… Ronaldo e Nani têm dinamitado a defesa da Bélgica, mas há um menino que está a encher o campo. João Mário está um verdadeiro craque!
«Pai, o que é um craque?»
A pergunta sai com a curiosidade máxima de uma criança que ouve um dos seus ídolos serem apelidados de algo que não conhece.
«Um craque é um jogador mesmo, mesmo bom! O Ronaldo é um craque, por exemplo»
«Ah… e olha que é mesmo verdade! O João Mário é um craque!»

Foi nesse momento que decidi escrever-te esta carta, João. E foi desde esse momento que tenho pensado que tipo de craque és tu. Tu que, como diz a minha filha, parece que jogas em bicos dos pés, numa visão tão certeira quanto bela, pois se há gajo que aproxima o futebol de um bailado, és tu. Aquele teu toca no chão que quase não toca, como se as chuteiras fossem pantufas e a bola fizesse parte de ti. Nem olhas para ela, caraças, pois, qual bailarino, tens uma postura a manter: peito feito, costas direitas e cabeça levantada, combinação perfeita para leres tudo o que te rodeia. Como se movem os teus, como se movem os outros. Os teus a quem dás a bola sempre redonda, os outros que parecem incapazes de ta tirar.

E é assim que tu decides o ritmo que o jogo tem. Sim, tu, o tal que foi acusado de falta de intensidade por aqueles para quem intensidade é fazer um carrinho à altura da cintura. Aqueles que não percebem que a intensidade do jogo depende tanto, mas tanto, de ti. És tu que decides se ele acelera ou se deve congelar. És tu que te assumes como cérebro (confessa, por ti ias receber as bolas todas), mas também sabes ser músculo quando se trata de arrancar com a bola controlada rumo à muralha adversária. Os nossos vão atrás de ti, do teu ritmo, do que achas ser o mais acertado para a equipa. E fazes tudo isto com aquele ar de quem está ali, junto à linha, a ver jogar. Não gritas, não gesticulas, não simulas faltas que não sofres. Queres jogar à bola e essa tua vontade explode quando a bola entra, rematada por ti ou por outro, num desfraldar de felicidade verde e branca. Aí, sim, mostras a alma naquele raio de sorriso que fazes entre a alegria e o gozo.

No meio de tudo isto, dizem que tens coisas de Pedro Barbosa e relembram aquele que disseste ser o teu ídolo, Zidane. E eu dou por mim a pensar que raio de craque és tu? Mergulho na história do meu Sporting que também é teu e procuro nomes dos quais tu sejas extensão. Não é fácil, acredita, até porque na maioria das vezes o que se inscreve no meu pensamento é que tu és o nosso Iniesta. Mas, depois, vejo-te ali, à direita ou à esquerda, qual médio criativo mascarado de extremo, pronto a flectir para dentro ou a atacar o espaço vazio e surge-me um nome: Silas. Sorrio. Pouco, claro, para não dar muito as vistas como tu fazes. É, há um bocado grande de Silas em ti, embora não pareças tão rápido. Mas a genialidade, a postura, a calma, estão lá. E, esta época, começam a aparecer, cada vez mais, a capacidade de marcar golos, de tentar o remate de longe, de ser o jogador que decide partidas. Não sei se, como o Paulo, te tornarás temível na marcação de livres. Mas sei que tens 23 anos e o mundo na tua mão. Tudo depende de ti, João, na certeza de que, se continuares a dar passos certeiros, chegará um momento da história em que uma criança perguntará ao seu progenitor, «o que é um craque?». E ele, se gostar tanto de contar histórias quanto eu gosto, aproveitará para dizer-lhe «sabes, quando eu era mais novo, havia um craque do caraças no Sporting. Jogava em bicos dos pés e nem olhava para a bola, por isso parecia que fazia magia. Por isso chamavam-lhe João Mago…»