No Sábado passado fui jantar sem fome. Estava já cheio. Não é que na barriga tivesse alguma coisa que pudesse dar essa sensação, mas a nervoseira de ver o meu Sporting fazer um dos piores jogos que tenho memória frente a um adversário que de futebol conhece apenas a expressão “bem fechadinhos lá atrás” encheu-me o estômago de raiva.

Sentei-me à mesa e fiz o favor ao resto do agregado familiar de fingir que estava muito feliz de partilhar aquela refeição, de estarmos num sábado a aproveitar de um belo repasto, mas ao invés de serem emoções reais não passavam de réstias de bom senso, tudo na minha cabeça transbordava de imagens de jogadores do Sporting completamente em pânico a chutarem a bola sem critério a reduzirem-se a imagens de atletas amadores e não os tais craques que estiveram a um livre mal assinalado de vencer no Barnabéu.

A minha raiva não impediu a ingestão de alimentos, nem sequer de participar nos diálogos que se foram criando entre uma garfada e outra, ao longo dos anos que se foram passando na minha vida curricular de sportinguista desenvolvi uma capacidade admirável de fazer várias coisas com sintomas físicos e psicológicos de depressão aguda passageira. Consigo fazer tudo depois de um mau resultado do Sporting, mas faço-o recorrendo a todas as reservas de “happy thoughts” que tenho, esgotando o reservatório de “isto vai acabar por correr bem” até ao ponto que ter de reflectir muitas vezes se não seria mais feliz se não gostasse de “bola” e vivesse como muitas pessoas que acordam para o fenómeno desportivo 10 minutos antes de entenderem que a sua equipa remotamente favorita vai perder ou ganhar um título.

Esta paixão, eu gosto de pensar que é paixão mas há muitos indícios de obsessão, tem a especial condição de ser das coisas menos importantes da minha vida que mais me afecta o estado de espírito. Vou dar-vos um exemplo concreto. O Sporting vai a Manchester jogar com o City a decisão de uma eliminatória da Liga Europa, as hipóteses de passar são remotas e mesmo a vantagem magra de 1-0 parece nadas olhando para a constelação de estrelas dos ingleses. A minutos do fim do jogo, o Sporting miraculosamente está em posição de vantagem, mas apenas a um golo de ser eliminado. Eu estou com o carro estacionado à porta de um familiar a quem prometi emprestar uma mala de viagem. O familiar teria de esperar o fim do jogo e eu estou juntamente com 4 ou 5 doentes como eu, especado à frente de um vidro de um restaurante, onde no seu interior, a 10 metros de distância estão a passar as imagens do jogo.

Segundos antes do apito final o City quase marca e nesse preciso momento uma viatura rasa o meu carro e atira o meu espelho para o meio da estrada. Algo dentro do meu cérebro entrou em overheating, devo atender a um prejuízo financeiro ou continuar a seguir o sofrimento no ecrã? O dever deveria ter falado mais alto, mas mais não consegui fazer do que convidar o condutor autor do “sinistro” a descolar-se a uma posição no passeio onde pudesse estar a falar com ele e pelo topo do seu ombro, continuar a seguir as imagens. Fim do jogo. Uma bomba de felicidade explode dentro de mim, mas ao mesmo tempo tenho de dirigir um ar de zangadíssimo ao Fittipaldi (que ainda por cima era lampião). A dimensão do infortúnio de algo que tinha expressão real na minha vida era desprezível comparado com a felicidade de um acontecimento a milhares de quilómetros, que nada traria de bom ao mau ao seguimento do meu dia-a-dia. É este o paradoxo.

O jantar termina e ainda há tempo para mais umas brincadeiras com o puto. A hora de deitar é largamente ultrapassada aos sábados e a infracção tem a cumplicidade de ser absolutamente livre. Depois de aberto o tabuleiro de um jogo, é preciso escolher a cor do pino que nos fará avançar num jogo da glória que costuma estar reservada à “glória” de inventar novas regras (daquelas que só uma criança ou um membro do Conselho de Justiça da Liga têm o atrevimento de criar), mas como dizia, na hora de escolher a cor do pino e como não existem dois verdes há sempre aquele momento em que um de nós terá de ceder.

Como a neura desportiva ainda bate forte, ofereço-me para escolher o amarelo. O meu filho responde-me: “na escola às vezes também tenho de escolher outras cores nos jogos papá”. “Ah sim…” respondo e quando me preparava para continuar a coisa o puto dá-me a estocada final: “É que somos muitos do Sporting. Só o “não sei quantos” e o “não sei o quê” é que são do Benfica”. Aquilo suscitou-me dúvidas e tentei usar o “limpa tangas de crianças”, surpreendentemente a informação passou os 3 níveis de armadilhas e tomei nota mental do assunto para esclarecer mais tarde, se possível.

Ontem, em diálogo com a educadora da sala, assim como quem não quer a coisa, enchi-me de atrevimento e no meio de coisas realmente importantes como alimentação e comportamento fiz full speed na tontice e perguntei: “Só por curiosidade e porque me interessa o tema, o meu filho diz-me que aqui na turma são quase todos do Sporting, isso é verdade?”. A resposta deflagrou mais uma bomba de felicidade interna, acreditem ou não, tão grande como a tal do City em frente ao vidro do restaurante. “Engraçado não é? Sim, só uma menina e um dos meninos são do Benfica…eu também achei estranho, mas é mesmo assim”. Não continuei o assunto, mas o regresso a casa foi feito a contemplar o contraste da minha infância com a do meu puto. Eu era 1 dos 4 ou 5 leões no meio de 20 ou 25 benfiquistas… o meu filho é 1 dos 19 ou 20 sportinguistas no meio de 24 ou 25 miúdos.

E este ponto foi o fim de mais uma curta depressão. Durou 3 dias. Por pior que me “estrague” passa sempre.

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca