, ao encontro do Sr. Joaquim, pai do Sebastião, que nos aguarda com um sorriso e com uma caixa cheia de bens alimentares daqueles que ficam e não se estragam. A conversa é curta, que a estrada espera e o ffigueiredo também, em Leiria, com um telemóvel já devidamente embrulhado que tornará ainda maior o sorriso de uma Beatriz que sabe que os pais não têm dinheiro para arranjar o dela.
Mais um nick que ganha rosto, mais um abraço sincero que dá sentido ao que neste cantinho virtual se passa diariamente, mais umas bolachinhas decoradas para a viagem (bem boas, meu! obrigado) e a indicação de que, ao domingo, o melhor para despachar o almoço é ir ao Mac. Alegria da criança, encolher de ombros dos pais, que isto de ser Natal também inclui desvarios alimentares mesmo antes de começar e até dá jeito quando Celorico ainda está a 200 kms e tu queres despachar-te.
Chegas pelo pousar do sol e sem bateria no telefone, o que te obriga a pedir indicações à moda antiga e a deixares-te levar pela memória visual da tua mulher, que te safa no meio daquelas ruas estreias e empedradas, todas iguais, a caminho do castelo.
«Olha o Tiago!». A minha mulher é a primeira a vê-lo, ali no Largo de Sta Maria, onde arde uma belíssima fogueira de Natal, daquelas que só ardem em terras como Celorico da Beira. Do outro lado está o pai, o José, que se isto é para ser um conto a sério pelo menos um dos nomes tem que estar a condizer. E continuamos a subir, seguidos por pai e filho, numa repetição da escolta que tivemos há cinco anos, então feita por mãe e filho.
A porta abre-se, a Beatriz e a sua mãe, Olga, espreitam. Com um sorriso. Ou dois. Foi para isso que cá viemos, certo? Os rostos, para nós, são os mesmos. E embora mais crescidos, o Tiago, que deixou de ter o Capel como jogador preferido para passar a querer ser o Bruno Fernandes ou o Salin (!!!), continua a ter pinta de Piranha, do Verão Azul, enquanto a Beatriz, fã confessa de Nani, mantém o sorriso de menina que não se perde nos 17 anos de vida com diversas dificuldades pelo meio. Quer ser advogada e sabe que vai ter que estudar muito. O Tiago quer ir ao carro buscar as prendas. É justo, que aos 12 anos há causas mais importantes para defender.
«Vou ter que ocupar-vos a mesa, para podermos tirar uma fotografia e mostrar a todos os que ajudaram», digo-lhes já com tudo tirado do carro. Não é tarefa fácil, que a mesa foi pensada para quatro e não para o Pai Natal e o Menino Jesus espalharem magia à moda da Tasca e aquecerem aquela casa mais do que a lareira que orgulhosamente se exibe.
«Tão confortáveis!» Exclama a Beatriz quando calça as botas novas. «E este pêlo tão quentinho…». «Já vou levar estes ténis para as aulas de ginástica!», solta o Tiago com os ténis novos na mão, antes de experimentar ele umas botas e ver a irmã encarnar a Cinderela versão ténis rosa. Os pullovers também servem, bem como os polares. “Tão quentinhos!”, dizem os manos quase em simultâneo, numa afinação de fazer inveja à Maria Armanda e ao seu sapo que venceu o Sequim d’Ouro.
E se não há ouro, há casacos. Quentes. Fortes. Para o frio e para a chuva. «Finalmente um casaco que me fica bom nas mangas!», deixa escapar a Beatriz, enquanto os pais começam a arrumar a comida. O borrego e os peitos de frango vão para o frio, o bacalhau vai ser demolhado para estar todo inchado 24 horas depois. Os coscorões com mel piscam o olho à Beatriz e o Tiago já disse que uma palete de leite é para ele, enquanto coloca os dois pais natais de chocolate junto à pequena árvores de luzes furiosas.
O bolo rei fica na mesa. Com o pão de ló, o azeite, o arroz, a massa de vários tipos para vários fins, as latas de atum e de salsicha, as de grão e de feijão, as de cogumelos e de tomate, mais uns sumos que são escolha de quem escolheu deixar de beber há 30 anos e resiste sem pestanejar ao apelo de algo que sabe que desgraça vidas. Mesmo quando prepara ginjinha caseira, que traz para a mesa. «Para provarem e para levarem», diz o José, enquanto a Olga vai buscar o queijo da serra e os «requeijões fresquinhos que fomos buscar para vocês!». «Os queijos será impossível, mas a ginjinha vai ser para levar para o próximo almoço da Tasca, onde estarão várias das pessoas que tornaram isto possível», digo-lhes.
E contamos-lhes que há tasqueiros que querem saber o que eles fazem, para tentar ver da hipótese de se encontrar um trabalho fixo, capaz de dar outra estabilidade. O José já foi padeiro. E pasteleiro. Era essa a sua formação. Mas, agora, é de obras que percebe. De ferramentas, estão a ver, sejam elas para construir uma casa, sejam para podar um jardim como aquele que podava recentemente e que, ao perder esse trabalho, lhes deixou mais espinhos do que flores, até porque da segurança social chegam uns inacreditáveis 11€… «Eu não gasto dinheiro mal gasto!», lança ele. «Não vou para cafés, não gasto em bebida, não fumo! Quando venho do trabalho quero é estar aqui em casa, com a família, descansar e estar pronto para outro dia de trabalho! Agora sem o jardim ficou complicado pagar a renda da casa, mas há-de aparecer outra coisa»
E por falar em euros e em casa, «hoje fizemos a transferência dos 460€ para pagarem as duas rendas em atraso, a água e a luz. E por sugestão das pessoas que contribuíram, em vez de estarmos a carregar um cartão de compras, vamos transferir mais 200€ no início do ano, para ficarem descansados em relação à próxima renda». Os olhos cansados da Olga seriam suficientes para escutarmos o “obrigado” que ganha forma em palavras.
Lá fora, a minha filha já joga à bola com o Tiago, depois de ter visto a camisola e a bola autografada que lhe levámos há cinco anos. Ele veste o seu novo casaco do Sporting, enquanto a Beatriz já colocou o cartão no telefone novo e fez questão de sacar meia dúzia de selfies com estas três pessoas que lhes levaram a generosidade de centenas de outras.
Quando partimos, faltam cinco minutos para começar o Guimarães-Sporting e o relato será companhia de regresso a casa. Junto à árvore de Natal, ficou a única prenda que não puderam abrir: um jogo para jogarem em família e prolongarem sorrisos. Naquela mesa, naquela casa, junto ao crepitar daquela lareira que também é um bocadinho nossa.
28 Dezembro, 2018 at 9:11
<3
28 Dezembro, 2018 at 9:25
Muito bom
28 Dezembro, 2018 at 9:28
Estou sem palavras e apenas quero agradecer a oportunidade de ter podido contribuir um bocadinho para este conto de Natal!!!
28 Dezembro, 2018 at 13:11
Obrigado 🙂
28 Dezembro, 2018 at 9:34
Espectacular.
Os parabéns têm de ser estendidos à mulher do Cherba e à filha.
SL
28 Dezembro, 2018 at 13:12
estamos todos de parabéns!
28 Dezembro, 2018 at 9:46
Dizer o quê?… A Tasca é do c*r*lho! Os tasqueiros são f*didos! E pronto, está dito!
28 Dezembro, 2018 at 13:12
😀
28 Dezembro, 2018 at 9:55
No ultimo jogo em casa tinha pensado com os meus botões que o espirito da Tasca estava morto. Pela primeira desde que à umas 5 épocas comecei a conhecer tasqueiros na Roulote das Bouas que estive sozinho a atacar as loiras, ou melhor, com os meus amigos do Oeste que já se habituaram ao meu poiso.
Perceber o que foi conseguido em poucos dias graças ao empenho da familia Cherba e à colaboração de muitos deixa-me um pouco de esperança para o novo ano. Citando o dono do estabelecimento: “A Tasca é do Caralho”.
Boas Festas e SL
28 Dezembro, 2018 at 13:13
mete esperança nisso! “A Tasca é isto!”
28 Dezembro, 2018 at 9:59
Brutal Cherba!
Tu, a tua familia e esta Tasca são enormes.
Que grande conto de Natal que tornaste real!
28 Dezembro, 2018 at 13:13
não seria possível sem a ajuda de todos
28 Dezembro, 2018 at 10:15
A única citação possível é a do Euronews.
O desejo é que no Natal de 2019 não precisem da Tasca.
28 Dezembro, 2018 at 13:14
é um óptimo desejo. Se houver pessoal da zona de Celorico que consiga um trabalho para o José, será meio caminho andado
28 Dezembro, 2018 at 10:31
Grande Cherba. Grande Tasca.
Ainda há esperança na humanidade…
28 Dezembro, 2018 at 13:15
há. Sempre!
28 Dezembro, 2018 at 10:31
Parabéns Cherba por tudo e muito obrigado por nos deixares participar…
28 Dezembro, 2018 at 13:15
eu é que agradeço a vossa pronta resposta!
28 Dezembro, 2018 at 11:14
Grande abraço, obrigado pelo vosso empenho .
28 Dezembro, 2018 at 13:15
abraço!
28 Dezembro, 2018 at 11:53
Que bom ver que ainda se consegue juntar uns quantos desconhecidos (ou quase) para ajudar. Obrigado por nos dares esta “prenda”.
Um abraço a todos.
28 Dezembro, 2018 at 13:16
muito mais que um blogue 😉
28 Dezembro, 2018 at 12:32
Fico sem palavras!
Obrigado Cherba!
28 Dezembro, 2018 at 13:16
obrigado, Keita
28 Dezembro, 2018 at 12:50
Isso rende juros de Felicidade. Essa criança tem Sorte. Feliz ano novo para vocês.
28 Dezembro, 2018 at 13:17
juros de felicidade é uma óptima expressão 🙂
28 Dezembro, 2018 at 12:51
Parabéns ao Cherba e a todos os tasqueiros que contribuiram para que esta história de Natal se realizasse.
28 Dezembro, 2018 at 13:17
juntos somos mais fortes, já dizia alguém
28 Dezembro, 2018 at 13:20
Zandonaide, se estiveres a ler isto e respondendo a uma pergunta que deixaste noutro post: sim, a tua transferência ainda conta para esta história 🙂
28 Dezembro, 2018 at 13:41
“…da segurança social chegam uns inacreditáveis 11€…”
Muita coisa me “despertou a atenção”…mas a frase que copiei “deixou-me” a pensar…:
“Ora bolas…quem tem uma ajuda destas…não precisa de mais nada…”
Mas deixemos “a língua afiada” para outras situações e foquemo-nos “no essencial…”…
Obrigado Cherba…obrigado “por incarnar” (por nós…) o “Espírito de Natal…”
É esse espírito de partilha que “deve ajudar a fazer” em cada dia…Dia de Natal…
E prova-se assim…que “Natal é mesmo quando o homem quer…”…
“Preparado” para outros desafios…deixo-lhe e à sua família…
Os meus melhores desejos de continuação de Festas Felizes e um Ano de 2019 o melhor que seja possível…
Abraço para o meu amigo…
Os meus cumprimentos para a senhora sua esposa (não deve ser fácil “aturar” um Cherba…”a roubar” à família o que “vai dando” a muitos outros…)
E um carinhoso beijinho para a Madalena…
SL
28 Dezembro, 2018 at 16:33
obrigado, Max. Forte abraço!
28 Dezembro, 2018 at 14:19
GRANDE Cherba, excelente trabalho. O amor e a bondade vencem sempre.Obrigado pelo feedback. SL
28 Dezembro, 2018 at 16:33
pelo menos devemos acreditar que sim 🙂
28 Dezembro, 2018 at 15:37
A tasca só é a Tasca porque é do Cherba.
E o Cherba é o Cherba mais a família.
Foi uma enorme satisfação ter a oportunidade de conhecer a família, mais ainda quando o motivo era tão nobre.
Este Natal (este ano…) não foi especialmente ‘simpático’ para mim, mas a satisfação por poder participar numa acção solidária tão rica e significativa trouxe-me um ‘sabor’ bem agradável, que tenho que agradecer ao Cherba e a todos os tasqueiros (e tasqueiras) que participaram.
“Juntos somos mais fortes” escreve o Cherba ali em cima. Pois somos!
Que este mote nos oriente no ano que aí está a chegar: nas vitórias, nos empates e nas derrotas, no futebol, no andebol ou em qualquer outra modalidade, estejamos juntos na defesa do nosso Sporting. Orientemos a agressividade que há em nós para fora do Clube, sejamos tolerantes para dentro.
E se a ‘Tasca Solidária’ tiver que reabrir, que estejamos de novo juntos neste espírito de ajuda, que tanto nos honra e satisfaz!
“Muito mais que um blogue”. Obrigado Cherba!
SPOOOOOOOOOORTING!
28 Dezembro, 2018 at 16:35
abraço! Foi bom colocar mais uma cara no nick 🙂
28 Dezembro, 2018 at 15:54
Valeu, Cherba. Obrigado tb a todos os que contribuiram.
Nesta zona não conheço ninguém que dê uma mão a nível profissional…
28 Dezembro, 2018 at 16:35
“allô”, tasqueiros da Guarda!
28 Dezembro, 2018 at 16:47
Antes de falar em CV’s e merdas do género.
Que achas que podem fazer? Que tipo de trabalho? Apanhaste algo?
Tenho uma amiga diretora na SLOT e eles têm filial na Guarda.
28 Dezembro, 2018 at 16:53
não leste o conto. Se fosse em Espanha já não levavas prenda, no dia 6!
[…] E contamos-lhes que há tasqueiros que querem saber o que eles fazem, para tentar ver da hipótese de se encontrar um trabalho fixo, capaz de dar outra estabilidade. O José já foi padeiro. E pasteleiro. Era essa a sua formação. Mas, agora, é de obras que percebe. De ferramentas, estão a ver, sejam elas para construir uma casa, sejam para podar um jardim como aquele que podava recentemente e que, ao perder esse trabalho, lhes deixou mais espinhos do que flores, até porque da segurança social chegam uns inacreditáveis 11€… «Eu não gasto dinheiro mal gasto!», lança ele. «Não vou para cafés, não gasto em bebida, não fumo! Quando venho do trabalho quero é estar aqui em casa, com a família, descansar e estar pronto para outro dia de trabalho! Agora sem o jardim ficou complicado pagar a renda da casa, mas há-de aparecer outra coisa»
28 Dezembro, 2018 at 17:00
Thanks, man.
Sim, ia ler só qd bazasse do trabalho.
Vou ver o que consigo.
28 Dezembro, 2018 at 16:29
Cherba, reitero os votos de Natal para 2019 e anos consequentes: que nunca te falte aquilo que levas aos outros, Alegria e Esperança!
28 Dezembro, 2018 at 16:34
obrigado, Pavel. Estendamos a todos 🙂
28 Dezembro, 2018 at 18:03
Claro que sim, mas também mereces a gratidão dos tasqueiros por seres o impulsionador e o rosto destes eventos e por manteres a Tasca aberta 24 horas por dia e 7 dias por semana.
28 Dezembro, 2018 at 17:31
Bem hajas Cherba.
Pela tua dedicação e amor pelo próximo que mais precisa.
Para ti, para a tua família e para toda a família da Tasca os meus desejos de Boas Festas e de um Ano Novo cheio de felicidade.
28 Dezembro, 2018 at 23:48
é só dar o mote que vocês acompanham 😉
28 Dezembro, 2018 at 18:24
Algo de bom e justo neste mundo.
Obrigado pela iniciativa e as maiores felicidades para essa família.
28 Dezembro, 2018 at 23:47
obrigado!
28 Dezembro, 2018 at 20:33
Cherba, família e restantes tasqueiros,
obrigado por tudo.
Não nos conhecemos pessoalmente, mas posso adiantar que vou fazer os possíveis para ir ao almoço de dia 12 de janeiro! Também quero provar a Ginjinha 😉
Abraço, SL!
28 Dezembro, 2018 at 23:47
obrigado!
28 Dezembro, 2018 at 23:38
” A Tasca É Isto ” 😀
28 Dezembro, 2018 at 23:47
vês como tu sabes!? 😀
29 Dezembro, 2018 at 0:37
Sou Benfiquista e gosto do vosso blog e visito-o praticamente todos os dias. Venho à vossa Tasca porque gosto de ler o que dizem sobre vós e aproveitar para saber o dizem do vosso “inimigo”. Não sei se este meu comentário vai ser publicado mas se o dono do blog o ler para mim é o suficiente. Bem hajas Cherba. Deus te guarde e abençoe a tua família. Bom ano são os meus desejos para todos.
30 Dezembro, 2018 at 20:01
Cherba, és muito grande!