Aos olhos do voleibol, como podemos ler e interpretar este orçamento do Sporting? É uma pergunta difícil de responder pela falta de dados, mas podemos tentar. Tenho dito por diversas vezes que a forma como está organizada a formação no voleibol do Sporting é um dos pilares para o sucesso. No entanto, não é o único. Hoje trago mais um dos pontos que considero mais importantes e está espelhado neste orçamento: Receita.

O Francisco Salgado Zenha referiu essa rubrica no último jornal do Sporting e achei uma ótima desculpa para o post desta semana.

Importa, em primeiro lugar, recordar os dados que sustentarão esta análise.

• Segundo o relatório de gestão, a junho de 2018, no voleibol as receitas de bilheteira (Bilhetes, Gameboxes e Business Seats Pavilhão João Rocha) e de sponsors fazem um total de 80 000€;
• Dos 80 000€ gerados pelo voleibol, as receitas de bilheteira correspondiam a 72% (57 600€) e de sponsors a 28% (22 400€);
• O orçamento 19/20 total das modalidades aponta para um valor de 2 772 439€ em publicidade e patrocínios, correspondendo a um aumento de 17% face à época 18/19;
• Destes 2 772 439€ temos que 54% correspondem a Comuns SCP (1 507 382€), 13% do futsal (365 116€), 8,4% de Hóquei (232 747€), 7% de Relações Institucionais (195 180€), 6% de Andebol (164 566), 3% de Atletismo (84 895€), 3% de Voleibol (70 318€);
• O orçamento das modalidades refere uma receita total de bilheteira de 647 177€ que se desdobram em 530 000€ em bilheteira, 90 000€ em Gamebox e 27 177€ Camarotes e Business.

Análise:
Olhando para estes números, a primeira palavra que me vem à cabeça é preocupação. Ainda não estamos na fase da época onde analisamos as competências desportivas, havemos de lá chegar. Por agora, observemos o comportamento de gestão comercial, concretamente na rubrica da receita. Sempre com as lentes do voleibol.
Os números só são bons ou maus colocados em perspetiva. Se eu vos disser que vendi a minha casa por 1 000 000 €, todos acharão bom. No entanto, se adicionar a informação de que a casa ao lado, totalmente igual a minha, foi vendida por 10 000 000€, todos acharão mau. Então, o número 2 772 439€ respeitante à publicidade e patrocínios é bom ou mau? Em teoria será um bom número, tanto que corresponde a um crescimento de 17%. Nos dados que coloquei acima, estão esmiuçados quase todos os valores, que somados, levam a este número. O voleibol está representado por 3% com 70 318€. No último relatório de gestão que andou pela internet, esta rubrica correspondia a 22 400€. Isto equivale a um aumento face a esse período de 214%.

Vamos trazer mais um indicador para cruzarmos com este. O orçamento das modalidades refere uma receita total de bilheteira de 647 177€ que se desdobram em 530 000€ em bilheteira, 90 000€ em Gamebox e 27 177€ Camarotes e Business. No relatório de gestão que tivemos acesso refere que o voleibol, nesta rubrica, representa 57 600€. Vamos respeitar o crescimento e teremos um valor arredondado de 75 000€. Se o relacionarmos com o valor do orçamento teremos uma preponderância do voleibol de 12%, isto é, das receitas de bilheteira, Gamebox e Business, o voleibol tem uma influência de 12%.
Nas rubricas publicidade e patrocínios, o voleibol representa 3%. Na bilheteira, Gamebox, Camarotes e Business, o voleibol coloca-se nos 12%. Outra forma de ler isto é que, internamente, os adeptos valorizam mais a modalidade do que o mercado empresarial. Sabendo que a valorização interna é um dos melhores indicadores comerciais concluímos que estamos perante um bom potencial nesta modalidade.

(Requeria uma análise mais aprofundada também para outras modalidades, mas estamos em valores de patrocínios não muito distantes de 17/18. Precisamente o ano do relatório de gestão. Vemos o voleibol a crescer mais de 200% e temos o Andebol (depois do brilharete da Champions e com este novo treinador) a cair 20% em patrocínios. Fiquei curioso de entender e estudar a estratégia do departamento comercial do Sporting).

voleibol-equipamento

Porque é que o patrocínio devia funcionar melhor?

Começo com uma história. Há uns anos, um senhor venceu a lotaria nos EUA e tinha de escolher o banco onde ia depositar o dinheiro. Os bancos assediavam-no, como é habitual (um dia que sejam ricos vão perceber). Taxas de juro altas em depósitos a prazo, carros, casas. Tudo era oferecido, dizia ele. Então, finalmente, escolheu o banco e usou um critério simples. O senhor era adepto dos Lakers, então escolheu o banco que patrocinava a sua equipa favorita.
O marketing relacional é “a prática que consiste em criar relações bem-sucedidas de longo prazo com parceiros – Clientes, fornecedores, distribuidores – de forma a conquistar e manter a sua preferência no longo prazo e o negócio”. Este está diretamente ligado com níveis de vinculação, identificação, adaptação de alguém a um grupo ou a alguma especificidade. Em resumo, se esta prática de marketing for bem-sucedida criam-se níveis de confiança que levam a comportamentos. Um exemplo clássico é o movimento comercial do Cristiano Ronaldo. Se ele, por exemplo, joga com uma botas novas, os seus seguidores vão imediatamente comprar. O marketing relacional funcionou, os níveis de confiança são altos e isso gera um comportamento de compra. Sucesso.

Qualquer clube, dos grandes, em Portugal tem níveis relacionais altos com os seus adeptos. Infelizmente, parece-me que ainda não se quer trabalhar esta área no Sporting. Hoje em dia, e pelo que percebo, os patrocínios existem mais por “amizade” e “amor ao Sporting” do que propriamente por uma relação de parceria. Estou a excluir desta análise as grandes empresas como CGD, MEO e afins porque estas requerem outro tipo de análise. Neste momento falo apenas das PME, das tantas que fazem parte do nosso tecido empresarial. Pensar numa relação de parceria entre uma PME e o Sporting é pensar bilateralmente. Já não existe a relação patrocinador e patrocinado. Hoje temos parcerias que geram, para os dois, potenciais ganhos.
Qualquer estratégia comercial, por mais simples que seja, responde a 2 perguntas simples:

(1) O que é que a empresa tem para oferecer?
A resposta direta é dinheiro. Claro que é importante, mas é redutor. Se o museu do Benfica resolver dar 10 000 000€ para patrocinar a equipa de voleibol do Sporting, devia ser aceite? É evidente que não. Apesar do valor avultado, este tipo de relação é descabida e não tem um preço.
Quando escolhemos, por exemplo o caso do voleibol, a Norauto ou os Queijos Santiago para nos patrocinar, estamos à procura que eles nos ofereçam o quê e a quem? Adequar o patrocínio a quem nós somos ou a quem queremos atingir é obrigatório. Esta lógica estratégica pode ser: porque temos 200 meninas na formação e 400 adeptos no PJR a cada jogo dos seniores masculinos. Se cada criança tem um pai e uma mãe, terão um carro, tal como cada adepto. Então a aposta é focar neste público fazendo ativações em jogos e afins. Estou a ser muito simplista, mas poderá ser por aí. Se for só pelo dinheiro, nem ganha o Sporting, nem a Norauto.

(2) O que é que o Sporting tem para oferecer?
Um estudo é indispensável para se perceber quais são as mais valias do Sporting. Seria simples montar uma estratégia comercial para o Sporting. O nosso clube não vale apenas como modalidade de voleibol, mas como uma marca internacional. Não será um Sporting todo para todos, mas há pontos de venda interessantes a explicar. Há, por isso, que pensar nos nossos pontos fortes relacionando-os com os objetivos que mais influenciam a decisão de uma empresa fechar um contrato de patrocínio. Alguns desses pontos são:
– Aumentar a consciência pública da empresa, do produto ou de ambos;
– Reforçar a percepção pública da empresa;
– Identificar a empresa com segmentos de mercado específicos;
– Gerar benefícios de mídia;
– Criar vantagens sobre os concorrentes;
– Conseguir oportunidades únicas;
– Possibilidade de associação com a marca patrocinada

O objetivo deste post é apenas mostrar a importância do patrocínio para o voleibol. Numa primeira parte do post de uma forma mais analítica, numa segunda parte mais teórica. Apesar de ter abordado tudo de uma forma breve, é um bom ponto de partida para a consciencialização desta rubrica. Demoraria 10 páginas só a esmiuçar a fundo e mais 10 a montar uma estratégia comercial. É verdade que as empresas/clubes olham sempre mais para os custos que para as receitas. Até nós, adeptos, pouco falamos das receitas. É tempo de mudar. E neste tempo de mudança há logo uma pergunta a fazer. Depois de 2 anos sem patrocínio nas camisolas, com a importância do voleibol feminino em Portugal, quase sem concorrência de marca ao nível do voleibol em Lisboa, com uma equipa que irá lutar pelo campeonato nacional, com o Benfica quase a chegar a nosso patamar de divisão (concorrência na captação de receita) e com a formação feminina nas 200 jovens:

Qual será a parceria para o patrocínio nas camisolas das seniores femininas do Sporting Clube de Portugal?

*às terças, o Adrien S. puxa a bola bem alto e prega-lhe uma sapatada para ponto directo (ou, se preferires, é a crónica semanal sobre o nosso Voleibol)