Olá, Rúben Filipe Amorim.
Eu sei que raramente o pessoal se lembra do teu segundo nome, mas esta cena de partilhar a mesa da esplanada da faculdade do Sporting faz com que nos lembremos de pormenores curiosos.

Por exemplo, dei conta que este é o primeiro post que te dedico, apesar de ter pensado em escrever sobre ti pelo menos o número de vezes que correspondem aos dedos de uma mão. E, digo-to também, provavelmente não o farei tão cedo, porque se há coisa que me irrita é que me repitam coisas, e vou tentar dizer-te aqui tudo o que penso que vale a pena escrever.

Ainda te lembro do dia em que chegaste. Os reitores da faculdade, desesperados por tanta merda fazerem, resolveram jogar à roleta russa. “E se corre bem?”, perguntaste tu, com aquele sorriso a que me habituei, enquanto escondias os nervos causados pelo peso de dez milhões de euros que o Braga exigiu para te deixar vir para Alvalade. A pistola estava apontada à cabeça, tanto dos reitores como à tua, com adeptos fartos de exemplos de incompetência por parte de quem fanfarronava que o “futebol é fácil, fácil”, fartos de momentos de amadorismo como aquele que fez que fosse o teu antecessor a anunciar-te como novo treinador do meu Sporting.

Ali estavas tu, com cerca de dois anos de banco, primeiro no Casa Pia, depois no Braga, onde chegaste para treinar a equipa B depois de recusares os sub23 do Benfica, aceitando agarrar o comando da equipa principal dos arsenalistas quando Sá Pinto foi despedido. Ganhaste ao FCPorto duas vezes, uma na final da Taça da Liga, ganhaste na Luz, ganhaste duas vezes ao Sporting. Eras o treinador da moda.

Foi assim que chegaste, quando estávamos em quarto lugar, lugar onde acabaríamos por ficar no final dessa Liga 19/20, depois de meio campeonato onde foste lançando a base para o teu adorado 3-4-3 e onde aproveitaste para ir lançando alguns putos na equipa principal.

A “limpeza de balneário” foi feita no defeso, com as saídas de Renan, Rosier, Ilori, Battaglia, Doumbia, Eduardo e Rafael Camacho. Ristovski, Acuña, Wendel e Vietto também saíram, Mathieu terminou a carreira, abrindo caminho às chegadas de Adan, Feddal, Porro, Antunes, Tabata, João Mário, Nuno Santos e Pedro Gonçalves, além de teres promovido o regresso de Palhinha (que os iluminados tinham colocado a treinar no pinhal), de Daniel Bragança, e de teres tornado aposta concreta os jovens Gonçalo Inácio, Nuno Mendes, Matheus Nunes e Tiago Tomás.

O reset estava em marcha, mas o reiniciar foi doloroso: cinco batatas em casa, frente ao Lask, e corridos para fora das competições europeias enquanto o mundo assistia em modo Covid e reforçava a ideia de que o Sporting era carta fora do baralho no que toca à discussão do título, num ano onde até havia quem garantisse que ia “arrasar”.

Sem grande alarido e com base no pragmatismo, lá chegámos ao primeiro lugar, mesmo com a pouca vergonha de arbitragem que foi a recepção ao FCP e a ida a Famalicão, jogo no final do qual nasceu o grito que nos uniu: “Aqui, no Sporting, onde vai um, vão todos!”, lançaste tu a tentar conter a fúria. Nesse momento, foi como se erguêssemos todos os copos e cantássemos bem alto, “se o Amorim quer ser cá da malta, tem que beber este copo até ao fim!”. E tu bebeste.

A partir desse momento, com o caminho iluminados por tochas de adeptos que não podiam ocupar os lugares nas bancadas interditas pela pandemia, as tuas palavras eram as nossas palavras, os carrinhos do Palhinha eram os nossos carrinhos, os sorrisos dos putos eram os nossos sorrisos, os golos salvadores do Coates eram resultado de uma inexplicável fé da qual nenhum de nós abdicava. Fomos campeões!

Veio a época seguinte, foi-se o Nuno Mendes e chegou o craque Sarabia, acompanhado por Ugarte, Esgaio e Vinagre, além do Virgínia para fazer número face à saída do Max. A conquista da Supertaça deixou os adeptos a sonhar com a conquista do bi, mas tivemos que contentar-nos com o segundo lugar e novo apuramento para a Champions, depois de termos passado um grupo onde deixámos o Dortmund pelo caminho e termos sido goleados pelo Man City nos oitavos. Pelo meio, nova Taça da Liga e eliminação nas meias das Taça de Portugal, numa época onde janeiro assinalou a saída de Jovane e de Tiago Tomás, para a chegada de Edwards e de Slimani.

O regresso do argelino, muito saudado pelos adeptos, acabou por revelar-se a “primeira mancha” na relação verde fofo que tinha contigo. Depressa se viu a importância de alguém que fizesse estragos na área, depressa tu e ele entraram em ruptura, sendo péssima a forma como ambos geriram a situação, com vários recadinhos via comunicação social e redes sociais. A verdade é que ficava a ideia de uma protecção a Paulinho, um avançado que, afinal, não precisava marcar golos para ser indispensável à equipa.

Esta teimosia ganhou novos contornos na época passada, onde os sinais de estagnação do modelo táctico foram ampliados e onde não conseguimos conquistar o que quer que fosse, muito por culpa dessa inoperância na hora de meter a bola na baliza. A defesa cega de Paulinho e de Esgaio, numa teimosia que te levou inclusivamente a acusar os adeptos de terem menos tolerância para eles os dois (Rúben, Rúben, onde já estaria o Paulinho se fosse um miúdo da formação…), fez-te perder o foco, já de si afectado pela merda feita pela direcção: vender Palhinha e Matheus Nunes no mesmo mercado em que também perdemos Sarabia, com o extra de Daniel Bragança se ter lesionado gravemente. Chegaram Morita, St Juste e Trincão, mais Fatawu, Rochinha e os remendos Sotiris e Arthur.

Num ano atípico, com o Mundial a ser jogado antes do Natal, pode dizer-se que pelo São Martinho já tínhamos perdido as esperanças no Campeonato, isto depois de um Halloween onde fomos eliminados da Taça de Portugal pelo Varzim… Em Janeiro chegou a aposta de futuro, Diomande, mas ainda perdemos Pedro Porro, o mais influente jogador da equipa nessa altura, tornando ainda mais penosa uma época onde os momentos altos foram os jogos feitos em Londres, eliminado o Arsenal, e em Turim, pese a derrota com a Juventus (ambos em jogos já a contar para a Liga Europa, depois de termos ficado milagrosamente em terceiro no grupo da Champions).

Ao longo de toda a época, terminavas os jogos e parecias saber, sempre, o que tinha corrido mal e o que era preciso corrigir, mas a verdade é que, na semana seguinte, o filme repetia-se. Fora de campo, as conferências de imprensa, momentos em que nos lembravas que querias ser cá da malta, tornaram-se cada vez menos brilhantes, primeiro pelo desencanto de terem vendido jogadores com quem contavas, depois pela irritação de veres questionada a tua teimosia no que toca à táctica e à gestão do plantel. Confesso que, a determinado momento, preferi deixar de ouvir-te antes e depois dos jogos, por não querer a alimentar a saturação que tudo me causava. A isso se juntou a quase ausência de aposta em miúdos, quando muitos dos contratados mostravam não ser opção para o que quer que fosse.

Resumidamente, Rúben, ao contrário do que faria sentido, depois de termos sido campeões, a curva foi sendo feita em sentido descendente, ao invés de trabalharmos para alimentar o crescimento que se pedia, e se, em parte a culpa foi de quem dirige, tu não és alheio a muito do que correu mal, e está na altura de nos mostrares que sabes aprender com os erros e que és capaz de mudar algumas das bases que tens como intocáveis (até o Guardiola se adapta, porra, e tu andaste três anos a achar que o ponta de lança alternativo é o Coates).

A contratação de Gyokeres é um óptimo indício, a possível chegada de Hjulmand e de Zanoli seriam a confirmação de que existe vontade de tratar as feridas que todos os adversários já conhecem e que foram deixadas abertas demasiado tempo (se o rumor Iván Jaime fosse real, era caso para pingar a cueca). Se for essa a base e se os miúdos Essugo, Rodrigo Ribeiro, Eduardo Quaresma, João Muniz, Afonso Moreira e Geny Catamo forem as reais apostas que completam o plantel, então voltamos a alinhar os chakras.

Se me perguntares se é isso que eu quero, sim, é!

Quero voltar a ter vontade de ouvir-te antes e depois dos jogos, sem que tenhas a mania que podes falar sobre tudo e mais alguma coisa (eu sei, eu sei que ninguém dá a cara e tu acabas por ser director de comunicação e até porta voz da área financeira).
Quero ver-te a saber preparar os jogos com pequenas nuances tácticas, quero ver-te a saber ler o que se passa em campo, quero ouvir-te a falar dos jogadores como um todo e aplicando justiça à gestão do plantel, tal como aconteceu no ano em que fomos campeões e em grande parte do ano seguinte, quero voltar a acreditar que és melhor treinador que todos os outros que nos estão mais próximos e que és capaz de nos dar crença seja qual for o adversário.
Quero voltar a sentir que, numa estrutura para o futebol na qual não acredito, és uma espécie de farol, e não um gajo teimoso e prepotente, como se ter sido o ás de trunfo na reeleição da direcção te tivesse mudado e passasses, também tu, a ser parte do problema (com o extra de seres extremamente inteligente na forma como comunicas, o que impede que muitos adeptos aceitem que isso possa acontecer).

Que tu gostas de estar no Sporting e que desejas, muito, voltar a conquistar troféus, não duvido. O que preciso, é que voltes a mostrar-me que és o lampião que quis ser cá da malta. Brindamos a isso, Rúben Filipe?