Ao fim de dez minutos, já se tinha percebido o filme. Afinal o Moreirense, vendedor de futebol positivo nas três primeiras jornadas, chegava a Alvalade e enfiava cinco homens no centro do terreno. Cauê, Neto e Schons, os três médios, tinham a companhia de Nildo e de Dramé, que em vez de serem alas/extremos tinham como principal preocupação ocupar a zona interior e obrigar unicamente o Sporting a jogar por fora. E o Leão, que gosta de atacar a presa sem deixá-la perceber que zona “do corpo” deve defender, aborreceu-se.

Aborreceu-se e, diga-se em abono da verdade, precisa de tempo para fazer esquecer as movimentações a que a equipa estava habituada com João Mário. Há um novo processo em marcha, ontem duplamente posto à prova pela ausência de Bryan Ruiz, o Sr. Inteligência, homem capaz de perceber quando tem que vir para dentro ou jogar por fora. Campbell mostrava-se pouco inspirado face ao espartilho (vá lá, vá lá, não ter havido uns assobios daqueles ansiosos crónicos que já usavam a palavra “barrete”), Bas Dost não tinha bola e quando tinha era de cruzamentos pouco apelativos. Mas ser predador é isto mesmo: saber se paciente. E quando William apareceu ali mais perto da área com tempo para pensar, os mais de 44 mil em Alvalade ajeitaram o bigode a la Eddie Murphy (mesmo quem não tem bigode fez o gesto inconscientemente) e arregalaram os olhos para ver Gelson Martins dizer a Bas Dost que tem o dobro da sua velocidade e chegar à bola primeiro que toda a gente. O resto foi pura classe do miúdo da cantera verde e branca, o mesmo que já havia decidido contra o fcPorto, o mesmo que decidiu pela selecção, o mesmo que vestindo outras cores já teria feito dez capas de jornal em duas semanas.

Explosão de alegria em Alvalade e Jorge Jesus a respirar de alívio frente a uma das equipas que já orientou (e perdeu 1-3 com o Sporting, com golos de Douala, Sá Pinto e Liedson). Ao segundo tiro (o primeiro tinha sido um bom remate cruzado de Schelloto) a turma de Alvalade passava para a frente do marcador e passados seis ou sete minutos ficava com o jogo totalmente na mão: Neto tem uma entrada estúpida, de pitons, à canela de William e vê o segundo amarelo (mais ou menos o que aconteceria todos os jogos ao rapazinho que joga a defesa direito na agremiação de Carnide). Pelo meio, um susto para a turba leonina, com um livre de Alan Schons a falhar por pouco a mira ao canto superior esquerdo da baliza de Rui.

Ao intervalo, Jesus deve ter queimado as orelhas aos seus jogadores e há mesmo quem diga que Cantona desceu do camarote e subiu as golas da camisa para pôr a rapaziada em sentido. Rumores à parte, a verdade é que a segunda parte foi um regalo para os olhos e para os sonhos dos adeptos leoninos. Bas Dost deu o primeiro aviso (belo movimento de inversão de pés na tarefa de retirar o defesa da frente e de rematar), Adrien rematou o segundo. E se não dava com os pés, deu com a cabeça: Alan Ruiz colocou com conta peso e medida na cabeça de Campbell e o tico fez um gesto técnico de craque para metê-la lá dentro (ehhhhhh Makaridze, ai!). Joel festejou com vontade e Bas Dost não lhe ficou atrás. Sim, o holandês pode ainda não ter os níveis de agressividade de Slimani a pressionar a defesa contrária, mas teve a agressividade do argelino a disputar uma bola no chão. O resultado foi a redonda a beijar a rede (ehhhhhh Makaridze, ai!) e o ponta de lança a festejar como se fosse um personagem do filme 300 e estivesse pronto a iniciar uma batalha.

Depois, deu para tudo. Para Alvalade dizer a Adrien que aquela é a sua casa, para Elias voltar a jogar de verde e branco, para Gelson Maravilha dar o seu lugar a Markovic, para BDost inventar um passe de calcanhar que acabou numa bomba de Alan Ruiz, para André deixar de ser Balada para passar a ser Filipe e ter vários pormenores de craque e para Rui, já em fase de total descompressão pré- Madrid, mostrar ao adversário porque é que os adeptos gritam o seu nome quando se torna maior do que a baliza que defende. E até faz todo o sentido ter sido ele o último a brilhar: é que numa altura em que Jorge Jesus luta contra o tempo para olear a máquina com as peças novas, o numero 1 leonino será, sempre, trave mestra deste algo bom que, ontem, teve o seu início.