A decisão de uma administração em aumentar-se carece de uma deliberação em sede de Assembleia Geral de acionistas. Quando a maioria dos acionistas que decide é administrada pelos mesmos administradores que serão aumentados e decidem através da sociedade-mãe se são ou não aumentados, sem ouvir em sede própria os “acionistas” da sociedade mãe, estamos na presença de um agency problem.

O mundo sportinguista abalou com a eliminação europeia na passada 5ª feira e desabou com a proposta da SAD em aumentar-se em 32%. Depois de uma época sofrível a nível interno e onde não se atingirá a pré-eliminatória que permitiria o possível acesso à Champions, a SAD leonina terá de lidar com menos 30 milhões de euros em receitas para 23/24 (50% das receitas de 22/23) e com a certeza que terá que vencer o Campeonato para entrar na Champions diretamente em 24/25. O custo de oportunidade de vender jogadores nucleares, abaixo da cláusula de rescisão, em cima do fecho de mercado destruindo todo o planeamento desportivo, já ascende a mais de 80 milhões de euros.

Merecerá uma Administração ser aumentada em 32% depois de tudo isto?

Tal como no livro de Taleb, os stakeholders do Sporting têm razão para se sentirem como perus que foram sendo alimentados todos os dias, com a convicção de que o seu “dono” cuidaria sempre dos seus melhores interesses. Na passada 6ª feira, para os referidos stakeholders, foi dia de véspera de Natal.

  • O que dirão os fornecedores (credores em mais de 66 milhões de euros) da SAD, que financiam indiretamente o clube com prazos de pagamento dilatados, desta decisão?
  • O que dirão os adeptos, com cada vez mais dificuldades económicas em adquirirem bilhetes, desta decisão? É esta a melhor prática de uma gestão alinhada com a sustentabilidade financeira e responsabilidade corporativa?
  • O que dirão os bancos financiadores da SAD (sobretudo aqueles que perdoaram dívida e foram resgatados com o esforço de todos os contribuintes) desta política de moral hazard. Qual a capacidade negocial desta sociedade para renegociar qualquer dívida no futuro?
  • O que dirão os obrigacionistas que em 2021 emprestaram 30 milhões à taxa de 5,25% e que na sequência de uma péssima gestão desportiva se coloca em causa a capacidade de reembolsar a emissão.
  • O que dirão os que, através de operações de factoring, adiantam receitas dos contratos de televisão à SAD?

Perante a ameaça de incumprimento e com a administração a aumentar-se a si própria, o sinal que é transmitido a todos os stakeholders é de maior risco e maior risco significa que, no presente, o retorno que qualquer contraparte irá exigir será substancialmente maior. O Sporting sentirá de forma cruel o acréscimo dos chamados financial distress costs.

À Administração do Sporting Clube de Portugal apenas resta uma saída para pacificar a relação com os seus sócios e evitar os eventuais efeitos cíveis e penais da decisão que está prestes a tomar. A convocação de uma assembleia geral extraordinária do clube para deliberar de que forma a SAD irá votar aquele ponto na Assembleia geral da SAD. Ainda que os estatutos a tal não o obriguem, é assim que sociedades sustentáveis se comportam, quando os interesses dos seus acionistas não estão alinhados com os dos seus administradores.

Quanto aos riscos financeiros pouco há a fazer neste momento. A administração do Sporting eleita na sequência de um evento altamente improvável (o ataque à academia de Alcochete), veio confirmar a teoria do Cisne Negro e transformou-se ela própria num evento adverso, aleatório e cujas consequências são imprevisíveis.

 

Artigo escrito por António José Duarte in O Jornal Económico