Não sei o que me deu. O filha da puta do boi do apito tinha acabado de dar por fechado aquela hora e meia de algo que só pude compreender como um meio-compromisso entre um ajuste de contas e um piscar de olhos aos rublos de Moscovo. Pelo meio acabava coincidentemente um jogo de futebol. Com os cornos mais fodidos que um sócio benfas a pagar o envio do novo cartão…olhei para o calendário da Liga NOS e…lá estava, Domingo, Coimbra, 19h15. Que seja! “A mim não me espezinham desta maneira!”

Domingo, almoço à pressa, são quase 14h00 e não gosto de chegar em cima da hora a estádios que só visito de 3 em 3 anos. Lembro-me sempre de uma visita ao Bonfim ter ficado estragada por um velho e companheiro chasso rebocado e perdido pelos recônditos meandros da PSP de Setúbal. Beijos, abraços, até logo, só há duas coisas que me tiram de um fim de semana com a família…a bola e/ou (podem coincidir) uma bela noitada de amigos com muitas minis a acompanhar caralhadas e todo o tipo de disparates que andamos a fermentar durante meses, coisas que só saem depois dos primeiros packs despachados.

Pois bem, deixando a família e o estatuto de gajo com juízo para trás é hora de vestir a capa e o fato de super-herói, o super-cromo que se vai juntar a uns bons milhares de outros super-palermas que adoram sofrer, gritar, pular, por coisa nenhuma durante 90 minutos. Mas, que se foda…há coisas que não se explicam e a sensação de vestir a verde-às-listas é a melhor descarga que conheço de endorfinas a seguir a outros “desportos” mais privados. Bom, voltando…camisola…check! Cachecol “da sorte”…check! Bilhete…check (qualquer dia pagamos o dobro nos jogos fora…) Telemóvel e carteira…check! Tá-ndar!

Apanho o primeiro co-palerma. Os cumprimentos da praxe…os insultos do costume. Mas é que nem pensar sujar-me o carro com os restos mal comidos de um cachorro…que coma fora, a coisa foi lavada ainda naquela manhã e…aí fora. Amigos que acabam almoços com duas dentadas dão sempre jeito quando temos pressa e são já 15h00 caraças! O sacana que fecharia o trio do costume mora no Cu de Judas e o telemóvel desligado só promete desencontro. Não, na hora combinada, lá está o “bicho”, encostado à paragem do autocarro, porque não interessa quantos anos passem, está sempre encostado a qualquer coisa…entra “bicho”…a camisola otário? Tá aqui…se a mulher desconfia que deixei de ir visitar a sogra ao lar par ir a Coimbra ver o Sporting divorcia-se. Todos fazemos sacrifícios….uns pelos vistos mais que outros.

Ja na A1, dou por mim a pensar que as parvoíces (é o que a minha mãe chamaria a fazer 400 kms para ver bola) são coisas essenciais para manter uma sanidade mínima. De alguma forma parece-me mais sensato estar uma tarde inteira a fazer e a dizer o que me apetece do que passar uma semana a aviar “pincéis” fechado num escritório durante 8 horas. É sem dúvida mais memorável. A conversa na estrada é intervalada por gritos dirigidos a outros carros “SPOOOORTIIING!!” ouve-se apesar do som se perder nos 15…nos 119 kms/h a que os intervenientes circulam.

A placa de Coimbra é avistada às 18h00 e o carro estacionado alguns minutos depois. Uma massa de gente de verde traz a palavra “invasão” à cabeça de qualquer leão de velha guarda que tenha viajado em autocarros mal-cheirosos no final dos anos 80. Ainda há tempo para uma cervejinha num qualquer café que tenha esplanada e enquanto contemplamos a Onda Verde a entrar e sair do Dolce Vita vamos considerando as possíveis motivações e habilidade do árbitro Bruno Esteves para prosseguir o calvário de erros crassos contra o inicio da fase Jesuíta do “nosso grande amor”…mal sabíamos nós…19h00 porra! Hora de entrada! O coração acelera, a “batalha” está quase a começar e no olhar de cada leão lê-se esperança, sonho e todo o amor que levou milhares e milhares a juntar-se aos seus “palermas” e estar ali, para dar apoio em troca de glória, sofrimento em troca de êxtase, ansiedade em troca de orgulho em pertencer a estar enorme família.

Eu estou com os meus, o “russo” e o “encostado” (eu sou o “nissa”…que devo a uma camisola que perdeu um “n” num escorrega de jardim em Vila do Conde). Conhecemo-nos quase há 30 anos e a única coisa que partilhamos é o Sporting. Não precisamos de mais, nunca precisámos. O Leão Rampante une-nos e ultrapassa todas as diferenças de vida, opiniões, gostos que nos possam dividir. Ao ocuparmos os nosso lugares no estádio (ou os que pensámos serem melhores que esses) olhamos uns para os outros e para o assento que se encontra à minha esquerda. Inconscientemente ficamos sempre alinhados da mesma forma e inconscientemente contamos sempre com um quarto elemento que já não se junta a estas palermices. O nosso “capitão”, o nosso “alentejano” foi para coisas menos terrenas mais cedo (sempre foi um apressado) e deixou os “putos meme estúpidos” que somos, com a missão de recordá-lo. E temos tantas saudades…meu “cabronito”. O árbitro apita e esta história acaba. O resto vocês também viveram como eu.

No final, vencemos. Contra muita coisa, vencemos. No final, a minha vingança estava consumada. O roubo de Moscovo tinha sido menorizado…uma restituição no meu orgulho sportinguista. E…soube muita bem! Soube no caminho de regresso a Lisboa que mais uma vez o ódio não se combate com ódio, a injustiça com outra injustiça ou humilhação. Ao espezinhar do meu sportinguismo devolvi com o que me ensinaram ser a conduta de “leão a sério”:

“Se te pisarem, não limpes o sapato. Se te humilharem, levanta a cabeça. Se te roubarem,apoia ainda mais.”

Fiz isso tudo. Fui feliz e vim feliz de Coimbra. Obrigado “capitão” (o russo bebeu mais do que todos…só para que saibas).

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca