Nunca será demais destacar a enorme entrevista de Vítor Oliveira ao Expresso. Aos 65 anos, o ‘rei das subidas’ de divisão trocou o que sabe fazer melhor do que ninguém pela missão de risco de tentar manter o Gil Vicente na Liga NOS, com um plantel formado a partir do zero. A estreia não podia ter sido melhor, derrotando o fcp, e “mister” Oliveira aproveita para louvar a coragem de Ana Gomes e sublinhar a falta dela entre políticos: “Tem razão na defesa pública de Rui Pinto. Se calhar, cometeu um crime grave, mas confirme-se o que denunciou e investigue-se quem cometeu ilegalidades. Quem duvida da veracidade dos e-mails do Benfica? Precisamos de uma classe política diferente”.
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Há 23 caras novas no plantel. Como se monta uma equipa quase do zero, após uma época em que o Gil Vicente jogou a feijões no Campeonato de Portugal, III Divisão?
É algo inédito. Só no futebol português é que isso acontece. E o “caso Mateus”, que já leva 13 anos, não está resolvido. Há uma divergência enorme entre a indemnização reclamada pelo Gil Vicente [€21 milhões] e o que a FPF quer pagar. Montar uma equipa com tanta gente nova é complicado, mas teve de ser, pois a que jogou na última época os resultados não contavam para nada. Como tinha o acesso à Liga garantido, o clube não investiu e o plantel não jogadores com qualidade suficiente para disputar a Liga NOS. Foi preciso fazer tudo de novo e tivemos dificuldade em contratar jogadores no mercado interno.
Os portugueses são caros?
São caros e preferem ir para o estrangeiro. Um jogador médio de primeira Liga ganha o dobro ou o triplo lá fora. Os clubes também vão ganhando algum dinheiro nessas transferências, não muito com exceção dos grandes, que têm realmente jogadores de qualidade.
€126 milhões pelo João Félix…
São muitos milhões, demasiados milhões, o que cria um fosso competitivo enorme entre os grandes e as equipas médias e pequenas. Desnível ainda maior do que o Benfica, FC Porto e Sporting sentem quando se confrontam com os grandes clubes europeus europeus. E a distância competitiva a nível interno não para de aumentar.
Qual é a principal razão?
Várias, embora a principal seja a distribuição das receitas das transmissões televisivas e de publicidade. Era benéfico para todos uma redistribuição mais equitativa. Só assim teremos um campeonato mais equilibrado e competitivo.
O que valorizou na seleção dos 23 jogadores? Quem os escolheu?
São maioritariamente estrangeiros: portugueses cinco ou seis, entre os quais o Alex da equipa B do Benfica e Rúben Fernandes (ex-Portimonense).Temos jogadores de oito nacionalidades. Nigerianos, senegaleses, macedónios, búlgaros, brasileiros…Os dois diretores Gil – Tiago Lenho e o Dito, antigo jogador do Benfica, Sporting, Braga e Gil Vicente, começaram a reforçar o plantel e também escolhi alguns. Uns foram-nos oferecidos, outros indicados através dos nossos contactos.
Mas a seleção final é sua?
Por regra sim, mas neste caso não foi fácil por não ter uma base para reforçar. Ir buscar 23 é um trabalho diferente. Não vamos acertar em todos, mas temos um bom grupo de homens e jogadores de qualidade – o que às vezes não chega, já que nem todos se adaptam rapidamente. É uma diversidade grande de culturas e só dois vieram da mesma equipa. Rodrigo e Artur vieram do São Paulo, os restantes tiveram treinadores diferentes, com mentalidades e processos de treino diversos. Todos gostam de treinar à sua maneira, são 23 vontades a domar.
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Mas já teve propostas para treinar no estrangeiro. Nunca aceitou porquê?
Tive vários convites. Nunca cheguei a acordo. Se calhar sou demasiado exigente em termos financeiros.
Já disse ao Expresso que até era um treinador barato.
Barato no sentido em que tenho cumprido os objetivos. Para ir para o estrangeiro tem de ser uma coisa que aqui não tenha hipótese alguma de chegar perto. Aqui tenho trabalhado praticamente sempre e bem pago. No máximo fiquei três meses sem treinar, e por opção.
É verdade que as suas condições são 10 mil euros, levar os seus adjuntos e escolher a equipa?
Não é verdade. Nunca deixei de ir para clube nenhum por questões financeiras. Se o que me movesse fosse dinheiro, não estava no Gil Vicente. Não vou perder dinheiro para Barcelos, vou ganhar o que acho justo e me ofereceram. Nem sequer discuti a proposta do Gil. Um dos meus critérios é trabalhar com pessoas de quem gosto, e felizmente tenha essa possibilidade. E só faço contratos de um ano. Nunca fiz de mais.
Por o cumprimento do contrato depender demasiado dos resultados e não do que está assinado?
Chega-se ao fim do ano e se uma das parte não está satisfeita fica livre. Contratos de dois ou três anos valem o que valem por estarem condicionado aos resultados. É uma atividade demasiado volátil. Tenho colegas que defendem que contratos mais longos dão garantias. Eu não preciso dessas garantias. E dá-me liberdade de ação e de exigência. Julgo que me tem ajudado a ter êxito.
Não ter treinado um grande ou recebido propostas aliciantes para treinar lá fora amargura-o?
Nada. No futebol sou pragmático, estou de muito bem com a vida no futebol. Treinei sempre onde quis e me quiseram.
Defende que é mais fácil motivar os jogadores quando lutam pela subida do que pela manutenção numa equipa da Liga. Onde reside a grande diferença?
Jogar para ganhar é mais galvanizador do que para não perder. É um futebol mais positivo, mais alegre. Viver ao longo da semana e vésperas do jogo com a ideia de ganhar dá-nos outra motivação para o treino e até para a adversidade. Jogar para não perder é um tormento e põe as pessoas velhas. E não quero ficar velho tão depressa.
Mas não vai ser mais calculista no Gil?
Este ano, sei que terei de ser mais calculista. Mas confesso que precisava de um desafio diferente, pois os anos que levo disso também pesam. Na 2ª Liga, a exigência de ser campeão sente-se no ar. Ninguém ganha sempre, e por mais vitórias que se somem o que nos vão apontar no fim são as derrotas. Os portugueses preferem dizer mal a dizer bem. Os meus amigos têm-me dito que vir para o Gil é um erro tremendo. Eu sinto que não é. Uma das minhas motivações é demonstrá-lo. Acho que será um ato de gestão fantástico.
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O Wagner, seu jogador no Paços de Ferreira, resumiu a chave do seu sucesso à identificação com os jogadores…
O sucesso numa equipa de futebol não se restringe a duas ou três coisas. Aliás, muita coisa até depende de quem está longe dos olhos da opinião pública. Costuma dizer-se que de migalhas também se faz pão. É importante conhecer os jogadores e o campeonato em que se trabalha. É como em qualquer profissão. Se não se perceber aquilo que se está a fazer e as pessoas com quem trabalhamos, os erros acumulam-se e não se anda para a frente.
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Em 2017/18, a Liga terminou com o caso de Alcochete. Agora a época começou com a agressão ao diretor do Sporting Miguel Albuquerque. A que se deve tamanha intolerância?
À falta de vontade política em resolver esta situação. Os políticos minimizam o fenómeno, que é extremamente grave.Poucas pessoas fazem ideia do que custou Alcochete, em termos desportivos e financeiros ao Sporting, que apesar de tudo fez um ótimo campeonato e ganhou duas taças. Tem muitos cacos para colar, devido a uma atitude indigna de uma série de associados.
A legislação contra a violência no desporto foi alterada e os clubes vão ter mesmo de registar as claques…
Legislar não chega. É preciso uma justiça rápida e banir os agressores. A agressão ao diretor do Sporting foi bárbara, mas nem as entidades públicas que tutelam o futebol ou o secretário de Estado do Desporto se pronunciaram. Em Inglaterra, acabaram como fenómeno do hooliganismo. Basta copiar. Já tenho ido assistir a jogos da Premier League e é tranquilo. Aqui, passado mais de um ano, os vândalos de Alcochete estão presos, não condenados, os estádios, fora os grandes, têm assistências ridículas, o número de sócios dos clubes têm vindo a cair, e os pais receiam levar os filhos ao futebol, que vai vivendo de atividades algo duvidosas, como algumas pessoas já denunciaram.
Ana Gomes tem razão?
Tem coragem e razão na defesa pública de Rui Pinto. Se calhar, ele cometeu um crime grave, mas confirme-se o que denunciou e investigue-se quem cometeu ilegalidades. Quem duvida da veracidade dos e-mails do Benfica? Precisamos de uma classe política diferente, que pusesse ordem no futebol.
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Qual é o seu palpite para o pódio da Liga esta época?
À partida o campeonato será decidido entre o Benfica e o FC Porto, talvez com uma aproximação do Sporting. O Sporting perdeu agora com o Benfica, mas na minha opinião foi melhor durante 60 minutos.
Acabou goleado por culpa do treinador que decidiu improvisar?
Não acredito que tenha improvisado. Quem viu os treinos para afirmar isso? Teve oportunidade de sair a ganhar, mas o Benfica fez o segundo golo no falhanço inadmissível de um jogador fantástico, o Mathieu. A partir daí a equipa desorganizou-se completamente, o que permitiu o massacre do Benfica, uma equipa mortífera, motivadíssima e difícil de parar quando o jogo corre de feição. Não sei até que ponto a instabilidade do Sporting não se reflete em campo: são ataques permanentes ao ex-presidente e ao atual. Parece que não há ninguém que sirva para o clube. Toda a gente é motivo de crítica, feitas pelos próprios sportinguistas, quando deveriam unir forças e respeitar a vontade da maioria dos sócios nas eleições.
Da sua larga experiência, tem a noção que os jogadores podem tramar um treinador?
O treinador será sempre o que os jogadores quiserem.
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O que tem o futebol português de melhor e pior?
De melhor, a qualidade dos seus jogadores e treinadores. Precisa de um dirigismo melhor, de dirigentes menos dependentes do FC Porto, do Benfica e Sporting. Os mais pequenos precisam ser muito mais independentes das decisões dos grandes. O nosso futebol está muito dependente dos interesses dos grandes.
Está a referir-se à política de empréstimos de jogadores?
De tudo, a começar pela centralização dos direitos televisivos. Toda a regulamentação está dependente do apoio dos grandes. O futebol inglês arrancou esta sexta-feira e acabaram as transferências antes de começar o campeonato. É um exemplo ótimo que devíamos seguir. Não faz sentido começar a época e manterem-se em aberto as transferências. Aqui só copiamos o que interessa aos grandes.
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Deixar de pagar a meio da época mina a verdade desportiva?
Normalmente as coisas andam a par. Deixam de pagar porque os resultados desportivos falham. Há dirigentes que dizem “vamos fazer aqui uma aposta fortíssima. que se correr bem o dinheiro vai aparecer”. Senão, não se paga. O Chaves ainda agora contestou a inscrição do Vitória de Setúbal. Quem anda nisso sabe quem são os clubes devedores. É inadmissível numa das indústrias que mais dinheiro movimenta no país. A FPF e a Liga têm de responsabilizar os dirigente faltosos, e a secretaria de Estado providenciar legislação para penalizar quem não cumpre. Só assim haverá verdade desportiva.
Que tipo de penalizações?
Quem não paga deve ser penalizado com pontos perdidos e descida de divisão. A questão dos investidores devia ser ser também severamente fiscalizada. Chegaram aí, investiram e faliram o Beira-Mar, Olhanense ou Leiria. Foram embora sem que nada lhes tenha acontecido.
15 Agosto, 2019 at 22:09
“Tem coragem e razão na defesa pública de Rui Pinto. Se calhar, ele cometeu um crime grave, mas confirme-se o que denunciou e investigue-se quem cometeu ilegalidades. Quem duvida da veracidade dos e-mails do Benfica? Precisamos de uma classe política diferente, que pusesse ordem no futebol.”
“O Sporting perdeu agora com o Benfica, mas na minha opinião foi melhor durante 60 minutos.”
“Não acredito que tenha improvisado. Quem viu os treinos para afirmar isso? Teve oportunidade de sair a ganhar, mas o Benfica fez o segundo golo no falhanço inadmissível de um jogador fantástico, o Mathieu. A partir daí a equipa desorganizou-se completamente, o que permitiu o massacre do Benfica, uma equipa mortífera, motivadíssima e difícil de parar quando o jogo corre de feição. Não sei até que ponto a instabilidade do Sporting não se reflete em campo: são ataques permanentes ao ex-presidente e ao atual. Parece que não há ninguém que sirva para o clube. Toda a gente é motivo de crítica, feitas pelos próprios sportinguistas, quando deveriam unir forças e respeitar a vontade da maioria dos sócios nas eleições.”
Nem é preciso dizer mais nada!