«Caramba, isto é lá forma da festa começar?!?», terão perguntado os mais desprevenidos, face à enorme assobiadela com que foi brindado o hino da Champions. Mas era, era mesmo assim que os Leões e Leoas espalhados pela bancada mostravam que não haviam esquecido o que tinham feito à sua equipa, há 15 dias, naquele pedacinho de terra da senhora Merkel onde quem manda é que tem mais “gazes”. Faltava perceber se a equipa destes Leões e Leoas, tão maltratada depois da primeira derrota para o campeonato, no fim-de-semana, também estava pronta para retribuir a indelicadeza com que havia sido brindada nessa visita à Alemanha.

Conforme se esperava, o Sporting, que entrava em campo com oito portugueses, sete deles formados na Academia, quis assumir o jogo desde o apito inicial. E, também como era esperado, a equipa do fuínha Matteo chegava a Alvalade com aquela receita nojenta que, imagine-se, já permitiu a esse treinador matreiro vencer uma Liga dos Campeões: onze gajos plantados atrás da linha de meio-campo e a fé depositada em lances de bola parada. O menino Mané era a grande surpresa do lado dos verde e brancos, ontem mais verdes, mas também havia o regresso de Saar ao centro e de Jefferson à esquerda da defesa. E foi, precisamente, do lado esquerdo do ataque que se desperdiçou a primeira situação de golo: depois de fantástico trabalho de João Mário, Nani remata para as nuvens. O médio e o extremo haveriam, mesmo, de ser as figuras do jogo ao longo da primeira parte, o primeiro desbaratando a organização defensiva adversária, mais sobre a direita, o segundo pautando todo o ritmo de jogo com pormenores deliciosos. A secundá-los, e bem, Mané ia fazendo diabruras, mas seria totalmente contra a corrente do jogo que os alemães chegariam à vantagem. Outra vez uma falta escusada – a única coisa realmente parva que Sarr fez ao longo dos 90 minutos, diga-se –, outra vez um centro, outra vez um golo, desta vez um autogolo, com a bola, caprichosa, a bater na cabeça de Slimani e a trair o movimento que Rui Patrício já tinha iniciado.

«Epá, se nós já demos a volta a estes gajos a jogar com um a menos, era o que faltava não voltarmos a fazê-lo!», rugiram, interiormente, milhões de Leões espalhados pelo mundo. Um rugido que chegou aos jogadores e que se traduziu no golo do empate, também ele de livre, com Sarr finalmente a marcar um golo de cabeça. Sorria muito, o gigante Sarr, sorriam muito, os adeptos, e mais podiam ter sorrido se, dois minutos volvidos, a investida de William tivesse tido outro desfecho que não um remate frouxo. Nani ia abrindo o livro e via João Mário à direita. O médio ganha a linha, cruza atrasado e o defesa alemão pára a bola com a mão. Involuntário, sentenciou a girafa amarela encarregue de ficar na linha de fundo. Involuntário, anuíu a girafa amarela principal que, entretanto, num estilo bailarina, ia enervando tudo e todos com uma grosseira falta de critério disciplinar e na marcação de faltas. Entretanto, já para lá dos 35 minutos, os rapazes da companhia do gás conseguem coordenar a sua primeira jogada de ataque e estão perto de marcar. Resposta pronta, com uma jogada de algodão doce: Nani faz a bola viajar da esquerda para a direita, onde Mané e João Mário volta a baralhar a defesa. Toque artístico do primeiro, remate do segundo para defesa do redes. Mãos na cabeça que se transforam em cabelos arrancados quando, à beira do intervalo, Nani contemporiza («este gajo demora tanto a soltar a bola», dizem alguns na bancada) e mete redonda em Mané, o menino diabruras que havia fugido para a esquerda e ficado com a baliza à sua mercê, mas que falha para desespero geral.

No recomeço, a equipa parece ter-se ressentido do intervalo e o ritmo é lento. Jefferson, enervado com o raio do nó que não desatava, inspira-se no compatriota Roberto Carlos – não o das baleias, mas o que jogava com chuteiras dois números abaixo – e tira uma bomba seca e rasteira que explode no fundo das redes. A turma de Alvalade virava e estava a vencer e os rapazes de verde e branco partiam para cerca de 40 minutos de gala (mesmo criando menos oportunidades), jogando à bola e suando a camisola. O claro domínio e a vontade de fazer o terceiro, quase eram traídos em dois lances: primeiro num possível penalti que fica por marcar (sem ver repetições, fico com dúvidas se, a haver falta, é fora ou dentro), depois numa defesa fantástica de Patrício, qual Robin dos Bosques vestido de preto, roubando o jogo aos pés do avançado.

Mané é ovacionado de pé, quando dá o seu lugar a Carrillo. O fuínha coça a cabeça, as girafas amarelas estremecem, perante a chegada da cobra-leão. 35 mil pessoas saltam da cadeira, quando o peruano prega um monumental ferro ao defesa e arranca, cada vez mais rápido, como se a bola fosse conduzida pelo vento. O passe para Nani é retirado da grande enciclopédia para a arte de jogar futebol e o golo do 77 um verdadeiro “na peida” aos salsichas com vodka. Alvalade ao rubro, quase a explodir quando Slimani tenta uma bicicleta. Depois é Carrillo, de cabeça. Cheira a quarto golo, mas são os alemães quem marcam (alguém me diga se o gajo que marca domina, ou não, a bola com a mão), a menos de dois minutos do fim. O Sporting era, então, uma equipa de combate (Cédric foi um perfeito exemplo desse espírito), com Rosell a juntar-se ao inesgotável Adrien e ao William a quem se pede que faça cada vez mais coisas dentro de campo. E seria Rosell, já em tempo de descontos, a lançar uma louca correria de Slimani. Pum, pum, pum, cada passada do argelino deixava Alvalade em suspenso; contemporização, fecha o defesa, fecha o redes, pimba! Golo, golo, golo! Abraços a desconhecidos, trocas de olhares brilhantes com conhecidos, um estádio de pé a entoar cânticos lançados pela Curva. Há quem já não tenha visto nada disto, na pressa de cumprir o ritual de sair dez minutos mais cedo. E era tão bom que todos percebessem que este Leão, cheio de alma e de bom futebol, merece que acreditemos e o apoiemos até ao fim, mesmo quando algo corre menos bem…