O Cherba que me perdoe roubar o conceito, mas vou fazer uso de uma canção para melhor ilustrar o meu tacho desta semana. Em 1997, David Bowie lança o album Earthling. Nele consta uma música chamada “I’m Afraid of Americans” que é todo hino satírico à falência do “american lifestyle” e a uma cultura pop agressiva que pré-anunciava a degradação do neoliberalismo e a materialização da ausência de estrutural moral nos modelos sociais e culturais. Finda esta Gobernísse introdutória, digo-vos eu que mais do que medo dos yankees, tenho medo dos Benfiquistas.

Tenho medo de um clube, talvez o maior em expressão demográfica em Portugal, que é tão incapaz de deter ou questionar os seus líderes, como é incapaz de gerar uma voz, uma única voz, dissonante do aplauso envergonhado e do “faz de conta” épico, uma voz que nos dê a esperança que o Benfica não é só gente cobarde e com falta de escrúpulos.

E perguntam-me vocês “porque é que o que se passa em Carnide” nos deve causar qualquer tipo de perturbação? Porque infelizmente ou felizmente, tudo está ligado, a “aldeia global” é mesmo isto e quer queiramos ou não, o incêndio que arrasa a casa do nosso vizinho, tende a afectar-nos de forma indirecta, mas real.

Ao contrário do que possam pensar, o mais preocupante nem sequer é a dimensão absurda das alegadas práticas de corrupção em rede e de que esse tenha sido o modus operandi ao longo de mais de 10 anos. O que é verdadeiramente assustador é a passividade estrondosamente silenciosa dos sócios encarnados perante o que se anunciam como provas cabais e indesmentíveis de que o clube que apoiam, é (como ignorar isto neste momento?) um antro de bandidos e práticas criminosas. Não consigo imaginar o que sucederia no Sporting se algum dia fossemos “apanhados” desta forma tão absoluta, com este tipo de provas tão incriminatórias, mas gosto de imaginar e até tenho alguma confiança que, não seria possível solidificar toda esta ausência de debate, vazio de contestação, um imenso nada que…me dá medo dos benfiquistas.

Habituamo-nos a olhar para os nossos rivais como pares, não na importância, mas no valor. Essa é a consistência de um rival – alguém ou algo que imaginamos ter aproximada capacidade ou legitimidade para competir connosco. Este zero rotundo que emana do espírito de associação encarnado, esta amorfa aceitação de Vieira & Co resignada a olhar para o relvado e fingindo nada se passar à volta, diminui o clube, reduz a sua identidade, minimiza e ridiculariza a força e autoridade. Esta pacifica resignação a serem liderados por dirigentes que colocam em causa os alicerces dos valores do desporto, desenha todo um estatuto de indigência que contaminará toda a base de suporte daquele clube, corroendo e distorcendo aquilo que une verdadeiramente um ser humano a um conceito imaginário. Por outras palavras, ao não existir barreiras ou separadores que estanquem a corrente “vale tudo”, todos os adeptos por omissão, assinam um pacto e legitimam o prosseguir das práticas que foram empreendidas até ao dia de hoje. Ainda por outras palavras e para que fique bem escrito, o Benfica não conseguirá ser rival de nada ou ninguém, pois concorre noutro patamar, um patamar inferior, rasca e eticamente inaceitável.

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Querem outros emblemas juntar-se-lhes? Quererão outros presidentes “adaptar” ou “adoptar” uma sua versão do polvo encarnado? Desejará algum adepto trocar títulos pela honra e pela dignidade ou pelo mérito? Ganhar significará comprar jogos, comprar árbitros, comprar tudo o que mexe com e no futebol? Em quantas mesas de Direcção e em quantos clubes estará a ser discutida esta problemática? Quantos votarão a favor do crime? Quantos votarão a favor da honestidade? Quantos olharam para as declarações dos responsáveis máximos do poder político em Portugal e não lhes restará a esperança de acreditar que devem alocar verbas para construir equipas e não para construir máfias? Quantos dirigentes não estarão com tanto medo dos benfiquistas, que corram na vertigem de se lhes juntar, trocando o amor ao clube, pelo amor aos troféus.

Num mundo onde já restam poucos valores, pouca decência e pouco respeito pelo “outro”, eu tenho medo de todos os “americanos” que confundam glória com crime. Que baralhem futebol com offshores pessoais. Que não entendam minimamente o que significa o desporto como prática e o que o desporto significa como agregador social. Tenho medo, especialmente da cobardia do Sr. António Costa, do cinismo “de imagem” do Sr. Marcelo Rebelo de Sousa, da corrupção “ideológica” dos partidos políticos e da ausência de independência do poder judicial ou da imprensa. Tenho medo que todos estes pólos de poder tendam a colocar-se ao lado do crime e não da justiça e por fim acabarem de vez com a ilusão dos adeptos ou dos presidentes-adepto de que os injustos serão punidos e os dignos serão premiados.

Enquanto falo com benfiquistas, sobre as toupeira, os e-mails e sobre o que acham dos que comandam o clube que amam, baixam os olhos e repetem-se “…todos fazem a mesma coisa”. Desisto. É assustador que pessoas inteligentes tenham interiorizado uma recusa à auto-crítica e vejam na generalização (que nem sequer é real) a justificação para não fazerem absolutamente nada. Nem sequer pensar. Dá medo, ou não?

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca