No último sábado tivemos uma grande vitória sobre a, até então invicta, AJM/FC Porto. Não entro no discurso de uma vitória estrondosa, como também não menosprezo. A verdade é aquela que a realidade nos diz. Vencemos uma grande equipa e isso faz de nós uma grande equipa também. Apesar da grande agitação mediática com esta vitória, importa relembrar que, desde que a AJM/FC Porto se tornou numa equipa rica, o nosso parcial de vitórias-derrotas é 3-4. Historicamente, damo-nos bem.

Para além da atitude das nossas jogadoras, o voleibol é de uma beleza tática que espreitá-la é divertido.

Em jeito de resumo bem resumido, posso dizer que defensivamente estivemos muito bem, tal como no bloco. Acredito que possa ter sido dos melhores jogos de bloco desde o início da época. Para além dos 14 blocos que geraram ponto, fomos tocando muitas vezes na bola para continuar a jogar. No ataque, com a persistência que nos caracteriza, fomos fechando pontos com consistência. Achei que podia ser mais interessante colocar uns vídeos que me parece que resumem bem os pilares da nossa vitória. Com isso os tasqueiros também podem apreciar a beleza do jogo de voleibol e o quão bem nós o jogamos.

Serviço da Thaís para o fundo de campo (seg 1), para uma diagonal mais curta a obrigar ao passe da Grazi Sousa (seg 6) que gerou dificuldades na AJM/FC Porto. Esta foi uma tendência durante todo o jogo, sempre que uma das nossas atletas servia tentava dar força na diagonal curta ou longa.

A bola foi passada para a zona 4 com o ataque da Juliana Silva (seg 9). Aqui o nosso bloco tocou na bola e conseguimos defender. Como não deu para atacar, colocámos a bola “morta” para cima da Renatinha (seg 14), ou seja, costas da distribuidora adversária onde é uma zona de desconforto da mesma. Outra tendência identificada.

A jogada criada pela AJM/FC Porto foi levar a central Fé Isis para as costas da distribuidora, isto é, a jogadora que está junta à rede do lado esquerdo. Com isto a Renatinha ficou sem espaço para atacar porque tinha a colega à sua frente. A nossa Jady, que parecia ter tudo estudado, percebeu isto e “cagou” na central (seg 13) dando à Bochka a marcação da Fé Isis. Isto permitia termos o bloco duplo na zona 4 da AJM/FC Porto. Bola na Juliana novamente, de novo, bloco (seg 17).

Depois foi mais fácil. A Fé Isis não recuperou posição e ficou onde estava. Isto facilitou a vida à Jady que, voltou a dar a marcação da adversária à Bochka. O passe foi na Fé Isis (seg 21), bloco bem marcado e nós defendemos. A distribuidora adversária nunca mudou a jogada e a Fé Isis continuou a ser um “alvo fácil” porque se colou na zona 2, lado esquerdo da imagem. Nestas jogadas, a AJM/FC Porto puxa a Renatinha para a zona 6 para atacar na pipe (seg 19 e acompanhar o movimento).

Há mais só nesta jogada? Sim há.

– Seg 10, no ataque da Juliana que bate no bloco, reparem no movimento reativo da Dani e da Thaís. Ao mesmo tempo que a Bochka abre imediatamente para o ataque tornando-se na única jogadora pronta para atacar.
– Seg 15, a Dani faz um gesto a apontar para quem são as atacantes. Isto foca a equipa e centra toda a gente na jogada seguinte. Ela faz o gesto de 2 atacantes e não 3 porque a Renatinha ainda não estava na pipe.
– Seg 28, numa jogada de recurso, porque houve a defesa em esforço da Dani, reparem que a Jady, apesar da probabilidade da bola lhe ser passada ser baixa, respeita o plano de jogo e salta para a bola. Este gesto prendeu a oponente direta, a Fé Isis, obrigando-a a chegar tarde ao bloco que, por sinal, nos deu o ponto.
– Seg 31, é só para verem o festejo da Vanessa Paquete.

A AJM/FC Porto serviu 32 vezes em cima da Bochka que nunca se escondeu. Neste ponto, apesar do serviço falhado, a intenção nesta fase decisiva era colocar a bola na russa (seg 4).

Depois a Bochka vai para o serviço e opta pela diagonal longa (seg 28), outro exemplo do que falava no vídeo anterior. Como a Bochka causou muitas dificuldades no serviço, a recebedora ficou no chão (seg 31), fora da jogada. Isto implicava que a bola iria para as costas, para a Renatinha, ou para a central. A equipa lê isto na perfeição como podemos ver a Regalado a marcar a central porque a sua oponente ficou no chão. A Aline também ajusta e coloca-se para o bloco à Renatinha (seg 31). A atacante da AJM/FC Porto remata (seg 33) e o nosso bloco está perfeitamente montado. Isto leva a Bochka para a diagonal fora do bloco. Reparem no “buraco” atrás do bloco, isto mostra confiança tática no bloco criado. A Bochka defende muito bem (seg 34) num posicionamento perfeito. A Ju percebe que não chega à bola e bate palmas e grita, pedindo ajuda para o passe (seg 35). A Dani passa em manchete (seg 35) e a Regalado fecha o ponto.

Volta a Bochka ao serviço, optando por uma diagonal mais curta (1:14). A recepção sai perfeita e bola na Renatinha. Ao contrário do ponto anterior, seria difícil um bloco perfeito porque a Aline teria de estar atenta à jogadora central da AJM/FC Porto. Como o bloco não estava bem montado e pelo corpo da oponente, a Bochka não foi para o mesmo local de defesa da jogada anterior, fica mais dentro de campo e no centro (1:15). Por esta leitura perfeita, antecipa um amorti e defende a bola. A Ju percebe que não chega à bola e bate palmas e gritando, pedindo ajuda para o passe (1:18)

Por fim, a bola vai fácil para o campo da AJM/FC Porto. A distribuidora mantém a jogada, mas a Aline lê o passe e junta o bloco com a Thaís que, brilhantemente, se opõe ao 58º ataque da Renatinha. Sim, esta craque atacou 58 vezes no jogo com 33% de eficácia. Belo jogo desta histórica jogadora brasileira da AJM/FC Porto.

Há mais só nesta jogada? Sim há.

Seg 39, pela primeira vez na história do desporto mundial uma russa berra
1:25, pela primeira vez na história do desporto mundial uma russa berra e faz uma pirueta.
Seg 38, o treinador do Sporting CP remata uma bola imaginária ao ângulo da baliza e faz GOLO, tal como a Regalado fez ponto.
1:18, o treinador do Sporting CP tenta puxar o cântico “ohhhh sou verde e branco de coração…”, mas ninguém acompanha
1:25, Daniela Loureiro farta-se de ser filmada e foge do plano da câmara. Todos pensam que finalmente ela vai parar de ser omnipresente na defesa, mas afinal o jogo tinha terminado.

Uma por uma:

Vanessa Paquete
Fez um jogo estrondoso e dá gosto ver a Paquete deste ano. Quebrou fisicamente, mas isso belisca em nada a sua performance.

Daniana e Amanda Cavalcanti
Ambas entraram para reforçar o serviço. É sempre uma substituição que mexe com o jogo no sentido em que dificultaram a receção adversária.

Thaís Bruzza
Imaculada no primeiro toque e com um esforço imenso para ajudar a equipa no ataque. Fez dois blocos decisivos que nos levaram ao sucesso.

Ju Carrijo
Que jogo estrondoso na nossa distribuidora. Sempre bem na leitura do jogo e nas decisões. MELHOR DISTRIBUIDORA EM PORTUGAL.

Regalado
Também ela decisiva quando entrou para o lugar de uma Paquete exausta. É um luxo ter duas opostas assim.

Jady Gerotto
O jogo correu-lhe bem e foi sempre em crescendo de qualidade.

Aline Timm
Está a melhorar bastante em relação aos últimos jogos. O ataque está próximo daquilo que nos habituou e no bloco vai-se aproximando. Chegará em grande forma à fase decisiva da época. Ainda assim foi tendo muitos momentos bons, como se vê no último ponto do jogo. O bloco não é dela, no entanto tem um papel decisivo.

Daniela Loureiro
A sua liderança em campo está espelhada na nossa vitória da melhor libero portuguesa (e em Portugal). Há uma bola da Dani que considero a bola do jogo. No final do primeiro set, no parcial 11-24, estava a AJM/FC Porto no serviço. O set estava mais que perdido e estava no serviço a Vilvert que colocou a bola na Dani. Imagino que farta daquele momento, eu vi um: “estou farta desta merda. Este set é vosso.” Depois chamou toda a equipa e, na minha cabeça disse: “Junta gente. Acabou este set. Começa de novo e vamos ganhar isto”.

 

Bochka
Mostrou que é uma solução no plantel válida. Para mim, foi a jogadora do jogo pela pressão que estava sujeita e pela resposta que deu. Houve quem jogasse melhor, mas aqui estava um ponto crítico de sucesso. Belíssimo jogo no bloco, recepção e defesa.

Rui Costa
O treinador que faz quilómetros em cada jogo foi um leão tático. Espero que o Sporting CP nos/lhe dê a zona 4 que precisamos para nos tornarmos INEQUIVOCAMENTE um grande candidato ao título. Precisamos de uma solução de ataque diferente da Thaís e da Bochka. Na flash interview, o treinador falou em amor. Em duas linhas de culturalidade, conto-vos para onde me transportou. A palavra amor, em português, pode ser traduzida em grego em 3 palavras: ágape, eros e philos. Agape é o amor de Deus (uma ligação religiosa), eros é o amor relacionado com o romantismo entre duas pessoas e o philos é o amor que temos por amigos e família. Não sei se há alguma raiz católica nas palavras do Rui Costa, no entanto, eu vejo muito nestas declarações. Talvez em grego tudo tivesse feito (ainda) mais sentido.

 

*quando vê uma aberta no meio campo adversário, o Adrien S. puxa a bola bem alto e prega-lhe uma sapatada para ponto directo.