Ontem, A Bola publicou uma entrevista com Bruno de Carvalho que, face ao adiamento do dérbi, acabou por perder algum do seu impacto (pese a capa). Ficam aquelas que considero serem as notas mais relevantes de uma conversa que incidiu sobre arbitragem e sobre a investigação ao atraso do fcp, na Taça da Liga, que ainda decorre.

 

«[…] Quando disse a determinado momento que sentia vergonha por pertencer ao mundo do futebol, não o disse de cabeça quente. Aliás, até hoje, nada do que disse ou fiz, foi de cabeça quente. […] Tenho a noção de que o futebol português tem de começar a mudar e começar a atrair outro género de pessoas. Pessoas que venham ao futebol pelo futebol, pelos seus clubes, que cheguem para engrandecer. E está precisamente a acontecer o movimento contrário, os clubes mais endividados, desportivamente mais fracos, e isso viu-se no desempenho da seleção e dos clubes nas competições europeias, nas quais o Sporting nem sequer participou. Isto é tudo evidente e tem que mudar. E mudará quando chegarem pessoas diferentes. Agora, se as pessoas chegarem a este meio e sentirem aquelas coisas que eu abomino, como em terra de cego quem tem olho é rei, ou quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é burro ou não tem arte, enquanto vivermos assim, e as regras permitirem esta realidade, tenho vergonha.»

«[…] senti um enorme orgulho na reunião que foi feita, da forma como foi feita, e alimentou-me a alma em termos de acreditar que o futebol português pode de facto mudar. Para mim foi importante. Quando começo a não gostar de uma coisa… é complicado. E aquilo que acreditei é que, afinal, a maioria dos clubes estão tão fartos quanto eu. Podem não ser tão diretos na frase que utilizam, mas no fundo sentem como eu, mesmo não o dizendo, e que há uma vontade generalizada de mudar. E aí fiquei mais contente por estar nesta guerra, o Sporting não caminha sozinho. Isso é fabuloso para mim»

Disse que o resultado dos jogos deve ser encontrado dentro das quatro linhas. Pergunto diretamente: há jogos ganhos fora das quatro linhas?
[Pausa] Quando há a hipóte – se de haver regras que não são transparentes, claro que pode. Porque o ser humano o que é que faz? Quando surge um vírus novo nos computadores, já há quem tenha o antivírus. E o negócio são os dois lados, o vírus e o antivírus. Tive um exemplo prático no Sporting: o sistema que se montou aqui, durante 20 anos, também com meios poderosos envolvidos, e como é que esse sistema foi combatido e destronado? Com uma mudança de estatutos, democratizando, e com um regulamento eleitoral. No futebol é preciso que as coisas sejam transparentes. Temos de criar condições para, independentemente dos nossos clubes, haja regras claras para cumprir. E no futebol quando nada se sabe, nada se viu, nada se percebe, não se sabe quem nomeia os observadores, porque é que nomeia, não se percebe critérios ou notas, pode até correr-se o risco de criticar uma arbitragem cuja nota é positiva. Já disse isto às entidades. Um árbitro, que esteve mal, pede desculpa, e depois tem 3,3, como apareceu na comunicação social, ou está tudo doido, ou a informação está errada. E depois ninguém diz se é verdade ou não. E a pessoa vai ficando cada vez mais irritada, não compreende nada do que se passa, enfim…

O que é, então, o sistema?
Fizemos um documento sobre isso. É a falta de transparência, é a falta de condições para os árbitros, é a falta de participação dos clubes em questões de arbitragem, é o facto de ter comissões a decidir sobre assuntos sem ouvir os clubes, que nem sequer sabem quem é… Isto é o sistema, é ter forma, porque há regras que não são claras, de criar condições para reinar na confusão. Toda a gente diz que isto está mal há 30 anos, diz que há vícios, pressões, manipulações, problemas… Agora, ninguém quer ser descobridor da pólvora, quer é que as mudanças aconteçam. Gostava de ter o prazer de, daqui a dez anos, sentar-me no café e ouvir as pessoas falar com orgulho no futebol. E a minha ambição.

Sentiu que pode haver alguém disposto a abrir uma guerra contra o Sporting?
Desde miúdo que oiço a história das ondas do mar e do mexilhão. Quando sinto que a vontade da maior parte dos clubes é alterar o futebol português, penso que se alterou a onda e o mexilhão. E quem não perceber que já não está na crista da onda, então vai sofrer como o mexilhão.

[…] É preciso dizer as coisas como elas são porque muitas vezes protegemo-nos da verdade com questiúnculas formais. Neste caso não há qualquer dúvida ou hesitação, o FC Porto pretendeu chegar atrasado para beneficiar de uma vantagem competitiva ilegítima e o que consta do processo é mais do que suficiente para os condenar por terem praticado a infração e com dolo.
Como pode provar-se que o FC Porto agiu dolosamente?
Pode-se e não é nada difícil. Nem é só o Sporting a defendê-lo, a próprio acusação da CII também o defende. Na preparação para o jogo tudo foi feito para as coisas correrem a horas e sem problemas. Logo na reunião preparatória os relógios dos elementos das equipas foram sincronizados com o relógio do árbitro, tal como aconteceu no nosso jogo contra o Penafiel. Logo ali foi enfatizada a importância de todos chegarem a horas para que os jogos começassem em simultâneo, tal como aconteceu no jogo do Sporting.
E depois…
Momentos mais tarde, já na altura de saída dos balneários para o túnel de acesso ao relvado, o FC Porto escolheu não responder ao chamado countdown do árbitro… não foi sequer uma distração, é que nem responderam à chamada do árbitro! Lá acabaram por vir, atrasados, retardando a vistoria dos árbitros que teve de ser mais rápida que o normal, para compensar o tempo perdido. E quando o árbitro principal perguntou ao capitão do FC Porto qual o motivo do atraso, foi-lhe simplesmente dito que se atrasaram, sem nada mais acrescentar, não avançando qualquer motivo, forte ou fraco, para o sucedido. Só agora, quando a Liga instaurou o processo e pediu ao FC Porto para se pronunciar é que vieram dizer que tinham um jogador lesionado a precisar de fazer mais exames. Penso que isto é ofensivo para as pessoas, particularmente para os adeptos de futebol. […] Agora a cereja no topo do bolo, o tal jogador que motivou o atraso, por sentir dores, estar lesionado… estava na ficha de jogo e jogou a titular. Digo e repito, a justificação de que chegaram atrasados por causa da lesão surpresa de um jogador ofende-me bem como a todos os adeptos de futebol.»

Considera que o único prejudicado foi o Sporting?
Não. O primeiro prejudicado foi a Liga, que vê uma das suas competições ser alvo de descredibilização pública. Repare uma coisa, como é que uma competição se pode realizar, criar pergaminhos, se uma das equipas participantes considera, e age, como se lhe aplicassem regras diferentes? Já tivemos há uns anos uma final com outro clube que foi uma tragédia para a arbitragem portuguesa. Por isso das duas, uma: ou o Conselho de Disciplina age de forma convicta, castigando exemplarmente o FC Porto, ou a Taça da Liga perde-se, passa a ser considerada uma competição de reserva, para rodar jogadores. O Sporting já fez saber o que pensa disto, se a Taça da Liga for uma competição séria, o Sporting tem todo o prazer e direito em participar, mas se é para ser enxovalhado, alocará apenas os recursos da equipa sénior necessários, preenchendo o resto da equipa com jogadores da formação. Este verdadeiro assalto à reputação da Liga e da Taça da Liga tem ainda outro efeito colateral, é que tudo o que estamos aqui a falar foi visto e revisto, publicado e republicado, difundido e disseminado pelos órgãos de comunicação. Isso multiplica o efeito devastador desta atitude do FC Porto. Há reações inflamadas, há escárnio, e só há uma maneira de travar esta destruição.