Dois meses volvidos sobre a conquista da Supertaça, o Sporting voltou a ganhar ao Benfica só que, desta vez, em pleno estádio da Luz e de forma ainda mais inequívoca. Pode até parecer que um jogo nada tem a ver com o outro, mas, efectivamente, tem tudo. E tem tudo porque, ao longo das semanas que separam os dois triunfos leoninos, o dérbi se foi jogando das mais variadas formas, mais ou menos correctas, mais ou menos ortodoxas, mais ou menos aplaudidas.  Da palhaçada dos SMS aos processos em tribunal, passando pelo football leaks e pelo o Verdade Leonina, pela ida de Bruno de Carvalho à televisão, pela caixinha dos jantares que todos os árbitros conheciam menos o ex que manda neles, terminando no disparate dos 14 milhões e numa entrevista bombástica de Marco Ferreira a um jornal do país vizinho, onde coloca em cheque a ligação das águias a quem dirige a arbitragem. O toque final de sal e pimenta, esse veio na conferência de imprensa que antecedeu este dérbi histórico: Rui Vitória achou que já tinha equipa e processos de jogo e atirou-se aos mind games, Jesus voltou a recordar que era ele o cérebro que fazia a equipa encarnada mover-se.

E o resultado deste dérbi, jogado em vários tabuleiros, foi bombástico e inesquecível. Uma verdadeira serenata de Leões à chuva, Leões tão adultos que sabiam ao milímetro o que fazer para ir desferindo golpes fatais num adversário que, imagine-se, até entrou melhor no jogo. Não criou situações de golo iminente, é verdade – aliás, a única situação de golo que viria a criar nasceria do único erro da defensiva leonina, já o jogo ia em 70 minutos –, mas criou aquela ilusão de equipa capaz de discutir o resultado e colocar ao Sporting aquele teste que, segundo alguns iluminados da nossa praça, ainda não tinha tido esta época. Fogo de vista. À primeira investida, o Leão marcou (grande recuperação e grande passe de Adrien, aliás, enorme jogo, mais um, do capitão) e o castelo de cartas encarnado começou a ruir.

A verdade, é que a partir desse minuto 9 o jogo não terminou, mas ficou mais próximo disso do que de qualquer outra coisa. A equipa leonina movimentava-se com uma verdadeira equipa, ocupando, na perfeição, os espaços em todo o campo e estancando as investidas de um solitário Gaitan, as correrias palermas de Guedes e Jimenez e os teatros de Jonas. O Benfica jogava o que o Sporting o deixava jogar e, mais, era a turma de Alvalade a decidir em que zonas do campo a partida se disputava: se entrega a bola estavam todas as peças no lugar a defender, se tinha a bola fazia-a rodar de pé para pé, se a recuperava dizia ao seu adversário que cada investida podia ser novo golpe profundo. Foram assim os primeiros 45 minutos, com mais duas dentadas, de Slimani e de Ruiz, que se juntaram a Teo para construir um resultado histórico. E quando o árbitro apitou para dar descanso ao carrossel leonino, a pergunta que ficava era “onde é que isto vai parar?”.

Podia ter continuado, disso não existam dúvidas, como ficou demonstrado naquela perdida de Jefferson que seria o 0-4, mas o Sporting que veio para a segunda-parte já era um Sporting de barriga cheia e a fazer a digestão a seu belo prazer. E se gerir um jogo também é uma arte, então o que fizemos, ontem, foi digno de exposição, pois não fosse aquele erro que permitiu o empolgamento adversário durante três minutos e a segunda parte teria sido uma demonstração cabal de autoridade de uma equipa (Rui, sempre tranquilo; João Pereira sempre concentrado; Oliveira e Naldo intratáveis; Jefferson a aguentar o mais perigo adversário e a ter tempo para fazer assistências; William e Adrien perfeitos na mistura de luta e de classe; Ruiz a mostrar que os grandes jogadores não se escondem nos grandes jogos e ainda os decidem; João Mário a crescer ao longo de todo o jogo ao ponto de ser peça maior de um puzzle fantástico; Teo mais cerebral, Slimani mais brutal, confundido toda a defensiva adversária) sobre um adversário de cabeça perdida e protestos constantes, aprisionado entre a vontade de minimizar os danos e o medo de ser ainda mais humilhado.

Muito boa gente já não viu esta segunda parte, pois foram vários os adeptos benfiquistas que deixaram o seu lugar ao intervalo, mas quem viu ou quem não viu, continuará, nos próximos dias, a alimentar o dérbi. Falar-se-á de um penalti de Ruiz sobre Luisão por fazer aquilo que Luisão faz há anos sem que qualquer penalti seja marcado e alguns falarão de um suposto penalti sobre Gaitán que não é penalti em lado algum. Na sua maioria, a comunicação social nem mencionará que Samaris nunca podia ter terminado o jogo tendo em conta a quantidade de falta que fez, esquecerá os teatros de Jonas, a gritaria constante de Gaitán, as agressões de Luisão e Jardel. Mas do que ninguém se esquecerá, é de uma noite tão histórica quanto clara e saborosa, da qual saem inequívocos vencedores uma direcção, um treinador e uma equipa. O Sporting Clube de Portugal.