Marco é mais velho do que Flávio por… cinco minutos. Os gémeos de Sesimbra nasceram com o bichinho do futebol. Têm Paixão no nome e foi esse sentimento relativamente ao desporto-rei que os levou a correr mundo. Da Escócia à Polónia, passando pelo Chipre, República Checa e pelo Irão, onde chegaram a temer pela vida, os dois irmãos começaram no FC Porto B, pese embora o facto de o clube do coração ser outro: o rival que veste de verde e branco. “Somos loucos pelo Sporting”, diz ao Bancada Flávio Paixão. Já lá iremos…

Em Junho de 2005, Flávio e Marco Paixão chegavam à cidade invicta cheios de sonhos. Fizeram sensivelmente uma dezena de jogos ao serviço da equipa B dos dragões, com Aloísio como treinador, mas o encerramento das equipas secundárias acabou por dar um novo rumo (marcante) às suas carreiras. Andaram, então, pelos escalões secundários de Espanha até chegaram ao Hamilton, da Escócia, a primeira experiência fora de portas. “Fomos apanhados de surpresa com o encerramento das equipas B e decidimos ir em busca do nosso futuro no estrangeiro”, lembra Flávio Paixão. O primeiro choque, depois da passagem por Espanha, teve lugar na Escócia. “Encontrámos uma cultura mais fechada. Muito frio, chegámos a ter 16 graus negativos, muita chuva e pessoas muitas negativas, sem abertura”, diz Flávio.

O pior ainda estava para vir. “O Irão foi a grande lição da nossa vida. Nunca perdemos nada na vida, aprendemos sempre”, refere Flávio, sustentado por Marco. “Passámos por situações muito difíceis e até para sair do país foi difícil. Não queriam deixar-nos sair de lá. Muitas vezes as pessoas não dão valor ao que é viver na Europa, mas nós por experiência própria dizemos: ‘desfrutem disso’. Aqui somos livres. O dinheiro não é tudo.”

Neste contexto, os gémeos deixam um conselho aos jovens: “Não se deixem iludir. Algumas vezes quando somos jovens e inexperientes, embarcamos em experiências que não passam de uma ilusão.” “O dinheiro não é tudo”, volta a sublinhar Flávio.

Flávio e Marco chegaram a temer pela vida. Para além do que passaram no quotidiano numa cultura bastante diversa, depararam-se ainda com um… terramoto naquele país da Ásia Ocidental. “Quase que ficámos todos lá debaixo”, recorda Flávio, acrescentando: “Estávamos com o João Vilela e o Anselmo e tememos o pior com um tremor de terra de 6.3 na escala de Richter.”

“Aprendemos e crescemos muito com tudo o que passámos no Irão a nível mental e de atitude”, diz Marco. “A partir dos 26/27 anos a nossa carreira entrou no rumo certo e começaram a aparecer coisas boas, das quais nos orgulhamos.” Tudo somado levou a que a experiência na Polónia tenha sido encarada como uma espécie de “bênção.” Os gémeos reencontraram a felicidade e têm sido reconhecidos com diversos prémios, entre os quais o título de melhor marcador, ostentando por Marco (ver foto em baixo).

“Depois de tudo o que passámos, é uma bênção estarmos a viver este momento e estarmos juntos. A nossa vida tem sido uma luta constante, sem ajuda de ninguém no futebol”, sustenta Marco. “Somos duas referências da Liga polaca, conquistámos o nosso espaço e é muito bom recebermos constantes mensagens de parabéns pelo que temos feito por Portugal e por Sesimbra”, refere, sem falsas modéstias.

Na época passada, apesar dos 29 golos apontados pelos dois irmãos (19 de Marco, ponta-de-lança, mais 11 de Flávio, extremo) o Lechia Gdansk acabou por perder o título de campeão na última jornada. O objetivo da época que se inicia já na próxima sexta-feira não podia, neste cenário, deixar de passar pela conquista do campeonato. “É essa a nossa ambição e é por isso que trabalhamos”, frisa Marco, o melhor artilheiro da época passada, que fez história no Gdansk ao efetuar dois “hat-tricks”. Não é por acaso que os gémeos são um sucesso de marketing do clube situado na foz do Vístula.

Apesar do sucesso que estão a viver na Polónia, Marco e Flávio, que têm Cristiano Ronaldo como ídolo – “É sobrenatural e uma referência para nós” -, não receberam qualquer proposta de Portugal. “Não recebemos nada, mas como o futebol vive hoje em dia dos grandes empresários…”

Os gémeos de Sesimbra sentem-se bem na Polónia, mas não escondem que têm um velho sonho que gostariam de concretizar pese embora os 32 anos: jogar de leão ao peito. “Somos loucos, somos fanáticos pelo Sporting”, diz Flávio, acrescentando: “O nosso pai é do Sporting e jogar lá sempre foi o nosso grande sonho. Ainda espero um dia concretizar esse sonho.” Marco é mais contido neste particular, mas como o sonho comanda a vida… “É muito difícil, mas nunca se sabe. É o sonho das nossas vidas vestir de verde e branco.”

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