Num artigo intitulado “Bilheteira: a verdade dos factos”, publicado na última edição do Jornal Sporting, Miguel Cal, administrador da SAD do Sporting com o pelouro estratégico e operacional, deixou uma mensagem ambiciosa aos adeptos do clube: “Sabemos que nos próximos anos iremos esmagar todos os recordes relacionados com a marca Sporting”.
Claro que a frase é bombástica, mas vale a pena ler todo o artigo, até por tocar num ponto tão importante como o ridículo horário dos jogos, como acaba de provar-se com a marcação do nosso jogo com o Santa Clara para uma sexta-feira à noite.
Vivemos um tempo de incerteza e as notícias que saem sobre o nosso Clube preocupam os Sócios. Qual a real situação financeira e operacional do nosso Clube?
O vice-presidente e administrador da SAD Francisco Zenha tem-se debruçado sobre as finanças. Muito resumidamente recordo as suas conclusões:
– O Sporting CP é financeiramente sustentável;
– Existe um desafio de tesouraria, que já tinha sido identificado na campanha eleitoral, devido a uma gestão demasiado alavancada, a qual foi (muito) amplificada pelas rescisões dos jogadores no Verão;
– Estamos a trabalhar na solução deste desafio desde que tomámos posse. Sobre a situação operacional gostaríamos de abordar a situação da bilheteira e de Sócios do nosso Clube. Há muita informação a fluir, muitas questões no ar e penso que o melhor mesmo é fornecer transparência aos nossos Sócios de forma a que possamos ficar descansados sobre o estado actual do Sporting CP.
Análise de bilheteira
Comparação 2017/18 vs 2018/19
Para compararmos ambas as épocas iremos analisar os jogos da Liga NOS. Os mesmos adversários (corrigindo obviamente as equipas que subiram e desceram de divisão).
Quando olhamos para a bilheteira comparável verificamos que este ano o nosso Clube foi incrivelmente resiliente. E isto num ano em que perdemos pontos antes de recebermos em Alvalade os principais rivais. Para se ter noção, os jogos com Benfica e FC Porto costumam valer entre 35 a 40% da receita de bilheteira da Liga NOS. São jogos críticos e perder momentum antes de cada um condiciona a receita do ano inteiro. Ainda assim, as receitas de bilheteira recebida jogo a jogo aumentaram 10% esta época (figura 1).
O impacto da Champions League não se resume apenas às receitas dos prize money europeus, são também um factor-chave para as receitas de bilheteira. Estes jogos têm muita procura de adeptos individuais ou corporate. Na época passada os jogos com Barcelona e Juventus tiveram uma receita de bilheteira corporate 10 vezes superior à soma da corporate de todos os jogos da Liga Europa da actual temporada.
As competições europeias ditarão a maior parte da queda de receita de bilheteira em 2018/2019. Na época transacta as receitas de bilheteira na Europa foram 1,3 milhões de euros superiores às da temporada em curso. Por outro lado, não podemos excluir o efeito Champions League nas vendas de Gameboxes. Ao analisarmos o intervalo entre as temporadas 2014/15 e 2017/18 (ou seja, excluindo esta temporada), nas duas épocas em que disputámos a Liga dos Campeões vendemos mais cinco mil Gameboxes do que nas outras.
Jogar a Champions e chegar longe na Liga Europa (onde a Gamebox deixa de dar entrada aumentando substancialmente a receita de bilheteira do jogo) têm um impacto tremendo.
Impacto das Gameboxes
Há um outro elemento que deve ser considerado na análise de bilheteira; as Gameboxes. Esta época foram vendidas menos 2400 que na época passada, o equivalente a cerca de um milhão de euros. O início de época periclitante, sem treinador, com a incerteza que havia sobre o plantel, o não estarmos na Champions, foram factores decisivos.
De referir que é impossível medir a influência de cada um dos fatores, mas se aplicarmos à Gamebox a mesma relação das receitas de bilheteira da fase de grupos da Champions ou da Liga Europa em relação às receitas de bilheteira totais do ano, a componente europeia da Gamebox explicaria a redução de 1,5 milhões de euros esta época.
Bilheteira e assistência no estádio
Ao ler os parágrafos anteriores muitos devem estar a pensar como é possível as receitas subirem com os números de assistências oficiais conhecidos? As assistências são um tema crítico para nós porque queremos um estádio mais cheio, com famílias de sportinguistas, todos a puxar pela equipa.
Temos duas preocupações em relação às assistências. Por um lado, gostaria que todos os que tivessem bilhete pago viessem aos jogos. Por outro lado, gostaria de conseguir ter mais adeptos pagantes no estádio.
Existem quatro grandes grupos na bilheteira: convites, claques (uma parte gratuita e uma parte paga), Gameboxes e bilheteira. Destes grupos houve uma redução significativa na assistência gratuita. Na parte paga, tal como mencionado anteriormente, houve uma redução nas Gameboxes e um aumento na bilheteira geral (figura 2).
De notar o seguinte:
> Historicamente há um número considerável de adeptos que tem bilhete e não marca presença nos jogos (em média entre 30 a 39% dos sócios com Gamebox não comparece, intervalo constante nas últimas épocas). Ainda há uma percentagem considerável que vem a menos de metade dos jogos (figura 3). Temos de trabalhar de forma a reduzir esta diferença;
> A redução das claques deve-se a dois factores: redução da emissão de bilhetes comprados e não utilização na totalidade dos convites gratuitos (no último jogo usaram menos de 50% dos bilhetes disponíveis). Apesar da redução significativa dos bilhetes comprados, os montantes recebidos este ano já estão acima do que o Sporting CP recebeu o ano passado;
> O potencial de bilheteira do nosso estádio no fundo representa vender mais três a cinco mil bilhetes por jogo, os lugares que temos disponíveis.
Soluções para aumentar as assistências no estádio e a bilheteira
Para além da questão óbvia da qualidade do futebol e de chegar longe nas competições europeias, existem diversas alavancas que devemos trabalhar para melhorar as assistências e a receita. Algumas dependem de nós, outras temos de trabalhar em parceria:
> Horários dos jogos. Este é provavelmente o elemento-chave para aumentarmos as assistências e receita. O Sporting CP jogou a maior parte dos seus jogos depois das 19h00. Não é só o Sporting, todas as equipas que têm transmissão na Sport TV encontram-se nesta posição. FC Porto, SC Braga e Sporting CP jogam a maioria dos seus jogos depois das 19h00 ao fim-de-semana (figura 4). O Sporting CP tem a agravante de ser o “Rei dos domingos à noite”; fez mais do que os outros dois grandes juntos. Já abordámos este tema várias vezes com a Sport TV e foram sensíveis ao argumento nos jogos grandes que tivemos em casa. Jogar num sábado à tarde é garantia de que teremos mais um milhar de Sportinguistas dos núcleos a assistir; estamos a excluir Portugal do nosso estádio devido aos horários atualmente aplicados. Mas é algo estrutural do futebol português em que todos juntos temos de trabalhar;
> Marcação dos jogos. Quanto mais cedo for marcado um jogo, maior a facilidade de o vender. Os turistas que vêm a Portugal ficam frequentemente chocados com o facto de não termos hora marcada (e os respetivos bilhetes disponíveis) com antecedência. Em Inglaterra os jogos estão disponíveis meses antes, em Portugal é frequente termos os bilhetes disponíveis apenas uma ou duas semanas antes. O futebol Português assim não se consegue vender. E não ter pessoas no estádio é um verdadeiro tiro no pé de quem o lidera;
> Redução do IVA para 6%. O desporto antes da crise tinha a taxa mínima de IVA. Durante a crise, tal como outros sectores, contribuímos para ajudar as finanças públicas. Ao contrário do que aconteceu com a restauração, cinema, concertos ou teatro, que viram as taxas de IVA a serem reduzidas, o desporto não teve o mesmo tratamento. Uma redução de IVA iria permitir vender os bilhetes mais baixos e assim promover a vinda ao futebol;
> Venda de cerveja nos estádios. O futebol é uma festa entre amigos e famílias. A venda de cerveja nos estádios permitiria que todos chegassem mais cedo, que a festa fosse além do futebol e até aumentar a segurança (já foram elaborados muitos estudos que provam que a entrada mais espaçada dos adeptos, assim como o consumo de cerveja num ambiente controlado, aumenta a segurança e não o contrário). É muito estranho que num concerto, ocorrido nos mesmos recintos, com a mesma massa de gente, com provavelmente até as mesmas pessoas, tenha um tratamento diferente. Mais uma vez em prejuízo do futebol;
> Experiências únicas os mais assíduos. Queremos premiar quem é mais fiel. Iremos introduzir um conjunto de iniciativas para que estes Sócios se sintam reconhecidos e recompensados por estarem sempre presentes, desde conhecerem os jogadores a irem à Academia ou ao relvado. Esta é uma alavanca que depende exclusivamente de nós e irá acontecer muito em breve. Já o testámos no Pavilhão João Rocha com excelentes resultados. Para facilitar o sucesso teremos também de ajudar os detentores de Gamebox a enviar o seu bilhete para amigos ou familiares ou até vender o seu bilhete no mercado secundário, algo possível com a evolução do digital;
> Tornar mais fácil e acessível comprar bilhetes. Tal como mencionado anteriormente, a situação óptima passa por vender mais três a cinco mil bilhetes para a média dos nossos jogos. A experiência de jogo como elemento dos circuitos turísticos, a possibilidade de compra de bilhetes em ambientes fora do contexto desportivo (ex: outras bilheteiras, loja da Rua Augusta) deverão dar um empurrão extra ao objectivo de termos o nosso estádio esgotado;
> Campanha Gamebox 2019-2020. A Gamebox é um elemento chave para a receita de bilheteira do ano. As vendas são realizadas no início da temporada e são baseadas em diversos factores emocionais e racionais. Temos de ter uma experiência de compra fácil, juntamente com uma campanha de marketing muito forte aliada à esperança de uma temporada bem sucedida.
Conclusão
A razão pela qual escrevi este artigo foi para dar transparência aos Sócios e responder a questões prementes. Não queremos dar ou tirar mérito a quem seja, sabemos que nos próximos anos iremos esmagar todos os recordes relacionados com a Marca Sporting. O que aconteceu nestes cinco meses é o resultado de opções tácticas muito focadas (envios de SMS personalizados, pricing de bilhetes mais granular, campanhas focadas por segmento) a que a maioria dos Sócios não se terá dado conta. Ao mesmo tempo, temos estado a preparar as bases para uma grande transformação que nos permitirá ir muito mais além.
Na próxima semana iremos debruçar-nos sobre o número de Sócios e levantaremos a ponta do véu para o que estamos a trabalhar. Irei também apresentar a minha conclusão dos resultados relacionados com a Marca Sporting nestes meses.
11 Março, 2019 at 23:44
Achei mesmo muito interessante a análise efetuada! Veremos na prática o que vai ser feita…
Pena que as guerrinhas não permitam a todos ver uma questões que considero importante mas é como o outro… Aponta-se para a lua e ficam a olhar para o dedo 😀
12 Março, 2019 at 0:06
Se os sportinguistas tivessem orgulho na equipa de futebol e na equipa técnica, se tivessem confiança no trabalho da Direção, mesmo que os jogos fossem às dez da noite haviam de arranjar maneira de lá estar a apoiar a equipa.
12 Março, 2019 at 8:16
Agora disseste tudo.
Eles falam como se nos anos anteriores o estádio não estivesse quase sempre cheio.
Calma, era o gordo que aldrabava os numeros e manipulou as imagens…. o estádio estava sempre às moscas.
12 Março, 2019 at 8:14
Gostei do artigo….. basicamente é uma boa posta de propaganda.
Quem não perceber disto até pode cair na esparrela.
Não estou a falar dos numeros aldrabados, perdão numeros “martelados”, nem da conversa do “agora estamos bem, antes era uma merda”, mas basicamente da ideia que algo anda a ser feito.
Sim, vamos mandar charters da china, vamos fazer isto e aquilo, isto e o crl, no entanto as pequenas coisas nunca são feitas.
Artigo para boi ler e digerir….. parabéns.
12 Março, 2019 at 11:56
Só deixar comentário rápido, se calhar tarde, relativamente ao facto de se terem usado (quase) exclusivamente percentagens nesta análise.
É sempre de desconfiar quando isto é feito. Percebo que se tenha focado na receita (e mesmo aí não colocou num gráfico o que se perdeu com as gameboxes), mas não se ficou com visão global da assistência.
A quantos adeptos corresponde uma subida de 10% de vendas de bilhetes?
E a descida de 16% de gameboxes ou 9% de convites?
Sem estes números, ficamos sem perceber se apostar no aumento da bilhética (em detrimento de gameboxes por exemplo) é realmente o caminho, ou se mesmo aumentando 200% teríamos um impacto reduzido na assistência…
12 Março, 2019 at 12:08
Exacto… a malta quer é soluções!
Na prática o q vemos: despachar os nossos melhores jogadores a pontapé e a custo 0… ou seja, gestao brilhante!
Alguns da academia, montero, nani, acuña, bd, coates… mas mais o bf vai de vela tb (após a genial gestão do amego)!
12 Março, 2019 at 20:55
Falo por mim, mas acredito que mais sintam o mesmo: a má qualidade do futebol e resultados não dão vontade de ir ao estádio. Ao início com o Keizerball dava bastante até, quando a equipa decaiu muito deixa de dar vontade de pagar um bilhete (a não ser que já se tenha uma gamebox obviamente)