Com tudo o que tem sido escrito e dito nos (demasiados) programas e jornais de futebol sobre o encontro de Cristiano Ronaldo com o Sporting Clube de Portugal, há um tema que tem sido rebatido e discutido ao máximo: a formação de Alcochete e as pérolas que tem dado ao futebol europeu.

No entanto, e esta é uma opinião extremamente pessoal, a discussão parece-me sempre, ao fim do dia, demasiado superficial e pouco aprofundada. Parecemos o Ajax, ou o Barça ou o Manchester United (que coitados, nem podem comparar-se a nós nesses aspecto). Ou então somos mais Partizan ou Bayern de Munique. Ora, a única coisa que estes clubes têm em comum é que, no seu respectivo país, têm sido os maiores impulsionadores do futebol local e os que mais contribuiram para a revelação de jovens talentos nacionais. Mas o modelo, os recursos, a filosofia e até o investimento, são coisas completamente diferentes.

De há uns anos a esta parte, principalmente desde que Vieira quis mostrar ao mundo que também ele investia na Academia de jovens jogadores, o tema formação tem vindo a ser batido e rebatido entre rivais em mesas de café. Como quem fala de um penalty inventado, ou de um jogador que é um flop, de um presidente que é um frouxa. Conversa-se sobre formação e sobre estes jovens jogadores como se de pedras de arremeço se tratassem, como se fossem moeda de troca numa simples discussão facciosa entre dois adeptos de clubes rivais. E isso criou a ilusão de que todos nós poderíamos discutir uma ciência que desconhecemos.

A verdade é que são poucos os comentadores desportivos e jornalistas da área que nos demonstrem conhecimentos profundos sobre aquilo que é um jovem jogador e o seu percurso. Então joga-se o jogo que eu tanto adoro: o das estatísticas. “O Manel está a um golo de ser o mais jovem com mais golos”; “O Zé é o mais jovem na Champions”; “O Manel bateu os recordes de sprint do Nani”; “O Zé tem tantos golos como o Manuel Fernandes no primeiro ano”. Tudo factos, certo, que nos são atirados com o nome de um grande jogador ao lado, para enfatizar o feito. Como se o futebol fossem números, como se o Figo fosse pior jogador que o Pauleta, apenas porque o último acertou mais vezes nas redes.

Mas depois aperecem os homens que mudaram o panorama da formação em Portugal. Homens como Aurélio Pereira, homens que pegaram em cartas e espalharam pelo país, em busca do próximo craque a ser desenvolvido. Homens que fazem de tudo para criar o melhor jogador possível, sem esquecer o humano. E ouvi-lo apenas 10 minutos basta para compreender que a discussão publica da formação em Portugal tem tido o tom errado, a ideia mais odiosa e os resultados práticos do costume: o Sporting continua a lançar craques todos os anos, os outros conseguem-no mais faseadamente.

Caímos todos na esparrela. É certo. Muitos são os adeptos sportinguistas ansiosos por ver um míudo criado no Benfica ou no Porto falhar. Apenas para lhes poder esfregar na cara que, afinal, tanta conversa lhes deu pouco resultado prático. Uma prática que abomino e que tem claramente de ser substituída com o discurso positivo. Ninguém poderá nunca, em Portugal, comparar a enormidade de Alcochete à de qualquer outra Academia. E, se as Bolas de Ouro não chegam para a argumentação, eu digo apenas: Gelson e Rúben. Dois jovens que se estabelecem no onze, duas revelações, que provam que a morte do nosso modelo está longe de estar próxima.

“Não queremos equipas vencedoras, queremos jogadores vencedores”, diz Aurélio Pereira quando explica o que é, afinal, diferente no Sporting. Porque os rivais se preocuparam com as capas, os títulos, os convocados das selecções. Tudo números, tudo para jogar o jogo da estatística, tudo para poder argumentar na fraca discussão que se vai mantendo sobre a formação em Portugal, que enquanto não for profunda e embelezada ficará sempre mais pobre.

No Sporting, a formação não é bandeira. Não é Bruno de Carvalho, nem Jorge Jesus, nem Paulo Bento, nem Godinho. No Sporting a formação é o passado, o presente e o futuro. No Sporting existe uma forma de estar, de respirar e de trabalhar que nos permite passar de um William Carvalho para um João Mário e logo de seguida para um Gelson, tudo no espaço de 3 temporadas. O Sporting tem o dever de o continuar a fazer, os adeptos têm o dever de o continuar a exigir e, todos juntos, apontar os holofotes para o que de bom fazemos e não o que de mau os outros fazem. Nesse campo ganhamos sempre, e o nosso futebol também.

*às terças, a Maria Ribeiro revela os seus apontamentos sobre as novas gerações que evoluem na melhor Academia do mundo (à excepção do Dubai)