O assunto do dia no futebol português é o negócio da NOS com o Carnide. E para não perder mais tempo e, para satisfazer os muitos lampiões que por aqui passam, eis a minha opinião: CA PUTA DE NEGÓCIO! Pronto. Já posso continuar? Fica, desde já a promessa que várias vezes, ao longo deste texto, será repetida a opinião que formulei acima sobre esta operação. E assim sendo, aqui vai mais uma vez (que a carnidagem precisa destes afagos de ego, sobretudo depois deste último mês): CA PUTA DE NEGÓCIO!

Não vou analisar o negócio em si porque não conheço os detalhes todos. Apenas sei que o valor é “progressivo”, “pode chegar até 40M/ano”, está dividido em “15M pelo exclusivo da BTV + 25M pelos direitos de transmissão”, “é renovável atomaticamente se uma das partes quiser”, etc, etc. Parecem-me dados insuficientes para poder formular uma opinião definitiva mas ainda assim, vou arriscar: CA PUTA DE NEGÓCIO!

Portanto, sobre a operação, pouco mais há a dizer. Vamos então a outras questões menores como o negócio do futebol, o desenvolvimento do futebol português e a sua sustentabilidade. Pondo as coisas clarinhas, há dois modelos de negociação dos direitos televisivos: a negociação em pacote e consequente distribuição das receitas pela Liga. Ou a negociação individual, ou seja, cada clube negoceia de forma independente. Clubes como o Sporting, Fruteiros e Carnide nunca terão dificuldades em negociar individualmente porque se tratam dos 3 clubes mais representativos de Portugal e englobam cerca de 3/4 dos consumidores do desporto, neste caso futebol, em território português. Em condições de liberdade (leia-se, estando contratualmente livres da Controlinveste), quer Sporting quer Fruteiros são capazes de assinar acordos desta envergadura. Se não forem 40M/ano ou 400M em 10 anos, não andarão muito longe disso porque, de facto, há muito mercado nestes dois clubes, sobretudo no Sporting, que estando arredado dos títulos manteve fiel a sua base de apoio e de consumidores e hoje, que demonstra já outra pujança, vai aumentando essa base, algo facilmente verificável no aumento do nr de sócios. Se nos próximos dois anos (precisamente os que faltam para terminar o contrato com o Oliveira) o Sporting for campeão, então o tabuleiro vai dar nova guinada. Porque se o Carnide fecha um negócio desta envergadura no seu momento desportivo mais frágil dos últimos 6 anos, que negócio poderá fechar o Sporting depois de conquistar um título que foge há quase duas décadas? Para os 3 grandes, as possibilidades são infinitas. Isto, claro, se a negociação for individual e em mercado concorrencial como existe hoje. Nem o Carnide descobriu a pólvora nem a NOS é anjinha. O futebol é, de facto, um produto que domina as preferências dos consumidores de desporto na televisão. Logo, se o futebol é o desporto mais visto em Portugal e se os 3 grandes são os clubes mais representativos, nunca faltará mercado para nenhum deles. E, naturalmente, as operadoras sabem disso.

A questão de fundo é outra. Vamos, por momentos, colocar-nos na pele do presidente do Moreirense que quer negociar os direitos dos seus jogos com um determinado operador. A primeira coisa que vai ouvir será: “Quanto quer por 3 jogos?” Ao que o coitado responde: “3 jogos? Mas eu estou a vender os jogos todos!” “Pois, mas a nós (ou à NOS) só interessam 3, máximo 4. Os jogos com os 3 grandes e, vá lá, ainda lhe dou um rebuçadinho com o Braga.” E, claro, o presidente do Moreirense é obrigado a aceitar uma ninharia. É isto que tem acontecido desde que existem jogos transmitidos na televisão. Claro que, a consequência disto é previsível: insustentabilidade, dependência, estagnação, retrocesso e um ciclo vicioso que impede os clubes de progredir. E depois é vê-los de mão estendida a pedir uns cobres ao Oliveirinha ou uns jogadores emprestados ao Orelhas. Este é o principal problema do futebol português porque é aqui que começa toda a promiscuidade que existe há anos. Agora imaginem o contrário: imaginem que negociando em pacote os direitos de todos os clubes, obtém-se, por exemplo uma receita bruta de 200M. Fazendo as contas a 20 clubes só para que o valor seja redondo, distribuindo “irmãmente” dá 10M para cada clube. Reparem bem nisto: Basta um ano, repito, um mísero ano em que se decida repartir o bolo em partes iguais, chegaria para resolver definitivamente todos os problemas de financiamento dos clubes pequenos do futebol português. Todinhos! Para resolver estes problemas, se eu fosse presidente do Sporting abdicaria de bom grado um ano de parte das minhas receitas a troco do desenvolvimento e independência de cada clube da Liga. Mas é que nem precisa de ser assim, basta uma repartição consoante o rendimento desportivo, o nr de adeptos, a representatividade na região e todas as variáveis relevantes consideradas. Isto tudo para dizer o quê? Que a centralização dos direitos é o único caminho para a sustentabilidade dos clubes pequenos. Sempre foi e sempre será. E, trocando esta conversa toda por miúdos, para os pequenos ganharem mais, os grandes têm de ganhar menos. O argumento da grandeza dos clubes e da sua representatividade é facilmente rebatido com um simples: “Mas vocês jogam sozinhos? Quem é que paga 27€ para ver o Carnide A a treinar com o Carnide B?” Portanto, a centralização dos direitos e distribuição consoante as variáveis que referi acima é a única forma de salvar o futebol português. É o caminho lógico e natural para quem quer uma Liga competitiva, independente e atractiva a potenciais investidores estrangeiros. O sucesso da Premier League começou precisamente aqui e evoluiu para uma das maiores operações de marketing que o mundo desporto já conheceu. Neste cenário, imaginem o mesmo presidente do Moreirense a receber à cabeça, imaginemos, 5M/ano apenas por se ter mantido na Primeira Liga ou por se ter qualificado para a Europa. Até lágrimas lhe vinham aos olhos! (se depois fugia com o dinheiro para o Brasil ou investia na equipa, isso já é outra conversa).

É isto que o Carnide não quer. Porquê? Porque quer controlar todo o negócio, o seu e o dos seus concorrentes. Quer receber todos os cêntimos que acha que acha que lhe são devidos, quer continuar a manter os clubes pequenos asfixiados, quer que esses clubes continuem dependentes do seu excedente de jogadores e quer continuar a ter o poder de influenciar em votações que sirvam os seus interesses. Um clube auto-sustentável é um clube livre e independente. É um clube que, afastando a pressão diária de ter de pagar salários e não ter dinheiro para o fazer, pode apostar no investimento em vez de estar preocupado com a sobrevivência e, obviamente, começa a votar de acordo com os seus próprios interesses em vez de ceder a chantagens porque precisa de dinheiro ou jogadores para competir. E não tenhamos quaisquer tipo de dúvidas, os interesses dos grandes (sobretudo dos grandes que não querem a centralização) são completamente antagónicos aos interesses dos pequenos. Se assim não fosse, a centralização dos direitos já seria uma realidade há muitos, muitos anos. Portanto, este negócio do Carnide com a NOS, (by the way, CA PUTA DE NEGÓCIO!) não é mais do que uma chico-espertice desse clube de chicos-espertos juntamente com outra cambada de chicos-espertos da NOS. Uns viram uma oportunidade de ganhar mais uns cobres à custa do negócio e os outros viram a oportunidade de parar com a sangria que estavam a sofrer na sporttv eliminando um concorrente. O resultado disto? Hoje, o pacote dos direitos televisivos dos restantes clubes da Liga vale menos porque o Carnide negociou individualmente. Aquilo que poderia valer os tais 200M (só para pegar no exemplo anterior) se calhar agora já só vale 100/150M. Se os clubes pequenos tiverem dois dedos de testa, percebem agora que o Carnide acabou de lhes ir ao bolso pela calada da noite. Mas o negócio? Foda-se! CA PUTA DE NEGÓCIO!

Esta é mais uma prova daquilo que o Carnide pretende no futebol português. Os clubes juntaram-se para aprovar o sorteio dos árbitros, o Carnide mexeu os cordelinhos na FPF para não ratificar a decisão da Liga. Os clubes pretendem a centralização dos direitos televisivos, o Carnide acaba de fechar uma negociação individual que diminui o valor do pacote e pode inviabilizar a centralização. Depois desta operação, há duas hipóteses: ou é cada um por si ou avança-se para a centralização sem o Carnide com o apoio da maioria dos clubes, isolando o chico-esperto. Se isto for exequível (não sei se, legalmente é) optava pela segunda, mesmo que isso implique sentar à mesa com o Bufas. Hoje, o Carnide chupou mais uns cobres à socapa a um negócio que depende de todos, repito, todos os clubes. Amanhã, vai ter de viver com as consequências desta sua opção. Para os outros,a coisa é bem simples: se a NOS pagou 40M/ano ao Carnide por 17 jogos em casa, quanto vale o pacote dos direitos dos restantes jogos da Liga com dois dos clubes mais representativos do país como Sporting e Fruteiros incluídos? A NOS acabou de valorizar os direitos televisivos de todos os restantes clubes que, negociados em pacote, ainda podem valer mais. E isto, meus amigos, são boas notícias. E por isso: CA PUTA DE NEGÓCIO!

No final de tudo, isto acaba por ser a primeira grande derrota do Proença. A grande, diria mesmo a maior, prorrogativa do presidente da Liga é a centralização, negociação e distribuição dos direitos televisivos e patrocínios. Sem isso, limita-se a organizar jogos. Já era expectável que o ex-árbitro, não tendo o apoio do Carnide, dificilmente conseguiria convencer o Orelhas a alinhar na centralização. Só não sei até que ponto não era possível fazer a proposta numa AG da Liga, proceder à sua votação e comprometer os clubes dessa forma. Mas como andou a dormir este tempo todo, agora é sua obrigação alcançar um acordo igualmente vantajoso para os restantes clubes, sobretudo os pequenos que dependem da negociação em pacote. E é bom que meta as mãos à obra, enquanto ainda tem o apoio do Sporting e Fruteiros. Abriu-se uma janela de oportunidade para avançar com o projecto e negociar o pacote em alta (repito, se for permitido em termos legais negociar sem o Carnide estar incluido no pacote) mas se o “querido” Proença continuar com a inércia que já demonstrou na altura da não ratificação do sorteio dos árbitros na FPF, arrisca-se a ser um dos presidentes da Liga mais efémeros da história do futebol português e perde todo o apoio que o Sporting, Fruteiros e restantes clubes depositaram nele. O comunicado que emitiu é absolutamente ridículo de demonstra bem como andou a leste de todas as negociações que estavam a ocorrer. Neste momento, Pedro Proença vive o teste mais duro à sua carreira de dirigente. Ou emerge disto com uma solução inesperada ou cairá pela inépcia de ter ficado a ver a banda a passar e nada ter feito para cumprir o que prometeu.

PS: A génese de tudo isto está na soberba do Carnide em achar que sustenta o futebol português e que, por isso, deve receber muito mais do que aquilo que lhe é devido. Esta é a maior falácia disto tudo. As assistências entre os 3 grandes não diferem muito nos jogos em casa, nos jogos fora até tem sido o Sporting a arrastar mais gente, o mito dos 6M de adeptos já se viu que é mentira e em nr de sócios os dois rivais estão praticamente equiparados. O que o Carnide quer não é apenas receber mais dinheiro que os rivais (essa questão é pacífica entre todos) mas sim criar um fosso entre os 3 tal que lhe permita ganhar sem dificuldades. No dia em que o Carnide perceber que o futebol português não pode ser a sua coutada privada, talvez nesse dia poderemos ter uma FPF independente, um Conselho de Arbitragem independente, um Conselho de Disciplina independente, castigos implacáveis para quem prevarica, um negócio rentável e protegido e clubes pequenos a evoluirem ao mesmo ritmo que evoluem os grandes. Até lá, vai ganhando a chico-espertice.

* todas as sextas, directamente de Angola, Sá abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!