Nem seria preciso evocar os 100 milhões de euros de cláusula de rescisão para salientar Bruno Fernandes como uma das grandes transferências do defeso no futebol português. O médio de 22 anos, que brilhou no Europeu de sub-21 com a braçadeira de capitão da Seleção Nacional, foi confirmado como reforço do Sporting por 8,5 milhões de euros (mais meio milhão de variáveis), trocando o futebol italiano por um grande de Portugal.

A cobiça dos grandes por este talento maiato começou bem cedo, avança Ricardo Maciel, ex-futebolista e irmão mais velho de Bruno Fernandes. Emigrado em Londres, desde novembro de 2015, este assistente hospitalar começa por recordar ao Maisfutebol a inusitada decisão para que o caçula optasse pelo Boavista em detrimento do FC Porto, quando aos sete anos representava o Infesta:

«Aconteceu num torneio no campo do Inter de Milheirós. O Boavista e o FC Porto iam jogar a seguir e no final do jogo do Bruno um diretor de cada clube foi ter com ele a convidá-lo para ir lá treinar. O problema é que o meu pai não tinha carta de condução e era um transtorno grande levá-lo aos treinos. Ao contrário do FC Porto, o Boavista tinha uma carrinha para ir buscar e levar os miúdos, o que facilitava bastante as coisas. Foi por isso que ele acabou por optar pelo Boavista.» Na verdade, o interesse azul e branco voltou a surgir mais tarde, ainda nos escalões jovens, tal como o do Benfica e do Sporting, e bem mais recentemente, na época passada, voltou a falar-se do FC Porto, «embora não tenha surgido qualquer proposta concreta».

Bruno Fernandes jogou no Boavista dos 7 aos 17 anos e no primeiro ano de cada escalão representou o Pasteleira, que tinha um protocolo com os axadrezados para a formação. Rémulo Marques, vice-presidente deste clube portuense, acompanhou Bruno Fernandes dos sub-17 aos sub-19, quando era diretor desportivo do Boavista, que militava na II Divisão, e lembra-se de «um miúdo irreverente, com uma qualidade técnica incrível»:

«Num ano “explodiu” o André Gomes no Boavista, no ano seguinte foi a vez do Bruno Fernandes. Curiosamente, no Pasteleira não há muita gente que se lembre do André Gomes, mas todos se recordam do Bruno Fernandes, aquele miúdo franzino, que fintava o mundo inteiro, a quem só faltava finalizar para ser um fora de série. No Boavista, lembro-me de um jogador talentoso e cheio de garra, um líder em campo…»

brunofernandes

Maciel recua um pouco mais para corroborar a versão do ex-dirigente do Boavista e agora responsável do Pasteleira. Mais propriamente ao rinque improvisado no meio dos três prédios do empreendimento Coopermaia, em Gueifães (na Maia), onde o rapaz, fã de Ronaldinho Gaúcho, jogava com o irmão e com os amigos, cinco anos mais velhos: «Ele era um miúdo diferente, porque além do talento tinha atitude e queria mostrar que podia jogar connosco.»

Os treinadores também gostavam da personalidade… e da polivalência de Bruno Fernandes, que não raras vezes foi adaptado à defesa: «Muitas vezes o treinador recuava-o para defesa-central. Ele ficava tolo… Apesar de ele detestar, eu gostava de o ver jogar ali também. Era daqueles centrais que não batia logo a bola, que saía a jogar… Tinha capacidade de ler o jogo e não tinha medo de meter o pé. Parecia um líbero.»

Bruno, que foi campeão de infantis logo no primeiro ano no Boavista, tornou-se numa pérola do Bessa. Uma curiosidade: em vésperas de dérbi, ele dormia mal. «Dormíamos no mesmo quarto e na véspera de jogos, sobretudo contra o FC Porto, ele sonhava: «Passa!», «Chuta!». Era a noite toda nisto.»

Isto foi bem antes de rumar a Itália. A aventura transalpina começou no segundo ano de júnior, através de uma proposta de dirigentes do Novara, que vieram a Portugal a convite de Miguel Pinho, agente do jogador. Seguiu-se uma ascensão impressionante. «Ele foi para a equipa primavera do Novara (sub-21) e ao fim de três meses já era titular na equipa principal, que era das melhoras da Série B. Ainda era júnior e já era titular numa equipa que lutava para subir! No final da época, a Udinese contratou-o, com 18 anos. Em apenas um ano ele chegou à Série A.»

«Talento, raça, força de vontade.» Tudo isso entra no discurso que define Bruno Fernandes, que «sabia o que queria em campo». Foi esta a fórmula do sucesso para o médio português, que passou pela Udinese e pela Sampdória até regressar agora ao futebol português. «As hipóteses de ir para um grande de Itália eram grandes. Para voltar a Portugal, teria de ser para representar um dos três grandes. O Sporting antecipou-se. Agora terá mais olhos sobre o seu desempenho e, acredito, mais oportunidades de ser chamado à Seleção principal. É uma questão de tempo até ele lá chegar.»

Palavra de quem conhece o talento do miúdo raçudo desde os tempos em que ele queria brilhar entre os mais velhos com a bola nos pés no rinque improvisado à porta de casa.

artigo publicado in MaisFutebol