Várias vezes motivo de divisão de opiniões aqui na Tasca, quantos de nós continuamos a achar que Ryan Gauld devia ter tido oportunidades e devia ter sido aposta consistente com a camisola do Sporting Clube de Portugal?

Ora, vejamos, então o que o escocês tem a dizer sobre a sua passagem por Alvalade, numa entrevista ao MaisFutebol.

Maisfutebol – Como foram os seus primeiros passos no futebol?
Ryan Gauld – Na Escócia, com o meu pai e o meu irmão. Atrás da nossa casa havia um parque público com um campo de futebol e com cinco/seis anos ia para lá jogar. Primeiro joguei na equipa local, o Brechin City Boys Club, e depois com nove anos fui treinar ao Dundee United e fiquei lá até assinar pelo Sporting.

MF – Isso foi em 2014/2015 e na altura falava-se também no interesse do Ajax. Teve alguma proposta do clube holandês?
RG – A imprensa falava em muitas equipas, entre elas o Ajax, mas proposta concreta só tive a do Sporting.

MF – Foi pouco utilizado pelo treinador Marco Silva, apenas cinco jogos na equipa principal. Nesse primeiro ano achou isso normal ou a adaptação não foi boa?
RG – A adaptação não foi difícil por causa da idade, mas sim pelas diferenças entre o futebol escocês e o português. Demorei muito tempo a adaptar-me e a perceber como se joga em Portugal. Isso foi a coisa mais difícil. E o Sporting naquela altura tinha o Adrien Silva, o William Carvalho, o João Mário… muitos jogadores para a minha posição e complicou ainda mais. O primeiro ano foi mais para aprendizagem.

MF – Mas o segundo ainda foi mais complicado: com Jorge Jesus não foi utilizado na equipa principal, apenas na B. Ficou magoado?
RG – Não, porque queria jogar com regularidade e sabia que para isso acontecer só jogando na equipa B ou então sendo emprestado. Como era apenas o meu segundo ano de Sporting, preferi ficar na equipa B, às vezes ia treinar com a equipa A… gostei muito dessa época, tínhamos uma boa equipa e fiz 38 jogos. Se calhar foi uma das minhas melhores épocas.

MF – Quem foi mais importante na sua adaptação ao Sporting?
RG – Todos. Quando cheguei, nem percebia uma palavra em português. Mas estava lá o Eric Dier, que falava inglês comigo no estágio de pré-época. Mas quando ele saiu para o Tottenham já me sentia confortável. E todos ajudaram, principalmente na equipa B, onde joguei mais nesse ano e quase todos falavam inglês.

MF – Em 2016/2017, quando foi emprestado ao Vitória de Setúbal e estava num bom momento de forma foi surpreendido com o regresso ao Sporting, após um polémico jogo da Taça da Liga. Foi prejudicado com isso?
RG – Sim, sim. Não gostei nada disso. Eu e o lateral-direito, o André Geraldes, tivemos de voltar. Para mim, que pela primeira vez estava numa equipa da I liga, foi mau. No início não estava a correr bem, mas depois comecei a ser titular e senti que podia fazer uma boa época. Depois daquele jogo foi muito difícil. No dia seguinte ao jogo recebemos uma chamada a informar para voltarmos à Academia, porque o empréstimo ia ser anulado.

MF – Bruno Carvalho era o presidente nessa altura. Era difícil lidar com ele ou tinha uma boa relação com os jogadores?
RG – Até tinha [boa relação], mas não sei porque é que ele fez isso comigo. Estava sempre tranquilo comigo, ajudou-me algumas vezes, mas depois desse momento com o Vitória de Setúbal, a nossa relação ficou mais fria.

MF – Novo empréstimo na época seguinte, ao Aves. As coisas até correram bem…
RG – Sim, gostei muito. Foi a primeira vez num clube do Norte de Portugal e gostei muito. A época começou bem mas depois estive seis semanas lesionado e houve mudança de treinador. Voltei a jogar, mas fiz alguns jogos a sair do banco. Com essa equipa fizemos história, ganhámos a Taça de Portugal e conseguimos a manutenção.

MF – … e contra o Sporting!
RG – Naquele momento não interessava quem era o adversário. Chegámos a Lisboa, fizemos um treino um dia antes no Estádio Nacional e todos tinham um sentimento incrível por estar lá.

MF – No jogo, como é que sentiu o estado de espírito dos jogadores do Sporting, depois das confusões com a invasão a Alcochete: estavam abatidos ou com vontade de comer a relva?
RG – Não falei com ninguém antes. Claro que foi um momento muito difícil para eles, mas no Aves ficámos focados no nosso jogo, na final da taça, que era uma oportunidade única para muitos jogadores disputarem uma final.

MF – Seguiram-se os empréstimos ao Farense e ao Hibernian…
RG – Os primeiros seis meses em Faro foram espetaculares porque voltei a jogar com regularidade. Na Escócia lesionei-me e estive oito semanas de fora, o que leva tempo para recuperar o nível físico Quando estava pronto para jogar a época estava quase a acabar e, como já tínhamos a classificação definida, o treinador quis ver em ação os jogadores com quem iria contar no ano seguinte. Percebo isso.

MF – Depois rompeu definitivamente com o Sporting e assinou por dois anos (com mais um de opção) pelo Farense. O André Geraldes, CEO do clube algarvio, com quem trabalhou no Sporting, teve alguma influência na decisão?
RG – Sim. Quando, no verão, o André Geraldes me ligou a dizer que o Farense queria que eu assinasse pelo clube em definitivo – e como tinha gostado de ter estado cá antes – tornou-se mais fácil fazer o negócio com o Sporting.

MF – Não ficou ressentido por não ter feito carreira no Sporting?
RG – Sim, um pouco. Mas sei que naquela altura não estive ao nível de qualidade dos outros jogadores. Não digo que não merecia uma oportunidade, mas a qualidade era muito elevada, com 30 jogadores que podiam jogar. Principalmente nos primeiros três anos, acho que era difícil jogar.

MF – A seleção da Escócia é um objetivo?
RG – Sim. Já fui convocado uma vez mas fiquei na bancada em dois jogos. Todos querem ser internacionais, eu tenho de estar concentrado no meu futebol aqui e, se as coisas correrem bem, quem sabe…»

MF – Quais são as maiores diferenças entre o futebol português e o escocês?
RG – Aqui é muito mais tático e na Escócia é mais intenso, não tens tempo durante o jogo para pensar. Mas o nível de qualidade das melhores equipas portuguesas é superior ao escocês. Mas gosto dos dois.

MF – Se FC Porto ou o Benfica o convidassem, aceitava? Ou em Portugal, dos chamados grandes, só jogaria no Sporting?
RG – Agradeço a oportunidade que o Sporting me deu para vir jogar para Portugal, mas praticamente não fiz nada lá. Se um deles me contatasse, claro que é difícil dizer não a um desses grandes.

MF – Aos 18 anos eras conhecido na Escócia como o Mini-Messi. Isso é prejudicial para si? Aumenta as expetativas?
RG – Se calhar todos esperavam que em cada jogo eu teria de fazer alguma coisa para merecer esse apelido… É uma coisa que nunca gostei, desde a primeira vez que li num jornal. E ainda não gosto quando agora dizem isso. Apenas sorrio.

MF – Não gosta por algum motivo?
RG – É ridículo, ninguém pode ser um Mini-Messi, todos têm as suas características, o seu jogo. Nunca percebi porque me chamaram isso. Se calhar foi porque sou baixo e jogo com o pé esquerdo. Chamar isso complica algumas coisas.

MF – Quem era o seu ídolo na infância?
RG – Gostei muito de ver jogar o Dennis Bergkamp, também o Messi. E aquela equipa do Barcelona, com Xavi, Iniesta, Ronaldinho, Messi, Eto’o…

MF – Tem contrato de dois anos com o Farense. No próximo ano o sonho é jogar com o clube algarvio na I Liga? Há equipa e estrutura para isso?
RG – Claro que quero jogar na I Liga com o Farense. Neste momento não estamos a pensar a longo prazo, sabemos que este campeonato é muito complicado porque alguma equipa da parte de baixo da classificação pode vencer uma de cima. Temos de pensar em ganhar os nossos jogos e depois em maio logo se vê.

MF – Além do futebol também gosta de jogar golfe.
RG – Quando saio dos treinos gosto de fazer outras coisas para não estar sempre a pensar no futebol. Principalmente na Escócia, gosto de jogar golfe com os meus amigos e durante essas três horas e meia não falamos de futebol.»

MF – Já é um bom jogador de golfe?
RG – Bom, não (risos). Sei bater a bola mais ou menos.

MF – No Algarve já tem jogado? Já convenceu algum colega a fazê-lo?
RG – Não. Tenho de esperar que os meus amigos e família venham cá porque aqui pouca gente joga. Portugal tem dos melhores campos na Europa e ninguém quer jogar.

MF – Em Portugal já viveu em Lisboa, no Norte e no Algarve. Que opinião tem do país e dos portugueses?
RG – Gostei de todos os sítios, mas prefiro mais o Algarve e o Norte. Os dois até são diferentes: o Norte e o Porto, cidade bonita e com história, com o frio, a chuva e o vento faz lembrar a Escócia, para mim é top. Aqui tenho sol e praia.

MF – Para terminar: Messi ou Cristiano Ronaldo?
RG – Messi, com toda a certeza!» (risos)

NOTA DA TASCA
em jeito de análise rápida a esta entrevista, eu diria que o talento deste rapaz é proporcional à falta de ambição que ele demonstra em relação à sua carreira. Está sempre tudo bem, gosta de todas as experiências, o importante é poder jogar. É capaz de não ser a melhor forma de encarar as coisas.