Mito 1: “O Sporting falha nos jogos grandes”
Depois de dois derbys vencidos de forma categórica, com 4 golos marcados e zero golos sofridos, a teoria da sorte começa a ser cada vez menos ouvida. É sempre bom recordar que com Jardim vencemos os fruteiros em Alvalade e carimbámos a entrada directa na Champions e com Marco Silva eliminámos os mesmos fruteiros em sua casa na Taça de Portugal. É verdade que não ganhávamos aos lampiões mas, desde que Bruno de Carvalho chegou, começámos a perder menos. Com Jardim empatámos uma vez em casa e perdemos duas vezes na capoeira mas com Marco Silva empatámos duas vezes. Portanto, essa tendência já se começava a notar ainda antes de Jesus chegar ao Sporting. Pois bem, com Jesus parece que virámos definitivamente o tabuleiro. Passámos de perder e empatar com esforço para vencer de forma inequívoca. E se vencermos a eliminatória da Taça começa a ser criado em Carnide o mesmo complexo e o mesmo bloqueio psicológico que o Sporting tinha quando jogava contra o esse rival.

Mito 2: “Os mind-games não têm importância”
Quando um treinador está desnorteado, os jogadores percebem. No jogo da Supertaça o Rui Vitória foi completamente ludibriado por Jesus, o que levou-o a alterar o sistema táctico do Carnide. Neste jogo, Rui Vitória ensaiou um mind-game mas foi completamente espezinhado por Jesus. Quando um mind-game origina alterações de comportamento do adversário, como no jogo da Supertaça, isso normalmente coloca a equipa em vantagem. Por outro lado, quando um mind-game origina uma simples reacção psicológica positiva do adversário,é combustível que se dá ao mesmo. E é por isso que Jesus é um Mestre. No primeiro jogo focou sempre a sua mira no treinador e nunca nos jogadores. Aliás, sobre os jogadores desfez-se em elogios. Porquê? Porque queria gerar uma reacção do treinador e nunca dos jogadores. No segundo derby, Rui Vitória fez precisamente o inverso, que foi gerar uma reacção dos jogadores do Sporting. Na antevisão do primeiro derby, Jesus começou a vencer o jogo ao entrar na cabeça do Rui Vitória e suscitando a reacção que ele esperava. Na antevisão do segundo, Rui Vitória começou a perder o jogo quando, ao querer atingir Jesus, acabou por colocar em causa a competência dos jogadores do Sporting gerando uma reacção. Portanto, quando um mind-game é bem feito seja nas palavras mas, sobretudo no alvo, existem reais possibilidades de obter vantagem. Quando é mal feito, normalmente dá vantagem ao adversário. Se há coisa que ficou claro nos dois derbys é que Jesus tem muita experiência nestes jogos da mente e Rui Vitória é simplesmente um aprendiz de feiticeiro.

Mito 3: “A Estrutura do Carnide é de topo”
Pois é. Por isso é que 6 anos de sucesso correm o risco de ruir em apenas meses. Já tinha dito antes, a “estrutura” do Carnide chamava-se Jorge Jesus e Jorge Mendes. Um dava o know-how em futebol e o outro dava o dinheiro. Acabando ambos, acaba a estrutura. Por outro lado, o amadorismo é tal que deixa a nú todas as fragilidades daquela “estrutura”. Antes do jogo começar, a pressão já estava toda do lado do Carnide. Pela distância pontual, por terem perdido o primeiro derby e por ser o regresso de Jesus à capoeira. A pressão dos jogadores do Carnide já era muito grande mas a “estrutura” encarregou-se de acrescentar mais um bocado. Ao não responder às declarações pré-jogo, a “estrutura” remeteu a resposta para Rui Vitória e a sua equipa. Tornou um jogo de pressão máxima numa questão de vida ou morte para RV. Foi visível que os jogadores do Carnide jogaram sobre brasas.

Mito 4: “O Sporting ganhou porque investiu mais do que o Carnide”
O Sporting ganhou porque investiu MELHOR do que o Carnide. Em vez de gastar mais de metade do orçamento em dois avançados dos quais um está sempre no banco e, acrescento eu, apenas para dar bicadas nos adversários, o Sporting contratou titulares para acrescentar à base que já tinha e que vinha dos anos anteriores. Feitas as contas, o Carnide investiu mais do que o Sporting mas tem uma equipa mais desequilibrada. Mais um mérito da fantástica “estrutura”.

Mito 5: “As polémicas fora do campo respondem-se dentro do mesmo”
Isto só é verdade para quem tem algo a esconder e precisa de um bom momento para branquear o que quer esconder. Acreditar nisto é a mesmíssima coisa do que validar a teoria dos fruteiros que dizem que por terem sido campeões europeus isso significa que cá no burgo também ganhavam porque eram apenas e só melhores. Para mim, isto não colhe.

Mito 6: “O sucesso e o insucesso são eternos”
Este é o mito que mais gozo me dá falar. Basta uma distracção, uma má decisão, uma negligência para transformar em merda toda a aura vencedora que se contruiu em vários anos de trabalho. Em sentido inverso, basta uma boa decisão, um click, um despoletador para acabar com todos os fatalismos. Quem olha neste momento para o Carnide só percebe que são campeões se olhar atentamente para o equipamento e encontrar as insígnias de campeão. E quem olha para o Sporting já ninguém se atreve a vir com a habitual conversa do “são candidatos ou não”. A casa do campeão vai ardendo em fogo-lento e a casa do “eterno outsider” vai sendo construída e mobilada com todo o critério. E no meio disto, imagine-se, até os fruteiros vão desperdiçando oportunidades para se manter na liderança. O facto de isto estar a acontecer é sinal que nada na vida é imutável ou fatal. Quando se tomam boas decisões e se trabalha com qualidade o sucesso estará sempre mais próximo e não há histórico ou passado que mude esta premissa.

Mito 7: “O Carnide está a perder porque mudou a sua política desportiva”
Este mito ainda me dá mais gozo de falar do que o anterior. Quando Bruno de Carvalho disse que os rivais seriam obrigados a seguir uma política de contenção de custos semelhante à do Sporting, o país futebolístico riu-se no auge da bebedeira dos títulos do Carnide. Portanto, o pormenor deste mito está apenas na questão de “mudar apolítica” em oposição a “ser obrigado a mudar a política”. Claramente que o Carnide foi obrigado a mudar a política. E teve de o fazer de forma tão drástica que o primeiro a cair foi precisamente aquele que mais auferia (Jorge Jesus). A aposta na formação é apenas um bode expiatório para a falta de dinheiro. No Sporting fez-se o contrário, assumiu-se a contenção, redefiniu-se os objectivos desportivos, cimentou-se uma equipa construída à base da sua formação e contratações de baixo custo e hoje, já mais consolidada em termos desportivos e financeiros, criou-se a folga para aumentar a massa salarial. E a questão é que, mesmo aumentando essa massa salarial, o Sporting só gastou aquilo que conseguiu facturar, revelando uma disciplina económica que continua a ser lei em Alvalade. A questão que se coloca em Carnide é simples: conseguirá a sua direcção sobreviver a um eventual período incerto de ausência de títulos depois do bicampeonato para dar tempo de construção de uma base nova vinda da formação? Duvido muito, tendo em conta o constante branqueamento que se faz de todos os assuntos negativos que se passam em Carnide. Olho para aquilo e vejo algumas parecenças com o que aconteceu no Sporting. Falta de dinheiro, rendimento desportivo sofrível, fracas lideranças quer do presidente quer do treinador, etc. A distância daí para um periodo eleitoral antecipado é um tirinho, sobretudo se o Carnide continuar a perder.

Mais mitos existirão e mais barreiras foram quebradas com este derby. É este o poder de um treinador. Quando é bom e trabalha bem, torna possível e fácil o mais difícil dos desafios. Quando é medíocre, “parece” que atrai todo o azar do Mundo. E é aqui que reside o busílis no momento dos dois rivais. As “estruturas” não servem para roubar protagonismo ou reclamar os louros. Servem, sobretudo, para manter o que está bem e mudar o que está mal. E esse foi o grande erro do Orelhas: quis mudar o que melhor havia no futebol do seu clube e a isso juntou um segundo erro que foi contratar um treinador medíocre para assumir essa ruptura. Já Bruno de Carvalho, viu a oportunidade de contratar Jesus e nem sequer a boa imagem que Marco Silva tinha junto dos adeptos foi capaz de impedir aquilo que ele considerava ser um salto qualitativo no futebol do Sporting. Por outro lado, mudou o que estava mal ou seja, a política de contratações do clube. Esta é a grande vantagem de ser um “presidente adepto” em vez de um “presidente profissional”. Na hora da verdade, quando se trata de escolher entre o “eu” e o clube, o adepto escolhe sempre o clube.

* todas as sextas, directamente de Angola, Sá abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!

NoTA: no próximo post sossegam-se os espíritos em relação ao local onde vamos petiscar amanhã