Num belíssimo jogo de futebol, marcado por um momento Edwardona, o Sporting teve que ser uma verdadeira equipa para ultrapassar um Estrela com a lição bem estudada. A uma semana do dérbi, os Leões garantem a liderança isolada, com o extra de terem voltado a unir as bancadas de Alvalade numa crença comum

Às vezes, umas quantas, perguntam-te porque raio é que gostas de futebol, ainda por cima quando a modalidade assenta numa teia tão conspurcada de interesses e compadrios? Ora, o Sporting vs Estrela da Amadora poderia encaixar numa resposta a essa pergunta.

Mesmo fora de horas, ir a Alvalade com a minha filha é sempre um momento de partilha que vale qualquer resultado. Pelo caminho, seguimos atrás de um grupo que carrega uma bandeira onde a cara de Marcus Edwards foi colocada no corpo de Diego Maradona. Impossível não sorrir, impossível não aproveitar para passar de geração em geração o dia em que D10 esteve no velhinho Alvalade.

Entras a cantar “o mundo sabe que” enquanto galgas a escadaria, ocupas o teu lugar e com agrado vês que o Sporting volta a começar o jogo com fome de ganhar. Inácio ficou no banco, para prevenir o amarelo que o deixaria fora do dérbi, Matheus Reis é o substituto. Bragança faz do lesionado Morita, ao lado de Hjulmand, Nuno Santos regressa à titularidade na ala canhota, Pote e Edwards fazem companhia a Gyokeres lá na frente.

Foi precisamente o inglês o primeiro a colocar à prova o experiente António Filipe, com um remate cruzado. O Estrela vinha com as linhas baixas, chegando a posicionar-se num 5×5 no seu meio campo, em processo defensivo, cortando espaços e exigindo paciência aos Leões. O Sporting, ia rodando a bola de pé para pé, entre os centrais, muitas vezes com Hjulmand a baixar para tentar libertar um dos alas, sempre com objectivo de atrair o adversário e desmontar linhas.

Daniel Bragança entra na área e cai. Siga!, diz toda a turma do apito, e bem, ajudando a reforçar a vergonha que foi o penálti marcado a favor do Benfica, em Chaves, no dia anterior. Enquanto as bancadas esperam sinal de vida do VAR, Hjulmand entra na área pela direita e perde-se na indecisão entre rematar ou cruzar, com Gyokeres a ficar fodido da vida em sueco.

Depois, Pote. Uma e outra vez, primeiro ao lado, depois à malha lateral, antes de Leo Jaba se isolar e marcar já depois de assinalado o fora de jogo. Era o primeiro sinal do Estrela naquela que seria a sua estratégia: ganhar as costas da defesa do Sporting. Acontece que, logo a seguir, Gyokeres fez toda a gente ignorar o sinal: bola na besta nórdica, ganha a linha, ameaça que vai mas não vai, roda, levanta a cabeça e toma lá redondinha para a entrada da área, onde está a aparecer sozinho o Daniel Bragança. O 23 não tem medo de ser feliz e com tanto açúcar dispara de primeira, com a bola a encontrar paz no aconchego da rede.

Celebrava-se pela primeira vez em Alvalade, à passagem da meia hora, antes de novo susto, antes de nova bola metida nas costas da nossa defesa, antes de Jaba se isolar novamente e ver Adán fazer-lhe a mancha na perfeição. Segundo aviso, antes de Gyoekres arrastar dois gajos consigo e antes de Edwards ensaiar o típico movimento de fora para dentro, com o remate à croissant do Barbosa acertar em cheio na tola do Miguel Lopes, que assim evitou o que já parecia o 2-0.

No recomeço, uma inesperada cambalhota. O tal do Jabá voltou a ser lançado em velocidade, pela direita, ganhou a linha, e viu o cruzamento ser cortado pela mão de Coates, cujo carrinho chegou a tempo, mas não teve tempo de desviar o braço. Penálti e golo do empate, marcado pelo tal do Jabá, que resolveu armar-se em parvo e tapar os ouvidinhos em direcção à sul.

Daniel Bragança tenta de pé direito, mas passa perto do poste, antes da bola ser novamente colocada nas costas da defesa, entre Coates e Diomande, onde aparece um tal do Kikas a dominar e a disparar de pronto, surpreendendo tudo e todos (bela execução). A 35 minutos do final, sem descontos, o Sporting estava a perder em casa.

Das bancadas, o incómodo transformou-se em palmas e cânticos de apoio. Amorim foi rápido a estancar a ferida, trocando Esgaio, Coates e Matheus Reis por Trincão, St Juste e Inácio, minutos depois de Hjulmand, já na pequena área, ver o redes do Estrela fazer uma defesa à andebol e evitar o empate.

Ao meu lado, uma Leoa de 14 anos desesperava (o Estrela estava bem, jogava bem, mostrava um conjunto de jogadores que aliavam a disponibilidade física à serenidade tática), ao que eu respondia com um “calma que vamos ganhar. Vê-se mesmo que és nova”, pouco antes de Edwardona aparecer em campo. Que jogada, que golo, que festejo da turba! Gyokeres ganha e serve, pouco depois do meio campo; o inglês fica com a bola e à sua frente só vê pessoal vestido de preto. Fuck it!, exclama Marcus, e passa um, passa dois, passa três, parte os rins ao quarto e mete a bola teleguiada ao poste mais distante! A forma como o próprio Edwards festejou, ele que é quase inexpressivo, diz muito do que ali se passou.

It is a fine bit of feeling that you just can’t haveIf you have never felt it, you never felt aliveIt is a juke-joint chain down an older roadA pump-up, giving in, passing along

Quando, na véspera, Amorim deixou claro que é para ganhar e que os jogadores sabem perfeitamente o que ele pensa, deu o mote para uma espécie de “onde vai um vão todos redux”. A resposta não podia ter sido melhor, com o inglês a encher-se de ganas e a levar-nos a todos naquele momento de magia que mandou jantar com o boda todos os imperativos táticos!

Cinco minutos volvidos, novamente Marcus, agora a levantar a cabeça e a meter tão redonda como pode ser uma bola na cabeça do entretanto entrado Paulinho. Ah, o vulcão, no topo da montanha repleta de provações! Que saudades de celebrar um golo com gente que desconheces!

Take a trip up magic mountainSing, whoa-ohLet the feeling free your soulTake a drink, straight from the fountainSing, whoa-oh

Paulinho punha os indicadores na tola, Pote punha os indicadores nos ouvidinhos, dando o troco ao Jabá que entretanto era substituído e preparando o que por aí vinha: um remate em arco, ao ângulo mais distante, para uma enorme defesa do Tó. A primeira, que a seguir deixou os adeptos verde e brancos com o grito de golo a meio, quando tirou em cima da linha a felicidade do Trincão (boa entrada em jogo).

O Estrela estava encostado às cordas, o Sporting tentava o KO com remates de Trincão, de Hjulmand e de Gyokeres, mas a vitória viria mesmo aos pontos, enquanto nas bancadas se ouvia o recuperar do “façam-nos acreditar”.