Hugo Canela, de 37 anos, estreou-se como treinador principal levando o Sporting ao título nacional e à conquista da Taça Challenge. Foi um feito inédito, mas garante que não se sente pressionado.

canela3

Teve grande fatia de mérito nos bons resultados da última época ou nem por isso?
Um treinador é sempre avaliado pelos resultados. Ninguém avalia processos. Mas quero acreditar que os processos estão bem e que os resultados são consequência deles.

Qual foi o seu toque pessoal nesses processos?
Nunca fui uma pessoa muito talentosa. Sempre tive de trabalhar muito. Mesmo quando era jogador não era o mais talentoso e virtuoso, mas se calhar era o que trabalhava mais. E isso era uma vantagem. Sei o que tenho de fazer para que tudo corra bem e que, basicamente, é trabalhar muito. Se tiver que não dormir para que as coisas aconteçam, então não durmo.

Teve logo excelentes resultados: conquista do título nacional e de uma prova europeia. Já sente o grupo na mão?
Podia ter exatamente os mesmos jogadores da época passada que a dinâmica do grupo não ia ser igual. As coisas mudam. Por exemplo, se um atleta não tinha contrato e agora passa a ter, isso já muda muito. Ou um outro que jogava mais agora pode vir a não jogar tanto. Tudo isso muda a dinâmica. Portanto, se disser que controlo perfeitamente a equipa, não é cem por cento verdade. Posso é dizer que a minha forma de estar e de ver as coisas me pode fazer crer que a época vai correr bem.

O que acrescentou a esta equipa?
A nível defensivo, tentei que fosse muito mais agressiva, mais equipa, o que se notou em alguns jogos, essa coesão da equipa, a confiança e a estrutura.

Para além do mérito do Sporting, concorda que também houve demérito do FC Porto?
Sorte é na roleta russa. Desde que peguei na equipa só tive uma derrota e dois empates, enquanto o FC Porto teve quatro derrotas. Fiz tudo o que estava ao meu alcance para não perder pontos e recuperar os que tinha perdido.

Foi justo o prémio de melhor treinador das modalidades do Sporting?
Foi consequência de termos estado 16 anos sem ganhar o campeonato. Os adeptos ficaram contentes e manifestaram assim o seu contentamento.

Ainda anda nas nuvens ou já desceu à terra?
Sempre estive na terra. Só devo ter desfrutado o título para aí uns dez minutos. Fui campeão a uma quarta à noite e às 8h30 da manhã de quinta-feira já estava a dar aulas, a alunos do 11.º ano. Quando o jogo acabou, olhei para o resultado e pensei: “Muito bom, fomos campeões!” Festejámos, mas, logo na altura, comecei a pensar que tínhamos a Taça a seguir. Fico feliz, mas depois sou um insatisfeito em relação a muitas coisas. Apesar de ter sido campeão, acho que ainda não fiz nada. Ainda tenho muito para provar e para fazer.

Esta época, provavelmente, vai estar mais à prova. As expectativas eram mais baixas e agora, se calhar, vão ser altíssimas…
As pessoas ainda têm dúvidas em relação às capacidades que eu eventualmente possa ter. Sim, vão pensar isso, porque na época passada, para muitos, apanhei uma equipa que já estava feita. De qualquer forma, tenho medo de muitas coisas, mas dessa não.

Tem medo de quê?
De que os meus filhos não sejam felizes ou de não conseguir estar presente se um dia precisarem de mim.

 

Que adversário mais teme?
O que mais temo é o Sporting. Porque as equipas também se derrotam a si próprias; por vezes somos o nosso pior inimigo. As pessoas podem ter mais medo da luz do que da escuridão. Perder pode tornar-se mais confortável do que estar a perseguir todos os objetivos. Estar na luz pode assustar as pessoas.

Os rivais têm treinadores famosos, como Resende, Rito ou Walther. Está em desvantagem?
São pessoas mais experientes e já ganharam mais do que eu. É a realidade e não posso alterá-la. Posso é querer fazer mais e melhor. Não tenho fantasmas em relação aos outros e não me sinto minimamente diminuído ou fragilizado.

Um adepto dizia-me que o Hugo, para ser campeão, só precisa de não inventar. Concorda?
Eu percebo que as pessoas olhem para o plantel e pensem: “Até o senhor das limpezas conseguia.” Mas sou eu que preparo e dou os treinos, que preparo os jogos e, neles, tomo decisões que influenciam os resultados. Não basta sermos os melhores e estarmos sossegadinhos que as coisas acontecem. Não é assim. Durante a semana acontece muita coisa que não se vê. Há a preparação, o planeamento, o estudo do adversário que é transmitido aos jogadores, tentando sempre que a oposição do adversário seja menor. É o que eu faço.

Bruno de Carvalho é pessoa transparente”
“É muito fácil lidar com uma pessoa quando sabemos o que esperar dela. E o presidente Bruno de Carvalho é uma pessoa transparente”, diz Canela sobre o líder leonino. “Quando sei o que esperar de uma pessoa, ela não me vai surpreender. Felizmente que o presidente, para o bem e para o mal, é muito transparente nas ideias e na forma como as transmite. Isso a mim não me assusta. Temos uma boa relação, porque ele diz o que tem a dizer quando acha que o deve dizer e eu estou preparado para isso, porque já sei o que posso esperar dele. Isso não cria conflito nenhum, pelo contrário”, refere.