Adrien estava imperial. Cédric corria piscinas como se estivesse possuído, fintando, tabelando e até rematando. William, como é habitual, distribuía passes teleguiados, sempre posicionado de forma irrepreensível. Carrillo, jogador de que nunca fui fã, carregava, mortífero, o futebol no corpo. Aquele tridente do meio-campo sufocava o adversário, retirando-lhe a bola e fazendo-a circular a um ritmo e intensidade alucinantes. Marcelo tinha menos trabalho do que teve contra… o Alba.

Na conferência de imprensa, era ver Leo Jardim a dar 10-0, mostrando que não é só futebol bem jogado que lhe corre no cérebro, é muita inteligência; Paulo Fonseca vestido de formiga, a dizer aquilo que nunca ouvi um treinador do clube da fruta dizer: “um empate em Alvalade não é um mau resultado.” A finalização tramou-nos, é certo. Mas é impossível olhar para o futuro sem ver muito optimismo no horizonte.

Quantas vezes, nesta época, já me transportei para uma solarenga tarde de Maio, corria o ano 2000. O último adversário de uma época que começou atribulada (nem sequer faltou a chicotada psicológica) era o Salgueiros, o tal clube que fixou os preços dos bilhetes nuns obscenos 150 euros, que me impediram de seguir os passos de Acosta, Schmeichel, André Cruz, Duscher e companhia até ao norte. Fiquei-me por Lisboa e pelo velhinho Alvalade, onde os ecrãs gigantes eram pequenos para os leões que os cercavam. Antes do jogo, com uma nervoseira que não me deixou almoçar, agarrei a mão do meu pai. Tinha 15 anos e a vulnerabilidade de uma criança. “Pai, vamos ganhar, não vamos? Não vai ser como na semana passada, em que íamos ser campeões e perdemos com o benfica, no nosso estádio, no momento decisivo, pois não?”

Hoje, as nossas mãos estão 14 anos mais velhas, mas seguram-se com a mesma crença. Talvez maior – porque agora o trabalho está a ser feito com pés e cabeça, por gente nossa, gente que ama o Sporting, gente que luta como um leão para defender o símbolo de todos nós. “Pai, vamos ganhar, não vamos?”
Não o sabemos. Ninguém sabe. Mas hoje este Sporting de alma lavada faz-me acreditar. E embora estejamos ainda a muitas jornadas do dia de todas as decisões, sinto aquele nervosismo de 2000, antes de cada apito inicial. Questiono-me se vamos falhar, como foi verdade durante tanto tempo, ou se vamos mostrar, enfim, de que massa somos feitos e vencer, vencer, vencer!

O nosso Leo diz que o que importa é ganhar jogo a jogo e que não somos candidatos. Os jogadores alinham pela mesma batuta. O presidente diz que não podemos passar da pior época para a melhor – embora lhe pressinta, no seu íntimo, a esperança de um título já esta época. E acrescenta, com lucidez, numa entrevista ao Expresso, que, tendo em conta a opacidade que rege o futebol português, só pode prometer aquilo que controla. Essa “opacidade”, pintada de amarelo e preto, faz o servicinho sempre que é necessário travar o leão.

Mas eu continuo a acreditar. E confesso que me começa a ser difícil gerir o coração. Vejo-nos no Marquês. Vejo o presidente a chorar de alegria agarrado ao símbolo. Vejo o Adrien, o William, o Martins, o Capel, o Patrício, o Cédric campeões. Vejo-os a fazer juras nas redes sociais. Vejo mares de gente a fechar as artérias do país e do mundo, naquele que será só o primeiro dia e o primeiro momento de uma festa que se prolongará como se de uma celebração cigana se tratasse. Vejo o nosso Leo a quebrar o gelo de que parece ser feito e a festejar, eufórico, entre nós. Vejo-nos a gritar, a plenos pulmões, “o campeão voltou!”. Vejo esse dia e faço um esforço para apelar à razão. “A Champions é o objectivo. Ainda não ganhámos nada.” Mas quanto mais colo os pés ao chão mais a cabeça me foge para o céu… E querem saber de uma coisa, colegas tasqueiros? Que se lixe a razão! Eu quero ser feliz. Eu não quero gerir o coração.

by mbc

* duas cozinheiras, dois temperos. O toque de Leoa, dado pela Maria Ribeiro e pela mbc. Às terças, na Tasca do Cherba.