Bruno de Carvalho escreveu um artigo de opinião a arrasar Pedro Proença. A primeira pergunta que os sportinguistas fazem tem a ver com a coerência (ou a falta dela) em arrasar publicamente alguém que o próprio apoiou. Bom, não sei se será a primeira mas que esta pergunta figura na lista, disso não tenho dúvidas.

Na minha opinião, esta questão não deve ser abordada pela coerência porque esta só se aplica quando essa coerência está presente nos dois lados. Quando ela se perde num dos intervenientes, parece-me natural que os outros comecem a questioná-lo. E é aqui que entra a exigência. Bruno de Carvalho apoiou Pedro Proença porque, provavelmente, lhe foi dito que algumas coisas seriam feitas. A partir do momento em que se verifica que o presidente da Liga não tem capacidade ou vontade de cumprir o que prometeu, quem o apoiou não pode ficar calado. Os factos estão à vista de todos: Pedro Proença falhou (ou está a falhar) em praticamente tudo o que se comprometeu fazer. A começar pela ratificação do sorteio, passando pela centralização dos direitos e a acabar na valorização do negócio, não há um item que se conheça que tenha sido intervencionado pelo ex-árbitro com sucesso visível. Neste momento e olhando para o resultado das matérias acima referidas, só existe um clube que deve estar satisfeito com a acção (ou falta dela) de Pedro Proença e esse clube é precisamente aquele que não lhe endereçou o seu  apoio. Isto pode ser visto de duas formas (e ambas são graves): ou Proença é incompetente ou traiu todas as ideias com as quais se apresentou para ir a votos. Um exemplo: quem defende a centralização dos direitos televisivos não pode valorizar e elogiar um negócio que a coloca em causa! Isto é de La Palisse. Ao tentar agradar um clube está a ir contra todos os outros que acreditaram nele.

E eis que passamos para a Imagem. O azar de Pedro Proença e de todos os artistas do futebol português é que o presidente do Sporting está-se marimbando para a sua própria imagem. Se for preciso passar por incoerente, passa. Se for preciso fazer inimigos, faz. Em suma, se for preciso correr o risco de chamuscar a sua imagem, BdC fá-lo sem hesitar. Desde que isso sirva os interesses do Sporting. Em sentido contrário, Proença é incapaz de o fazer. Tal como gasta quantidades industriais de brilhantina no seu cabelo, também as suas palavras são cuidadosamente adornadas para agradar toda a gente. É impossível ser “o Presidente de todos os clubes” quando existem, pelo menos 3, que estão nas antípodas. Assim sendo, Proença tem é de ser o Presidente das suas ideias. Infelizmente, o “querido” é apenas e só o Presidente da sua própria imagem.

É perfeitamente legítimo que os clubes que o apoiaram se sintam defraudados. E é absolutamente imperativo que se manifestem na exposição dos seus erros. Se o “querido” julga que passa por entre os pingos da chuva até chegar a Presidente da FPF, deve lembrar-se que os mesmos clubes que o apoiaram poderão ser os mesmos que o farão cair. As operações de charme ao Carnide só fariam sentido antes do negócio com a NOS e mesmo essas só se justificariam se o resultado fosse ao encontro da centralização. Pois não foram. E a reacção do Proença a esse facto confirma apenas a sua verdadeira intenção: o poder pelo poder. O ex-árbitro nunca quis a centralização, apenas usou-a para conquistar votos. Nem nunca quis defender os clubes, apenas usou-os para chegar ao poder. Nem sequer quer mudar nada, apenas quer continuar a subir até ao topo da pirâmide, a FPF.

Há duas consequências para isto. A primeira, e tendo em conta o silêncio dos Fruteiros e a aproximação ao Carnide, será uma nova aliança de ambos os clubes à volta do ex-árbitro e o risco de voltar a um passado recente, o da bipolarização. A segunda, será a revolta dos restantes clubes com a possibilidade do Sporting liderar essa revolta. Bruno de Carvalho ainda tem uma jogada política que poderá virar o tabuleiro: a negociação dos direitos. Tendo em conta que já existem negociações com o Sporting, BdC devia aproveitar para obter o acordo do maior nr de clubes possível para negociar em pacote e valorizar a proposta final. Uma espécie de centralização sem Carnide, que mandou a ideia às malvas, eventualmente sem Fruteiros, que provavelmente negociarão individualmente porque têm relações privilegiadas com Joaquim Oliveira e sem Pedro Proença que foi o segundo a abandonar o barco mergulhando imediatamente a seguir ao Carnide. Em todas crises, más decisões ou erros surgem oportunidades. A do Sporting é fazer, em concreto, algo que o futebol português precisa como de pão para boca. E se fizer isso sem Fruteiros, sem Carnide e sem Proença, ficará claro para toda a gente quem quer um futebol sustentável e quem não quer. E depois disso, BdC terá todo o apoio que necessita para avançar com as reformas que propôs quando tomou posse. A dificuldade em conseguir isto está, obviamente, nos dirigentes desses clubes pequenos que continuam demasiado dependentes dos nossos rivais. Porém, se há algo que pode mudar isso é o dinheiro. Se o Sporting proporcionar um encaixe maior, tudo o resto cai por terra porque o dinheiro é a única motivação da maioria desses dirigentes. Portanto, se eu fosse BdC, promovia reuniões às claras com todos esses clubes e fazia um ultimato ao Proença. Se ele quiser fazer parte da solução, que entre a bordo e assuma a única forma que resta de tentar fazer algo remotamente parecido com a centralização dos direitos. Os próprios Fruteiros seriam bemvindos a liderar o processo com o Sporting, mas duvido que estejam interessados em perder dinheiro, sobretudo com nîvel brutal de despesa que têm. A questão chave é que já nenhum clube confia em Proença para negociar em seu nome e os únicos players com poder de negociação são o Sporting e Fruteiros. Tal como a Premier League nasceu de uma reunião entre os clubes mais representativos de Inglaterra, qualquer hipôtese de negociaçáo em pacote só é possível com um  ou mais dos 3 grandes a liderar o processo. Isto parece-me inegável e por mais gel que o Proença ponha na guedelha nunca será capaz de convencer nenhum operador que os jogos do Moreirense (com todo o respeito) valem uma pipa de massa. Porque não valem. Mas se o Sporting liderar o processo, tudo muda. E se BdC for tão competente a negociar como tem sido noutras áreas do clube, esta poderá ser a melhor oportunidade que os clubes têm para evoluir.

Tentando dar uma de Prof. Bambo, este ataque ao Proença poderá estar inserido na estratégia que expliquei acima. Ou não. Eu gostava de acreditar nisso. Se a centralização convencional foi inviabilizada, a negociação em pacote é livre de ser feita desde que existam clubes interessado nela. Se tal acontecesse, seria a maior chapada de luva branca que tanto os rivais como o Proença levariam do futebol português e acabaria por isolá-los na sua própria ilha onde os seus interesses pessoais colidem com os interesses da colectividade. O facto de ser Bruno de Carvalho a dar essa chapada seria apenas a cereja em cima do bolo.

 

* todas as sextas, directamente de Angola, Sá abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!