Olá, Jorge.
acredito que aches estranho que só agora, um ano depois de teres sido apresentado como treinador do Sporting Clube de Portugal, eu esteja a dedicar-te um post. Mas olha que a explicação até é bem simples: no meu interior, não foi assim tão pacífica a tua chegada ao meu clube.

Não, a tua qualidade como treinador nunca esteve em causa e, pese todos os empurrões, cavalitas e colinhos que tiveste do outro lado da segunda circular, obviamente que existiu mérito naquilo que foste conquistando, nomeadamente nas épocas em que perdeste alguns dos melhores jogadores e soubeste fazer as adaptações que te permitiram continuar a vencer. Aquilo que mexia comigo era o teu lado Rod Stewart, mas na versão pop star arrogante e irritante, quase mesquinho na forma como utilizavas o teu discurso. Se preferires, expressões como o “limpinho, limpinho” ecoavam no meu cérebro de cada vez que percebia que estavas perto de tornar-te o novo treinador do meu clube e tinha que respirar várias vezes quando me lembrava dos diversos momentos em que te sentavas sobre uma grandeza balofa e fingias estar a olhar de cima todos os outros.

Chama-me “xoninhas”, chama-me o que quiseres, mas esse tipo de postura desagrada-me e, pelo menos no meu entender, não é condizente com o a forma de estar do meu Sporting. Que, já se dizia há muito e veio a confirmar-se, também é o teu Sporting. Vi-te, na apresentação, a inspirar e a expirar para controlares as lágrimas quando passou o filme que incluía o teu pai. E nesse momento lembrei-me do tipo que, na Reboleira, apesar de já se achar mais tanta coisa que todos os outros, despia essa pele e pagava “sumóis” laranja aos putos que viviam a alegria do Estrela da Amadora estar na primeira divisão. Nesse momento, agarrei-me à imagem do despentear de cabelos e do sorriso quando os putos, muitos deles sonhando serem jogadores da bola, bebiam o “sumo com borbulhas”. E lembrei-me de como, em conversa com amigos meus comentávamos que o pessoal gozava contigo a chamar-te Cruijff da Reboleira e não percebia porque raio é que o Felgueiras jogava em 3-4-3 e porque é que, mesmo perante o espectro da descida de divisão, nunca abdicaste deste futebol positivo.

E, assim, preparei-me para uma época onde teria que conviver com os dois “Jorges”: o que me incomodava pela presunção e pela arrogância; o que me fascinava pela quase obsessão pela capacidade de colocar as suas equipas em constante superioridade numérica na zona mais importante do campo (como já sei que estão a perguntar, a resposta é “onde está a bola”, seja para anular onde o adversário pode causar perigo, seja para golpeá-lo no lugar mais frágil).

As expectativas não saíram goradas. Esse teu estudar do que o Cruyff trouxe ao futebol valeu-nos uma época do cacete, mesmo jogando sem os extremos puros de que tanto gostamos para termos gajos capazes de, lá está, flectir para dentro e dar-nos a tal superioridade. A melhor de sempre, em termos pontuais, não coroada com a conquista do campeonato porque não soubemos contornar alguns problemas próprios (nomeadamente a ausência de uma muleta para Slimani quando o Gloria a Dios aproveitou o verão do outro lado do mar ) e porque tivemos paragens cerebrais como não dar uma porrada ao gajo do Tondela que se isolava ou falhar golos em cima da linha em Guimarães e na recepção ao lampiolhos. E, claro, porque voltámos a contar com fantásticas exibições dos moçoilos do apito que, no final do campeonato, são suficientes para valerem uma mão cheia de pontos que tornariam a história bem diferente. Por outro lado, o Jorge irritante também marcou presença várias vezes, acabando, inclusivamente, por não perceber o momento certo para terminar com os mind games (bem trabalhados no início) ou para direccionar o seu discurso para o todo e não para o ego.

A verdade é que o tempo foi passando e este texto, que te escrevo agora, ia ficando na gaveta. Não de propósito, talvez, inconscientemente, acreditando que, tal como eu me adaptava à tua presença de Leão ao peito (eu tenho uma categoria de post intitulada “Deus me livre de ter o Jesus”, portanto…), tu te adaptavas à pele de treinador do Sporting. Que te adaptavas a adeptos que, na sua maioria, odeiam bazófia. Que te adaptavas a um clube onde o “como se ganha” é mais importante do que simplesmente ganhar. Que percebias que, na sua maioria, este clube é feito de adeptos que não gostam de profissionais que colocam o “eu” à frente do “nós”. Que sentias na pele a dureza de, umas 25 vezes em cada 34 jornadas, ter que jogar contra 14. Que percebias que aqui não tens Mendices que te trazem trazem mexicanos por 22 milhões em troca de argentinos que custam 25 e que pelo meio entra um brasileiro que permite a cada um dos envolvidos arrecadar uns milhões. Que aqui não há camiões de jogadores e reforços de cada vez que queres. Que aqui tens que conviver, diariamente, com a máquina de propaganda que, ao invés de te vender como sabor de gelado para a testa, te vale ataques transversais na comunicação social.

Por tudo isto, hoje, acredito que estás bem mais identificado com o que é ser do Sporting. Porque, depois de teres estado no outro lado, naquele que faz mexer os cordelinhos nos bastidores, levaste um banho de realidade. Porque percebeste o que é ser um alvo constante de ataques, ao invés de ser transformado em Exterminador Implacável ou em Homem de Ferro em capas de jornal. E isso só pode ter sido bom. Só pode ter-te tornado, cada vez mais, um dos nossos. Só pode ter-te dado mais vontade de trabalhar com os putos, porque aqui os putos não são manéis nem precisam de nascer mais nove vezes para serem melhores do que um “ic”. Porque aqui as vitórias custam mais, mas sabem muito melhor, tal como um refrigerante original face à sua cópia manhosa de marca branca.

E é só isso que te peço: que sejas o gajo capaz de olhar para os dois percursos do seu passado recente e perceber a diferença. Que sejas o gajo que, ainda recentemente, se emocionava no lançamento do livro de alguém que ambos conhecemos. E que continues a ser o gajo louco pela criação de desequilíbrios favoráveis que tornam o nosso futebol tão entusiasmante. Porque é a este gajo que, e Maio do ano que vem, eu quero poder dar um abraço e pagar um Sumol laranja em nome dos novos velhos tempos.