Uma das discussões que mais temos aqui na tasca é precisamente sobre a mentalidade dos jogadores. Na minha modesta opinião, a mentalidade não é algo de inato num jogador. É incentivada, trabalhada, treinada até ao ponto de se tornar adquirida. Acredito que é possível transformar um aparente preguiçoso num trabalhador incansável, um displicente cronico num obcecado pelo rigor ou um egocêntrico num altruísta. Como? Perguntam vocês. Com os “triggers” adequados fornecidos pelas pessoas certas. Uma mudança de pensamento só acontece quando o alvo dessa mudança acredita em quem lhe propõe mudar. E isto é válido tanto para o futebol como para tudo o resto.

Eu vejo “A” mentalidade como uma consequência da obcessão pela perfeição. Só com o exercício contínuo do rigor em todos os momentos do jogo é que se seguram resultados, matam-se jogos ou se tornam jogos difíceis em fáceis. E é a partir daí que se constroem vitórias, séries prolongadas de vitórias e, consequentemente, se ganham campeonatos. O Carnide de Jorge Jesus é um bom exemplo disso. Não obstante dos problemas que costumavam ter no início das provas e das ajudas arbitrais, era sabido que quando chegavam ao “ponto de rebuçado” começavam a carburar. Eu interpreto essa evolução como uma maior predisposição dos jogadores em executar as suas funções exactamente da forma que o treinador queria sob pena de saírem da equipa, levarem piçadas ou, basicamente, se colocarem numa situação de todo indesejável para eles.

No Sporting é unânime entre todos que existe muita qualidade individual, uma razoável qualidade colectiva mas falta sempre a mentalidade que origina a regularidade das vitórias. É este trabalho mental que Jesus vai trazer ao nosso clube. Não que Jesus seja um psicólogo de gabarito mas porque ele é de tal forma obcecado pelo jogo, pelo rigor e pela exigência do cumprimento das suas ideias que acaba por influenciar directamente a tomada de decisão dos seus jogadores. Imaginem o seguinte cenário: jogada de contra-ataque de 2×1 ou 3×2 em que o decisor toma a opção e errada. Como reage Jesus? Como reage qualquer outro treinador? O que é feito para que essa jogada dê golo no futuro? Que tipo de informação é passada pelo treinador? De que forma é passada? Como reage o jogador? Tudo isto são perguntas às quais dificilmente teríamos resposta com outro treinador qualquer. Felizmente, com Jesus temos. Com o actual treinador, o erro é intolerável. E é essa intolerância face ao erro que permite a sua correcção, não apenas para o jogo seguinte, mas para sempre. É essa intolerância que transforma o erro sistemático em aleatório e que mantém a concentração dos atletas sempre em alta. Porquê? Porque a persistência no erro é punida por JJ da forma que mais dói a um futebolista: perda de titularidade ou saída da convocatória. Com muitos impropérios pelo meio. A obcessão pela perfeição levada ao extremo.

Jorge Jesus é, porventura, um dos poucos sobreviventes de uma forma de liderar “à antiga”. Distância dos atletas, autoridade inquestionável e disciplina férrea. Hoje em dia, o futebol foi invadido por “mourinhistas” e “guardiolistas” cuja forma de liderar passa por estabelecer uma relação muito próxima com os jogadores quase a ponto de se tornar um deles. Há exemplos de sucesso e insucesso em ambos os estilos, não existe uma forma correcta de liderar até porque um líder conquista as suas tropas pelo seu carisma e esse carisma é emanado pela especificidade da sua personalidade. Porém, e já que está na moda dizer que os jogadores são profissionais, Jesus é bem capaz de ser dos poucos treinadores que os trata como tal. Não são “filhos”, “amigos” ou “companheiros”. São profissionais que têm deveres para com a sua entidade patronal e objectivos para atingir como qualquer trabalhador de outro sector de actividade.
primeirotreinoVoltando à mentalidade, o teor deste post, tenho para mim que Jesus vai alterá-la. Mas não vai transformá-la em vencedora dizendo todos os dias que “é para ganhar”. Não conheço nenhum atleta que não trabalhe para a vitória, o “é para ganhar” já todos eles sabem. O que muitas vezes eles não sabem, não querem ou não conseguem é reagir a uma forma de liderança e a métodos de trabalho completamente orientados para uma mudança de mentalidade. Os métodos de treino de Jesus até podem ser inovadores, a sua forma de ver o jogo até pode ser única mas aquilo que vai realmente mudar é, como disse acima, a (in)tolerância ao erro e a reacção dos jogadores a essa forma de estar do treinador. Quem aceitar que está a fazer mal e que é para fazer bem no próximo jogo, treino ou exercício, terá futuro. Quem tiver capacidade de encaixe para ser tratado como profissional, terá futuro. Quem quiser, com todas as suas forças, ser melhor futebolista, terá futuro. Quem não tiver essa capacidade e vontade, terá vida muito difícil no Sporting. É aqui que vai ser feita a primeira filtragem e será dado o primeiro passo para uma verdadeira, genuína e esperemos que duradoura mudança de mentalidade.

A apresentação de Jesus foi sintomática. Poucas palavras mas todas elas fortes e dirigidas ao seu target que ontem foram os adeptos. Com os jogadores vai ser igual. Jesus é exactamente aquilo que mostra. Nada fica por dizer, nada fica por fazer, não existem zonas cinzentas. Não há meias palavras, fugir ao compromisso ou expressões inconclusivas como “vencer, vencer, vencer”. A pergunta é clara e toda a gente sabe qual é: Somos candidatos ao título? Jesus reponde: “Somos candidatos a ganhar todas as provas que entrarmos em Portugal”. Curto, directo e incisivo. A mudança de mentalidade começa sempre com uma mudança de discurso.

Para terminar, uma palavra para os regressos de Octávio Machado e Manuel Fernandes. Homens do futebol que têm uma característica comum com o treinador: a frontalidade. A competência aqui é o factor menos relevante porque Jesus, como é seu timbre, vai ser ele próprio a “estrutura”. Octávio e Manel serão os fieis escudeiros. Mais do que competentes, serão LEAIS ao clube, ao treinador e à direcção. E coloquei em letras maiúsculas de propósito. O compromisso de lealdade tem de ser condição primeira para se trabalhar numa indústria implacável como o futebol. Com Jesus, Manel e Octávio, esse compromisso está assegurado. Quanto à competência, essa tem-na Jesus. Para dar, vender e se calhar emprestar aos elementos que o próprio escolheu para trabalhar consigo. E com a definição da estrutura que vai liderar o nosso futebol chega a certeza que o futebol do Sporting vai, definitivamente mudar. Dentro do campo e fora dele, no futebol praticado e na mensagem transmitida. Mas a mudança mais importante, aquela que eu espero mesmo que aconteça é na mentalidade dos atletas. E essa, só se consegue cumprindo à risca o lema do nosso Palmelão: “Trabalho, trabalho, muito trabalho!”

 

* todas as sextas, directamente de Angola, abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!