A semana que decorreu desde o último post permitiu apreciar 2 confrontos com uma das nossas competidoras diretas, a equipa senior de Futebol Feminino do Braga.
O primeiro desses confrontos, a contar para as meias-finais da Taça da Liga ocorreu na 4ª Fª dia 3 de Março, apenas 3 dias após o inesperadamente difícil confronto contra o Condeixa para a série de apuramento de Campeão do Nacional BPI de FF.

O Sporting alinhou com Patrícia Moraes; Mariana Rosa, Bruna Costa, Nevena Damjanovic e Joana Marchão; Tatiana Pinto, Fátima Pinto e Andreia Jacinto; Ana Borges, Ana Capeta e Raquel Fernandes. Logo na primeira jornada o Braga deixou um sério aviso: a “matulona” Hannah Keane rematou isolada para uma extraordinária defesa de Patrícia Moraes. Mas o Sporting soube reagir e, aos 8 minutos era Ana Capeta a forçar a guarda-redes internacional irlandesa do Braga Marie Hourianne a uma boa defesa.

O Sporting começava a conseguir bem da pressão alta do Braga, a organizar muito bem a troca de bola no meio do terreno, a ter mais posse e a definir os momentos de libertar-se do espartilho defensivo do Braga ora com boas aberturas para a direita para a Ana Borges ou a Mariana Rosa (que apoiava frequentemente o ataque) e para a esquerda para Raquel Fernandes e os apoios da Joana Marchão, ora com passes entre linhas no centro ofensivo aproveitando os movimentos diagonais da Ana Capeta; verdadeiras formigas de trabalho nestas tarefas de organização ofensiva foram Fátima Pinto e, sobretudo, Andreia Jacinto. Entretanto, esta organização e posse de bola ea desgastando a organização defensiva do Braga e causando mas jogadoras do Braga crescente desconforto emocional: como resultado iam-se sucedendo as faltas bracarenses. Aos 27 minutos a Andreia Norton já ia na sua 4ª falta e a Diana Gomes na sua 3ª. E aos 29 minutos uma jogada de Andreia Jacinto pela esquerda só é parada por falta da americana Myra Delgadillo quase ao bico da área bracarense. A sua marcação é jogada laboratorial: simulação de cruzamento de Raquel Fernandes, passe lateral rasteiro de Joana Marchão para uma Nevena que, vinda em movimento paralelo à baliza entre as linhas das duas áreas, efetua um excelente remate cruzado indefensável para a Hourianne. Estava desbloqueado, o jogo.

O Braga continuava a abusar das faltas face à permissividade da árbitra; Andreia Norton pendura-se literalmente nas costas de Ana Borges para a sua 5ª falta; A lateral Rayanne faz duas faltas duras seguidas sobre Raquel Fernandes e Fátima Pinto; mas os amarelos continuavam “esquecidos”. Aos 41 minutos, a bracarense Laura Luís marca um bom golo numa jogada de belo efeito mas que nasce de uma recuperação de bola da própria Laura Luís à saída do seu meio campo em claríssima falta sobre Andreia Jacinto. A árbitra deve ter fechado os olhos nesse momento, porque se encontrava muito perto do lance e era impossível não o ter visto.

No 2º tempo, a tão apregoada vantagem física do Braga continuava a fazer-se sentir em sucessivas faltas de Andreia Norton, Rayane, Diana Gomes (a Andreia quando sai do jogo tinha 8 faltas – assinaladas; a Diana e a Rayane acumularam 5 cada) e Myra Delgadillo que, na sua 4ª falta, lá vê um cartão amarelo aos 53 minutos. Segundos antes a Nágela havia visto o primeiro amarelo do jogo numa falta sobre a Ana Capeta que mereceria outra cor. Ana Capeta que seria também um “amarelada” aos 58 minutos numa falta tão intempestiva quanto desnecessária sobre a Dolores. Mas, 2 minutos depois,o Sporting voltava à vantagem: Ana Borges perto da área do Braga faz um corte-passe em esforço para a Fátima Pinto no miolo que abre logo à esquerda para a Raquel que cruza baixo e tenso para a pequena área onde a inevitável Ana Capeta se antecipa às adversárias e, num salto de peixe, marca um golo de cabeça de belo efeito. Apesar de ainda haver meia hora para jogar, o Sporting soube controlar o jogo mostrando-se taticamente irrepreensível e “jogando” com a crescente “pressa” do Braga na execução dos seus processos ofensivos.

Notas positivas no Sporting: mais um grande jogo de Nevena (não sabe jogar mal); uma Capeta, mais uma vez letal (em Braga, deve ter a cabeça a prémio); um bom jogo de Joana Marchão; excelentes prestações de Fátima Pinto e das jovens Mariana e Andreia (para mim, a MVP do jogo).

No domingo, já para o campeonato, novo confronto com as mesmas oponentes. Em relação ao onze que usou inicialmente para a Taça da Liga, o Sporting partiu para este jogo fazendo apenas uma alteração, na baliza, onde Inês Pereira ocupou o lugar de Patrícia Moraes. Este foi um jogo em que não se pode falar de predomínio de nenhuma equipa e que foi fértil em alternâncias desse domínio territorial. O Sporting não foi tão esclarecido como de costume na saída da pressão alta. O Braga continuou a abusar das faltas pois, mais uma vez, verificou a permissividade da árbitra. De novo eram Andreia Norton e Diana Gomes as mais faltosas. Mas foi Ana Capeta a ver (bem) o 1º amarelo do jogo: mais uma vez, um corte impetuoso, mas junto à linha lateral e num lance perto da divisória de meio-campo a demonstrar que a raça deve ser usada com mais “cabeça”.

Os lances mais perigosos da primeira parte (embora sem domínio territorial evidente) pertenceram ao Sporting: 2 remates de cabeça de Bruna Costa e Ana Capeta falharam o alvo por escassos cms (em ambos os casos com a GR Hourianne sem hipótese de defesa). O segundo tempo começa com o Braga a tentar surpreender o Sporting em contra-ataques rápidos ou no uso do físico em lances de bola parada. Valeu ao Sporting o acerto defensivo de Mariana Rosa (2 vezes, a 2ª indo dobrar o lado esquerdo! da defesa) e de … Andreia Jacinto! A partir dos 55 minutos, o Sporting equilibra as operações e o jogo regressa à repartição de sucessivos períodos curtos e alternados de domínio. Curiosamente este jogo é desbloqueado aos 85 minutos pela jogadora mais “improvável”: a receber, à entrada da área e de costas para a baliza, Carolina Mendes recebe um belo passe passe de Ana Borges e executa uma ótima receção orientada em rotação e entra na área desembaraçando-se de Nágela Oliveira que se viu “obrigada” a derrubá-la. Penalty claro e incontestado que foi superiormente convertido pela suspeita do costume: Nevena Damjanovic (central que marca o seu 5º golo na competição, 6º na época).

Até ao final fica por mostrar um vermelho a Andreia Norton que, claramente furiosa por Raquel Fernandes lhe ter “roubado” a bola, perde a cabeça e corre de raiva para a rasteirar por trás. Nem seria tanto pela natureza da falta mas pela clara conduta anti-desportiva. Por falar em condutas anti-desportivas, essa deve se uma caraterística que começa a fazer escola nos técnicos e dirigentes do Braga (3 amarelos para o banco nos 2 jogos, por, constantemente pressionarem as árbitras e contestarem as suas decisões; e até nem tiveram muitas razões para se queixarem … imaginem se …).

Notas positivas deste encontro: outra grande exibição das duas jogadoras mais jovens do 11, Andreia Jacinto e Mariana Rosa (para mim a MVP do jogo); em alta também para a Nevena e a Raquel; destaque ainda para a boa participação da Carolina Mendes no pouco tempo de jogo. Menos positivas (embora não negativas), as exibições menos regulares de Fátima Pinto (quebrou muito fisicamente na 2ª parte) e Bruna Costa com 2 deslizes nada habituais que poderiam ter sido comprometedores.

Um apontamento de balanço para a campanha nacional que está a fazer a equipa do Sporting de FF, com bastantes pontos de identificação com o que se vai passando na equipa senior A de FF: até agora, o FF já disputou 16 jogos e conta com 15 vitórias e 1 empate (as “meninas” partilham a exclusividade de invencibilidade nacional com os seus “parceiros” masculinos); ambas as equipas assentam muito do seu plantel no recurso às/aos jogadoras/es nacionais e complementando alguma experiência com uma boa base de jogadoras da formação; ambos os treinadores são jovens e têm surpreendido pela competência técnica, consistência das suas idéias táticas e estratégicas, capacidade em os treinar e pôr em prática, capacidade de ler e intervir no jogo, mas, SOBRETUDO, pelo que parece ser uma enorme assertividade na condução mental coletiva e individual e na correspondência dos respetivos discursos aos objetivos desse “coaching”. Já as diferenças parecem situar-se mais ao nível da gestão diretiva de cada um dos projetos: enquanto para o FF se dá quanto se pode e até muito do que se não pode (com algumas “aquisições” a roçar mesmo o absurdo) no FF não se faz há mais de 2 anos 1 investimento que seja.

Finalmente uma palavra para algo que tem sido objeto de algum debate nesta rubrica: as apostas na Formação dos principais Clubes no FF. Reporto-me a Benfica, Braga e e Sporting. Sobre o Braga o que há dizer é que, verdadeiramente, não aposta na Formação uma vez que só após 3 anos de projeto tentou montar uma equipa de sub-19, isso apesar de estar no “Distrito” da única Associação de Futebol que propicia competição no Futebol Feminino desde o escalão de sub-13 (a AF de Lisboa apenas propiciava sub17 e sub19). Em relação a Sporting e Benfica o reflexo das suas apostas na Formação nas respetivas equipas A po de ser comparado nos seguinte quadro:

Captura de ecrã 2021-03-09, às 09.13.40

Este quadro comparativo demonstra bem que é maior e mais consistente a utilização do SCP de jogadoras da sua formação. Isso não invalida que o Benfica também esteja a trabalhar muito bem essa vertente. Apenas indica a existência de 2 factos que condicionam no SLB essa utilização: 1º o facto de a sua formação ser necessariamente (ainda) relativamente incipiente, uma vez que o projecto foi iniciado, em setembro de 2018, 2 anos após o do SCP, e que a formação foi interrompida no final de Fevereiro de 2020 até hoje, devido à pandemia (entretanto, este ano, por força dessa circunstância o SLB inscreveu uma equipa B na 3ª Divisão Nacional para acomodar uma boa parte dessas jovens que abraçaram o projeto do clube em 2018); 2º o facto de o SLB ter contado respetivamente com 13, 10 e 10 jogadoras estrangeiras inscritas nas 3 épocas que leva o seu projeto, o que é um fator inibidor a maior uso de jovens formadas (8 das actuais estrangeiras estão entre as 11 com maior taxa de utilização); acresce que contratou mais algumas jogadoras já seniores e muito utilizadas como a Silvia Rebelo (1ª) ao ex-Braga, a Carole Costa (8ª) ex-Sporting ou a Matilde Fidalgo (13ª) ex- Manchester City, ex-Braga e ex-Sporting. Portanto, além de ser um projeto ainda menos maturado, aprece que o projeto do SLB comporta algumas contradições ( como sucede no seu FM) com o peso da contratação de atletas estrangeiras. Por outro lado, a “dança” de treinadores (3 em pouco mais de 2 anos) também não facilita a consistência das apostas.

Já no projeto do Sporting, aquilo que sucede parece, nesta matéria, ser o inverso: a aposta está mais maturada por força de o projeto ter mais anos; o peso da contratação estrangeira é metade (numericamente) do que acontece no SLB e ainda mais reduzido se a análise for qualitativa e atentarmos à escassíssima (e pouco produtiva, diga-se) utilização de 3 das nossas 5 estrangeiras (Carlyn Baldwin, Amanda Perez e Wike Meister).

Diria, em resumo, que a força das circunstâncias e as opções estratégicas diretivas ditam as diferenças quantitativas apontadas no quadro atrás exposto. Quanto a diferenças qualitativas, as mensuráveis, por enquanto, também pendem para o lado do Sporting (nº de internacionalizações, nº de títulos); já as subjetivas dependerão sempre da avaliação de cada sujeito.
O que, no entanto parece insofismável é que quer Sporting quer Benfica estão a fazer bons investimentos nas suas Formações de FF; tal como é insofismável que, se existe FF em Portugal (incluindo esses 2 Clubes) é porque uma série enorme de vários “pequenos” Clubes andou durante 3 décadas a investir (muitas vezes até quebrando barreiras culturais) para que as meninas deste país pudessem praticar o desporto, bastas vezes desbravando caminhos, substituindo o Estado e até indo “contra” a inércia e/ou incompetência de dirigentes e organizações do Estado ou dele subsidiárias (S.E.J.D.; I.P.D.J; F.P.F.; A.F.s; M.E.C.; etc.). Mas essa fica questão para debate prometido para outras calendas.

* dos Açores com amor, o Álvaro Antunes prepara-nos um petisco temperado ao ritmo do nosso futebol feminino. Às terças!