Ao longo desta semana, três momentos foram merecedores da minha atenção: a insistência da comunicação social no relegar de Tobias Figueiredo para o banco de forma a abrir espaço para Ewerton; a convocatória para a selecção e o fantástico exercício criativo segundo o qual aquele rapazinho que quis armar-se em Panenka, um tal de Romário Baldé (wtf?!?), está a ser disputado por Dortmund e Lazio. À primeira vista parecem momentos dispersos, desprovidos de ligação entre si, mas a verdade é que estamos perante mais um episódio de uma longa história recente na qual o alvo é a formação do Sporting Clube de Portugal.

Ainda há dois dias o Leão de Plástico, de forma exemplar, chamava a atenção para a forma como centenas, para não dizer milhares de Sportinguistas têm maltratado a nossa formação. Escreveu ele «Ouvir e ler 2345 vezes por ano, a todo o tipo de bandalho, que a nossa formação está em crise. Que este ou aquele jogador não está preparado, que esta ou aquela equipa não está ao nível dos pergaminhos do clube…tem o seu preço.» E o preço, acrescento eu, é a mensagem de que a nossa formação já deu o que tinha a dar. Que a nossa formação está em crise. Que os melhores rumaram a outras paragens e só ficámos com refugo. Que a nossa formação caminha para um futuro negro onde só daqui a muitos anos voltaremos a produzir craques de inegável valor. E neste cenário pintado a berrantes cores de crise e de caos, o que é que emerge? A nova mina de talentos, imagine-se, localizada no Seixal. Chama-se a isto manipulação, infelizmente uma manipulação fácil, porque se juntarmos ao espírito fraco de alguns adeptos, fustigados por um passado recente, a ideia de que aquele que é o nossa imagem de marca está a resvalar para as mãos do eterno rival… instala-se uma verdadeira depressão.

Ora, este é o primeiro passo, ao qual se segue a promoção de uma segunda ideia: apostamos na formação e dela não retiramos dividendos. Os outros é que sabem formar e negociar. Pouco importa saber que parte dos milhões anunciados em manchete entram realmente nos cofres. Pouco importa saber se esses milhões fazem parte de verdadeiras negociatas. Pouco importa saber se esses milhões vão direitinhos para o pagamento de empréstimos bancários. Aliás, o circo está tão bem montado que pouco importa que essas vendas, perdão, esses pagamentos de empréstimos sejam feitos em agosto e anunciados em dezembro, como só tendo acontecido por estarmos perante propostas irrecusáveis.

Passo três, a promoção. Em duas vertentes: o anúncio de que meia europa anda atrás de jovens jogadores e oferece uma batelada de euros; a utilização da selecção nacional como montra. Acho que todos estaremos lembrados, pelo menos os mais atentos, de uma hilariante chamada de capa onde João Cancelo (não te acanhes se te apetecer perguntar “quem?!?”), então lateral direito do benfica b, era apontado como candidato à titularidade na equipa das quinas. Todos nos lembramos da celeridade com que um tal Ruben Neves foi transformado no novo patrão do meio-campo nacional. Todos nos lembramos da forma vergonhosa como Cédric foi preterido em função de um polivalente que faz merda em qualquer posição onde jogue. Todos continuamos a ver a vergonha que é a não chamada de Adrien. Todos vomitamos ao recordar o ano em que Moutinho não foi ao Mundial, abrindo a porta a que forçasse a sua saída do Sporting.

Passo quatro, o desviar de jogadores. No flashback rápido, temos o Cassamá e o Sambú a fugirem para o fcp, naquilo que prontamente é divulgado como uma forte machadada na formação leonina (o Bruma riu-se). E temos as chamadas notícias bomba, a que eu prefiro chamar contorcionismos jornalísticos, como este praticado pela Renascença: “ex-avançado da formação do Sporting assina pelo benfica”. Quando lemos a notícia… ficamos a saber que quem acaba de ser contratado é Flávio Silva, jovem que se vinha a destacar ao serviço do Torreense no Campeonato Nacional de Seniores! Mas qual é o título que é vendido ao menos atento adepto leonino? “ex-avançado da formação do Sporting assina pelo benfica”. E já que falamos em assinaturas, entramos num plano ainda mais movediço. Tem-se falado muito, da dificuldade em renovar alguns contratos ou de torná-los em contratos profissionais. O que fica encapotado, é que os pais de muitos desses miúdos, na sua grande maioria famílias humildes e a atravessarem dificuldades financeiras, têm tido enviados a tocarem-lhes à campainha e a acenarem-lhes com um cheque pronto a entregar caso os filhos troquem a Academia Sporting por outra não muito distante.

Ora, tudo isto acontece num cenário muito próprio: o fim da mama bancária, nomeadamente do BES, e o vertiginoso aproximar do fim dos fundos, algo que promete deixar muito boa gente com um buraco… sem fundo. Não é, aliás, de estranhar, a prontidão com que Luís Duque se apressou a colocar a Liga Portuguesa na linha da frente da luta pela continuidade dos fundos, ou não fosse ele o eleito por aqueles que fazem da utilização dos ditos o seu modo de vida. Ou não fosse ele a face actual de um sistema no qual o Sporting, agora também num plano político, encaixa cada vez menos.

É tudo isto que nós, Sportinguistas, precisamos de perceber de uma vez por todas. Não vou ser hipócrita e dizer-vos que me agrada passar mais um ano sem ser campeão. Ou dois. Ou três. Não vou ser hipócrita e dizer-vos que não gostava de ver chegar dois ou três craques daqueles que levam milhares de pessoas aos estádios e garantem vitórias simples. Mas seria tremendamente hipócrita se vos dissesse que essa sede de vitória me consome ao ponto de considerá-la a mais importante. Isso seria voltar a dar vários passos atrás. Sim, fomos campeões com equipas repletas de craques, mas isso não nos trouxe hegemonia, muito menos sustentabilidade. E a fuga para a frente, apostando em nomes sonantes igualmente pagos a peso de ouro, quase nos deu a machadada final.

Hoje, aquele que sempre foi considerado o nosso ADN, a formação, é o nosso porta-aviões. É o nosso presente e terá que ser o nosso futuro. Formar, crescer, ganhar. Formar, crescer, ganhar. E vender. Sim, vamos ter que vender algumas das nossas pérolas, pois será essa a forma de ir equilibrando as contas. Demora tempo. Demasiado, para quem quer ganhar sempre. E demora mais tempo porque há ajustes e melhorias a fazer. Mas não podemos ser nós a abrir o flanco e a permitir que nos esfrangalhem a nossa maior força: esse filão de “activos” que sabemos não só formar como aproveitar.

Desengane-se o Sportinguista que achar que, neste momento, ter a hegemonia da formação é conquistar títulos. Puro engano. Neste momento, ter a hegemonia da formação é formar jogadores que sejam capazes de chegar à equipa principal do Sporting e à selecção nacional, colocando-os na montra. Não há quem esteja melhor preparado para o fechar das torneiras de dinheiro, vindo sabe-se lá de onde, do que nós! É por isso que os ataques começam nos miúdos com 12 e 13 anos. É por isso que existe uma espécie de barreira invisível que impede a selecção nacional de ser ainda mais verde e branca. Se conseguirem dinamitar-nos o porta-aviões, é meio caminho andado para nos mandarem ao fundo (ou pelo menos, para nos obrigarem a andar de submarino uns bons anos). Acontece que esta batalha naval é, antes, uma batalha bem real. E sermos nós os primeiros a enxovalhar os jogadores que formamos, sermos nós a fazer eco da propaganda veiculada em grande parte da comunicação social, sermos nós a desvalorizar aquilo que de mais valioso temos, é tudo aquilo que não podemos fazer.