Já brilhavam fiapos de sol sobre as montanhas de Tian Shan, nos contrafortes de Almaty, e era possível ver-se o branco espelhado da neve a caminho do céu quando o avião que nos trouxe do Cazaquistão até Istambul se ergueu, preguiçoso, na manhã de um novo dia. Um novo dia, talvez também uma nova vida para Nuno Dias, o treinador que tem teimado em construir um Sporting europeu no futsal e que viu, na noite de domingo, cumprido o seu sonho, ou até talvez mais do que isso, o seu desígnio. Combinada a conversa, foi já na Turquia que pudemos sentar-nos um pouco a falar deste momento único na sua vida. E no qual o vimos assolado por uma emoção que muitos lhe não conheciam.

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Vemo-lo no banco, a correr um jogo inteiro, quase como qualquer um dos seus jogadores… Não me diga que também vive assim a correr no dia a dia…
Já estou mais calmo.

A sério?
Sim, sim. Muito mais calmo. Já fui bem pior e acho que, de há uns tempos para cá, consegui melhorar esse lado. Tinha de o fazer. Os jogadores sabem que eu confio neles, sabem o que têm de fazer em campo, não precisam de uma intervenção tão direta da minha parte.

De uma buzina?
Isso. O trabalho é feito durante a semana. Depois, no jogo, é uma questão de ajustar um ou outro pormenor. Tentar não estragar o que estão a fazer bem. Já vivi mais os jogos. No sentido de intervir, é claro! Vivo-os de forma igual em termos emocionais, mas tenho a certeza de que tenho de intervir cada vez menos no decorrer das partidas.

No fim, a sua reação foi emotivamente muito forte. Vimo-lo chorar. Que sentiu naquele momento?
A emoção foi muito forte. Era algo que todos nós perseguíamos há muito tempo. De repente, descarreguei toda a alegria, toda a satisfação de um sonho cumprido, tantos e tantos sentimentos misturados que estavam dentro de mim. Gratidão também. Gratidão para com todos os que tornaram possíveis estes resultados. De orgulho! De orgulho pelo que vi ser feito pela equipa que tenho o prazer, ou melhor, o privilégio de liderar. Sobretudo felicidade! Felicidade por termos finalmente conseguido aquilo que tanto desejámos.

O que vai mudar este título na sua carreira?
Não vai mudar nada! Mudar o quê? Fui apenas uma das peças que ajudaram o Sporting mas, na minha forma de estar, na minha forma de trabalhar, irei continuar a ser exatamente o mesmo. Não é por ser campeão da Europa de clubes que vai mudar seja o que for. Ninguém faz nada sozinho.

Abrem-se portas lá fora, no estrangeiro, por exemplo…
As portas já estavam abertas. Não fomos campeões da Europa por acaso. O ano passado fomos vice-campeões. E há dois anos também. O Sporting é tricampeão nacional. Por isso, se quer que lhe diga, as portas já estão mais do que abertas. E eu estou bem onde estou. Não quero estrangeiro nenhum!

A sério? Não é algo que o atraia?
Não, não. Sinceramente. Estou no melhor. Para que hei de mudar?

«SE CALHAR É MESMO ISSO: NÃO TENHO MAIS PACIÊNCIA PARA LER TANTA ESTUPIDEZ ESCRITA POR TANTOS IMBECIS NAS REDES SOCIAIS. MAS ATÉ POR ISSO ESTA VITÓRIA FOI MUITO, MUITO IMPORTANTE»

E que pode alterar este título na vida do Sporting?
Pode ser que mude em relação a algumas pessoas… Tenho a certeza que mudará, decerto, algo na mentalidade de muita gente que critica constantemente esta equipa. Infelizmente, vamos lendo coisas absurdas na comunicação social e nas redes sociais. Críticas tão absurdas quanto injustas para com o que esta equipa tem feito, vencendo a Supertaça, a Taça de Portugal, apurando-se com grande qualidade para esta fase final da UEFA Futsal Champions, que apenas perdeu quatro pontos na Liga, curiosamente dois deles que nos afastaram do primeiro lugar num jogo em que tivemos um descarregar de energias, mas mesmo nesse jogo tivemos o caráter para empatar a segundos do fim… Acho que essas pessoas vão finalmente, e de uma vez por todas, ser obrigadas a reconhecer a qualidade desta equipa, que há entre todos nós uma relação grande que nos orgulha e… chegámos a abril. Há ainda muito para evoluir. Estamos num bom momento, demonstrámo-lo de forma convincente e, mesmo assim, mesmo nos momentos das vitórias, houve pessoas a tentar destruir o que estava a ser feito. E isso provoca-me uma tristeza profunda. Há coisas que se publicam nas redes sociais, que me vão fazendo chegar…

Ainda tem paciência para isso?
Não. Não tenho, de facto. Se calhar é mesmo isso: não tenho mais paciência para ler tanta estupidez escrita por tantos imbecis. Mas até por isso esta vitória foi muito, muito importante. Ou melhor, deixemos a importância deste título para aqueles que gostam de nós. Os que não gostam, não me interessam para nada! A atitude deve ser esta.

O treinador do Kairat, o Kaká, disse-me na véspera da final que este é o melhor Sporting que viu nos últimos cinco anos. Está de acordo?
Bem…

Em termos de resultados, o diagnóstico bate certo.
Em termos deste resultado, bate certo. Já nos números que apresentámos na Liga, não. Acho que é um Sporting diferente. E a forma como preparámos esta competição também foi diferente. Tínhamos de fazer alguma coisa para não voltarmos a sair dela derrotados. Essa mudança resultou. E uma coisa é certa: esta equipa, com todas as alterações que teve, vai ficar para a história do clube, a história do futsal português e a história do futsal europeu.

Segue-se a fase final da Liga. Este título traz acréscimo de responsabilidade?
Não pode. A responsabilidade para quem trabalha no Sporting tem de ser sempre a mesma. Ela sempre cá esteve. Somos tricampeões e queremos ser tetra. E é dessa forma que vamos encarar os play-offs. Mas sabemos que vamos ter agora uns dias em que o foco não vai ser esse. Os níveis de concentração vão ser outros. É normal e inevitável. O nosso papel como equipa técnica será o de assumir que é algo natural e que vamos passar por esse momento. É a melhor forma de contrariar a situação. Até porque sábado já temos jogo com a Quinta dos Lombos, a equipa que nos tirou os pontos de que falei há pouco.

Mas também aproveitar os festejos…
Sim. E eu tenho esse defeito. Festejo de menos os momentos das vitórias. Se calhar preciso de pensar de outra forma e aproveitá-las melhor. Não ficar logo a pensar no trabalho a seguir. Entrar logo nos novos focos sem olhar para trás. Talvez também mereça e também precise. E precisam certamente aqueles que me rodeiam e a minha família, que precisa também desses momentos da minha parte. Devo-lhes isso.

Sendo um jovem como é, até onde vai essa ambição?
Ah! Ah! Para já, a ambição é ser tetracampeão, algo que o Sporting nunca foi. Depois, o futuro se verá. Arranjaremos outros objetivos!

Entrevista sacada do jornal i