Já pouco na nossa vida é puramente espontâneo. A televisão, as redes sociais, os filmes, os jogos absorvem-nos, sugam-nos a expectativa e a busca pelo novo nos nossos dias. Procuramos, mas na verdade preferimos que nos sirvam as quantidades que queremos de novidade, às horas que achamos que as iremos querer consumir. Os media esfregam as mãos e desde o final dos anos 80 que “decidiram” educar-nos de forma mais assertiva. Já não escolhemos livremente. Optamos pelo menu, o que é uma “liberdade” hipercondicionada. Alguns de nós temos essa consciência, mas na maioria ignoramos que a nossa visão do mundo e das nossas vidas é maioritariamente “construída”, sobretudo através de milhões de horas a escutar e ver as opiniões de outras pessoas que imaginamos saberem mais do que nós.

Esta delegação de pensamento, faz com que uma pessoa tenha o poder efetivo de influenciar a opinião de milhões de outras pessoas. Essa “arma” é hoje em dia amplamente usada para vender ideias, produtos, politicas, tudo. Não é nada inocente e muito menos isenta. Já poucos dizemos coisas, limitamo-nos a repetir. É um exercício mecânico e repetitivo que flutua conforme o volume do investimento de quem quer fazer-se ouvir e muito particularmente, de quem quer fazer-se repetir. O que começou nas televisões mundiais como debate e opinião desportiva, é hoje em dia uma manta de retalhos dos lobbies de empresários, investidores, marcas e clubes. Constroem-se vedetas aliciando dois ou três opinadores na tv e uns 6 ou 7 cronistas de jornais. Destroem-se carreiras usando muito menos do que isso. É tudo uma questão de investimento e sim, estou a falar de dinheiro, seja ele direto ou através de trocas de favores. Os ditos “paineleiros” são a vertente clubística deste espaço de troca de favores e exibem todas as distorções que o “mercado” do futebol português contempla de forma clara e inequívoca.

Sem querer parecer arrogante, não preciso de ver nenhum programa de “paineleiros” para adivinhar o alinhamento dos assuntos de cada programa e até o que cada interveniente vai dizer. Sinceramente acho que todos somos capazes de o fazer, porque ninguém vê estes programas pelo conteúdo de opinião, mas sim pela forma como faz vingar o seu ponto de vista. Se quiserem, a atração destes formatos é a polémica, a contestação, a subtileza ou a alarvidade com que se recusa a escutar as opiniões contrárias. Chamar aquilo de debate é puro exagero. Dizer que se trata de futebol é uma ofensa à riqueza do mesmo.

Mas como em qualquer situação, há uns que se imaginam mais espertos do que os outros. E se o formato destes programas já era muito deficiente a nível didático e intelectual, tornou-se ainda pior e mais intragável a partir do momento em que um clube decidiu que as centenas de horas semanais de muitos canais de televisão podiam e deviam estar ao serviço de uma “agenda” com objetivos muitos próximos do que todos entendemos como “propaganda”.

Já todos entendemos que o Carnide usa programas como o Prolongamento, O Dia Seguinte, Play Off ou o Trio de Ataque para ciar uma espécie de cloud de temas, que respeita ao centímetro e ao número de vogais o que a direção do clube, pela mão do Mr.Burns ou outro qualquer personagem, estabeleceu como fundamentais para “passar” nessa semana. Penso aliás que os “paineleiros” em causa (Rui Gomes da Silva, Simões, Gobern e Pedro Guerra) nem sequer estão interessados no debate em si, mas focados na “agenda” que devem cumprir. Como não vejo, ou vejo muito pouco escapa-me a noção de como é entendida esta operação, este “cartel” de opinião, pelos restantes debatentes, mas as minhas fontes garantem-me que esse ponto nunca foi levantado, o que estranho, mesmo sabendo que não é simpático referir o que é dito em programas concorrentes. Pela minha parte não é o conteúdo da propaganda ou até o acto de concertação ao serviço de um brainwash à lampião que me provoca alguma repulsa, mas sim a permissividade dos canais de televisão, sobretudo das direções de informação (que tutelam estes formatos).

Permitir que se use um espaço de informação supostamente equidistante e equilibrado, não demarcado como “espaço de campanha clubístico” para fazer vingar o apoio aos interesses de uma SAD cotada em bolsa é no mínimo questionável, senão mesmo desaconselhável. E isto tem especial importância num mercado por si só completamente saturado de servilismo à falsa ideia de um Carnide sentado em cima de um market share de mais de 50%. É fundamental apontar o dedo a estas chico-espertices, estes esquemas de cosanostra de mass media, estas lógicas de usar o que não de direito passando por cima de tudo o que é ético e fundamental à paridade e ao equilíbrio. Saibamos fazê-lo a toda a hora em qualquer lugar. Pela parte que me toca, sempre que posso gosto de fazer uso da palavra para aconselhar um saudável e amistoso “não vejas essa merda, é apenas lixo a falar de lixo”. Os que mesmo assim “escolham” ver, pelo menos que entendam que na melhor das hipóteses estão a assistir a uma péssima experiência de teatro, com actings de fazer corar uma versão sóbria do José Carlos Pereira. Já era um avanço.

 

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca