A noite em que as fraquezas viraram forças. A noite em que fomos uma equipa, dentro e fora do relvado. A noite em que o underdog rugiu bem alto, trouxe a Taça da Liga para Alvalade e deixou milhares e milhares, espalhados por todo o mundo, com um daqueles sorrisos que tanta falta nos fazem

«Se tu falhas isto, não quero que sejas mais do Sporting!». Isto é dito em lágrimas, no momento em que Bas Dost segura a bola e se encaminha para a marca de grande penalidade. Isto é dito, em lágrimas, por uma criança de 9 anos que o tem como ídolo maior, a par de Nani, e que não consegue segurar as emoções de um lance tão decisivo.

Acho que naquele momento somos todos crianças, mas uns disfarçam melhor do que outros. Passaram 90 minutos, duros como a Pedreira onde se joga esta final. Keizer não deu um único treino entre a meia-final e a final, viajando para a Holanda por morte do sogro. A equipa tem 24 horas de descanso a menos nas pernas. André Pinto tem o nariz partido. Petrovic também, mas aguenta em campo. Nani joga por arames e mostrou-se disposto a rebentá-los assim que nos apanhámos a perder, convidando Bruno Fernandes a também vir do fundo do poço para tentar até colapsar. Dost faz piques atrás de piques, tentando fazer aquela pressão alta para a qual jamais estará talhado. Raphinha já mal respira, depois de 45 minutos onde fez todo o corredor em piques constantes. Wendel está na mesma, depois de ter sido o está em todo o lado de um meio-campo onde Gudelj encarnou o lutador de greco-romana de cada vez que se cruzava com Marega. Ristovsky continuará a correr até perder os sentidos, naquela devoção militar em que nem pestaneja. Jefferson luta contra os seus próprios fantasmas. Renan foi de herói a vilão e só espera poder recuperar os aplausos. Sebastião Coates, esse monstro tantas vezes maltratado pela falta de elegância, é, também ele, uma criança de mãos gigantes e incapaz de olhar para o que vai acontecer.

Til the roof comes off, till the lights go out
‘Til my legs give out, can’t shut my mouth.
‘Til the smoke clears out and my high perhaps
I’m a rip this shit till my bone collapse.

E quando Dost a mete bem metida por cima de Vaná, Sebastião explode de alegria, festejando o merecido prémio para quem foi atirado para o fundo do poço aos 80 minutos e, dado como morto, foi capaz de buscar forças para escalá-lo. Foi aquele passe incrível, com a bola a rodar ao contrário na relva até travar nos pés do Nani que correu mais do que as próprias pernas podiam e pregou um ferro monumental ao defesa e centrou mal medido para Dost contrariar as leias da física e tentar fazer com a cabeça um golo à Ruesga. Foi ver os ponteiros do relógio a rodar, o adversário a queimar e, mesmo assim, ir lá para cima tentar tudo, até o Oliver mandar aquela pantufada no Diaby que sem VAR teria passado e mais um troféu no teria sido roubado. Foi, ao contrário do que diz o treinador adversário, tentar nos dois minutos que ainda sobravam resolver o jogo, algo que só não aconteceu porque o redes fez uma enorme mancha ao desvio de Raphinha.

Tudo isto depois de uma segunda parte em que estivemos por baixo, sem capacidade de sair em transições ofensivas. Defendemos bem, é verdade, apenas concedendo dois lances de real perigo: a cabeçada de Felipe que Renan parou de forma incrível, na sequência de um canto; o remate de Herrera, de fora da área, que Renan tentou encaixar e acabou a oferecer o golo ao adversário.

Tudo isto depois de uma primeira parte em que demorámos dez minutos a encaixar na superioridade adversária, sacudimos a pressão com um remate torto de Nani e a partir daí fomos sendo aquela equipa do Keizer que joga com as linhas subidas, bem subidas, pressionando alto, jogando curto, obrigando o adversário a perder várias bolas no seu último terço (tão mal aproveitadas as bolas rematadas por Nani e por Ristovsky, que não viu um Dost completamente solto no meio da área) ou a ter que despachá-las em biqueiradas para a frente. E nos últimos dez minutos da primeira parte o fcp não sai uma única vez do seu meio-campo, não liga uma jogada, está completamente encostado lá atrás e só não vai para o descanso a perder porque o livre de Bruno Fernandes passa meio metro ao lado da mira.

Depois de tudo isto que já vos contei e com as lágrimas de ansiedade transformadas em lágrimas de felicidade, vamos para as grandes penalidades. Exactamente os mesmos que as bateram contra o Braga. E pela mesma ordem, com Dost a testar-nos a capacidade de resistir a um AVC, logo a abrir. Renan faz o que nunca costuma fazer e atira-se antes de Telles rematar. 1-1. Vem Coates, o nosso melhor jogador em campo, e chuta com toda a força que lhe resta e que é demasiada, já que a bola passa por cima. Militão é quem se segue e vem a rir (filha da puta que vens a rir e vais falhar), acabando com cara de choro quando vê a sua bola passar ao lado da baliza. Vem de lá o Bruno Fernandes e joga ao lencinho vai na mão com o Vaná, deixando para Hernâni a batata quente. A cara do extremo é a cara que tu fazes quando queres terminar um trabalho, mas a bexiga apertada já não te deixa pensar. Renan percebe isso, defende e ainda faz “sshhhhhhhhhhhhhhhhhh”, no final, desgraçando a vida ao rapaz que não sabe onde enfiar-se. E está tudo ali, nos pés de Nani, porque eu, tu, ele e todos juntos sabemos que fazer o 4-2 naquela altura é ficar tão perto da vitória. O capitão não treme e pisca o olho ao Felipe. “Já foste, caceteiro do caralho…”, diz-lhe o nosso 17, nem que seja no meu filme. E foi. À barra. E é nossa, a Taça, ganha por um grupo de homens que tem no nariz de Petrovic a imagem do que fez a diferença nesta conquista. E que fará toda a diferença quando tentarmos as próximas.

I will not fall
I will stand tall
Feels like no one can beat me

taca-liga-final-sporting

Ficha de jogo
FC Porto-Sporting, 1-1 (1-3, g.p.)
Final da Taça da Liga

Estádio Municipal de Braga
Árbitro: João Pinheiro (AF Braga)

FC Porto: Vaná; Éder Militão, Felipe, Pepe, Alex Telles; Herrera, Óliver Torres (Hernâni, 90+4′); Corona (Danilo, 82′), Brahimi; Marega e André Pereira (Fernando Andrade, 64′)
Suplentes não utilizados: Casillas, Mbemba, Manafá e Bruno Costa
Treinador: Sérgio Conceição

Sporting: Renan Ribeiro; Ristovski, Coates, André Pinto (Petrovic, 53′), Acuña (Jefferson, 46′); Gudelj (Diaby, 83′), Wendel, Bruno Fernandes; Raphinha, Nani e Bas Dost
Suplentes não utilizados: Salin, Miguel Luís, Jovane Cabral e Luiz Phellype
Treinador: Marcel Keizer

Golos: Fernando Andrade (79′) e Bas Dost (90+2′, g.p.)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Corona (25′), André Pinto (29′), Acuña (35′), Nani (45′), Felipe (45′), Ristovski (66′), Óliver Torres (68′), Petrovic (86′), Marega (90+3′), Bruno Fernandes (90+5′) e Renan Ribeiro (90+6′)