Vale a pena aproveitar o domingo para dar uma espreitadela a esta entrevista de Sá Pinto, ao Observador. Para a Tasca trago uma selecção das passagens que mais nos são próximas, mas no final tens um link para leres tudo de fio a pavio.

Há quanto tempo, hein?
Ai sim, já tinha visto o Rui?

Uma vez, antes do Newcastle-Sporting, apanhou o meu pai a falar comigo ao telemóvel e interrompeu a conversa para perguntar quem era antes de dizer ‘Olá Rui’.
Ahahahahah, já não me lembrava. Olha, vamos tratar-nos por tu? É melhor assim.

Bora aí. Essa história do Newcastle é 2004-05.
É a campanha para a final da Taça UEFA.

Era um objectivo desde a pré-época ou aquilo foi jogar e logo se vê?
Quando percebemos que a final era em Alvalade, a motivação era total. Ainda para mais, a equipa era boa, muito bem comandada pelo José Peseiro, com um futebol de grande qualidade. A gente divertia-se mesmo a jogar e fomos acumulando bons resultados. Primeiro na fase de grupos, depois a eliminar. Há a tal eliminatória crucial, essa do Newcastle para os ¼ final. Perdemos lá 1-0 e começámos a perder 1-0 em Alvalade. Ou seja, eram precisos três golos para passar às meias-finais e nunca deixámos de acreditar. Por nós, equipa, e por eles, adeptos. Foi um jogo memorável, sobretudo a partir do 2-1. Lembro-me perfeitamente de os ver todos em pé, aos saltos e aos berros, a puxar intensamente. Houve ali uma ligação qualquer entre nós e eles que nos ajudou a superar o Newcastle. O Niculae faz o empate, Beto o 3-1 e Roca o 4-1. Grande noite, como já falámos. Inesquecível a comunhão entre adeptos e jogadores, sempre a acreditar na qualificação para as meias-finais, com o AZ Alkmaar.

Depois CSKA Moscovo.
É o momento mais triste da minha carreira como jogador. Fizemos uma primeira parte fantástica e podíamos ter chegado ao intervalo com dois ou três-zero. Depois, eles deram a volta na segunda parte.

Qual é o sentimento dominante na ressaca desse jogo?
Frustração. É um momento único, chegar a uma final europeia e, ainda por cima, em casa. Ao intervalo, 1-0. E perdemos. É frustrante, muito frustrante. Foi uma coisa inacreditável, infelizmente.

O que é mais frustrante, o ténis ou o futebol?
Ahahahahahah.

Jogaste ténis, não foi?
Joguei federado até aos 14 anos e acumulava com o futebol. A partir de uma certa altura, o meu calendário batia muito e tive de escolher. Jogava ténis no Estrela e Vigorosa Sport, um clube perto do Estádio das Antas e do qual sou sócio há 25/26 anos. Adorava ténis, é o meu segundo desporto.

Tinhas referências?
Tinha, claro: Borg e Lendl. O McEnroe nem tanto, admirava pessoas mais calmas que eu. A nível nacional, Pedro Cordeiro, Cunha e Silva, Nuno Marques.

[…]

Passaste bons tempos no Sporting?
Muito, muito, diverti-me imenso com uma equipa fantástica. Ainda apanhei Figos, Balakovs, Iordanovs, Valckxs. Na primeira época, ganhei a Taça de Portugal. Aquele 2-0 ao Marítimo, numa época em que ainda se jogava de 1 a 11. Entrei a meio com o 15 e ainda estive ali a estorvar a acção de um defesa do Marítimo no lance do bis do Iordanov. Foi um jogo histórico, que devolveu o Sporting aos títulos. Depois, seguiu-se a Supertaça.

Aquele ao Porto?
Exactamente, marquei dois golos ao Eriksson em Paris. Ganhámos 3-0, outro resultado extremamente positivo para o Sporting.

Pelo meio, há aquela dança tribal por cada festejo de golo.
Ahahahahah, pois é.

Quem é que a inventou?
Dominguez, eu e Oceano, acho. Foram tempos divertidos.

[…]

É a apresentação na Real Sociedad, para onde fui um bocado forçado, porque não podia jogar em Portugal, alvo daquele castigo [Artur Jorge]. O castigo internacional era para ser de seis meses, só que depois esticaram para 13. Ora bem, o acordo com a Real Sociedad só ia para a frente se o castigo fosse de seis meses. Quando saíram os 13 meses, fiquei abananado, claro. Mas eles, da Real, acreditaram em mim e ficaram comigo. Foi uma demonstração inequívoca de persistência, também porque ficaram estupefactos pela forma como treinava afincadamente. Via-se mesmo na cara dos jogadores e até dirigentes o espanto deles, como quem diz ‘só vai jogar daqui a mais de um ano e trabalha para o jogo do próximo fim-de-semana’.

E esses 13 meses sem jogar?
Duro, duríssimo. Interminável.

Quem é que te ajudou?
Quem me ajudou? Os meus pais, a minha irmã, a minha mulher, que tinha acabado de dar a Leonor à luz.

E a malta em San Sebastian?
Muita garra, muito nacionalista e também muito afável. Comigo, o tratamento foi sempre excelente, quer nas ruas, quer no estádio. E aquela rivalidade com Espanha, porque eles dizem-se bascos, é uma coisa intensa.

É uma cidade divinal, um paraíso escondido.
Para comer, não há melhor. Não sei se é a melhor cidade do mundo, mas espanhola é de certeza. Basta ver a quantidade e qualidade dos chefs bascos: Martin Berasategui, Juan María Arzak, Karlos Arguiñano e por aí fora. Todos os chefs fora de série são bascos e eu, que me divirto a comer, passei uma boa época em Sanse.

E desportivamente: marcaste na estreia?
Pois foi, ao Oviedo. Foram duas boas épocas [seis golos em 76 jogos] e joguei com os grandes.

Real Madrid e Barcelona?
Nem mais. Quer dizer, ser da Real Sociedad é um pouco fora da caixa porque olham-te de lado por tudo aquilo que disse antes sobre nacionalismo e garra. Éramos o patinho feio, um pouco à parte de Espanha. Em casa, seja com Real Madrid ou Barcelona, empatávamos ou ganhávamos. Fora é que era mais difícil. Mesmo que começássemos melhor, sofríamos sempre um golinho no fim e lá perdíamos.

E tu acabaste a carreira com dois golos ao Real Madrid.
Um na Taça UEFA, outro na Liga dos Campeões. Não é fácil marcar ao Real Madrid, sobretudo quando as forças são desequilibradas. Ou seja, o Sporting era inferior ao Real Madrid e, mesmo assim, demos luta, muita luta. Sobretudo naquela eliminatória da Taça UEFA em que merecíamos muito mais e fomos eliminados pela regra dos golos fora. Quer no Bernabéu, quer em Alvalade, demos espectáculo.

Até atiraste ao poste no Bernabéu.
Exactameeeeeente [Sá Pinto fala como se estivesse a reviver a jogada], eu atirei e o Figo também. Foi um grande jogo do Sporting, encostámos os gajos. Nesse lance da bola ao poste, faço um cabrito ao Martín Vázquez, nunca mais me esqueço [Sá Pinto está mais animado que nunca]. O lateral-esquerdo desse jogo era o Luis Enrique. E o direito o Quique Flores.

Mais uma foto.
Iiiiiiii, o Serginho, o Fernando e eu. Isso é o Portugal-Alemanha do Euro-2000?

Nem mais.
Joguei todo rebentado, devia ter vindo para casa sem jogar o torneio.

Então?
Rebentei o lateral interno a dois dias do início do Euro. Ia jogar a titular com a Inglaterra e estava numa forma tremenda, sentia-me forte, rápido, confiante. O meu azar foi também a sorte do Nuno e ainda bem porque ele fez um Europeu do além, com cinco golos. Fiz uma distensão grave e fui premiado com o meu espírito guerreiro. Demos três secos à Alemanha, campeã europeia em título. Lembro-me do guarda-redes, o Kahn. E lembro-me de um alemão querer trocar comigo de camisola. E trocou. Tenho lá a camisola em casa, sabes quem era a defesa da Alemanha?

Nem ideia.
Nem eu. Sei que houve um alemão que me pediu a camisola. Eles estavam de cabeça perdida, 3-0 de Portugal, estás a ver, não é?

Como é que foi viver esse dia histórico?
Foi um momento óptimo, sobretudo do Sérgio. Quer dizer, três golos à Alemanha é uma proeza rara, diria única. Ainda por cima, o hat-trick perfeito: cabeça, pé direito e pé esquerdo. Que noite sensacional. E só foi pena sairmos nas meias-finais daquela maneira, merecíamos outro final. Nenhuma selecção devia sair de uma grande prova daquela forma: é mão, não é mão, é penálti, não é penálti. Enfim.

Mas é ou não?
Estava a aquecer na linha de fundo, juntamente com o Robert Pires, e estou no enfiamento do árbitro assistente [Sramcka, da Eslováquia].

E?
Ele não pode ter visto aquilo.

Porquê?
Ele não pode ter visto. Eu estou no enfiamento como ele e não vejo, há muitos jogadores à frente, há muitas pernas, não dá, simplesmente não dá. Fico, diria triste. É uma decisão difícil de aceitar, até porque é um golo de ouro e acaba com qualquer esperança. Já quatro anos antes, no Europeu em Inglaterra, tínhamos saído injustamente com o golo lá do Poborsky.

Ainda bem que falas desse Europeu.
Aaaaaaaah pois, isso é o golo à Dinamarca.

Ao Schmeichel.
Quando percebo que a bola vai cair ali perto de mim, lembro-me perfeitamente de olhar para a baliza e vejo uma coisa enorme. Perguntei-me ‘como é que vou fazer golo a este tipo?’

Grande golo, a bola é indefensável.
Cabeceei com convicção, com força e para o chão. A bola foi bem puxada ao canto, foi.

E ainda o encontraste no Sporting?
Um grande colega e um jogador fantástico. Mesmo a 60/70% das suas capacidades, deu-nos uma força interior enorme para chegarmos àquele título de campeão nacional em 2000. Guardo-lhe um grande carinho, porque deu-me um livro dele autografado sem lhe pedir nada. E também me deu umas luvas.

Ele era mesmo alto, alto, alto?
Alto e largo, era um armário, ahahahahah.

Vocês foram apanhados de surpresa pela chegada dele ao Sporting?
As coisas começam a perceber-se lá dentro, falava-se do Peter e tal. De repente, ei-lo à nossa frente. Sempre gentil, porreiro com toda a gente, brincalhão, bom espírito, via-se que estava em paz naquele momento da vida. Ele foi para o Sporting com o objectivo de acabar a carreira em grande e a verdade é que foi campeão num clube que não o era há 18 anos.

E o Kasper?
Beeeeem, ainda me lembro: o Peter matava o filho no final dos treinos, dava mesmo cabo dele, sem misericórdia nenhuma. Pobre Kasper.

Então?
Metia-o à baliza e o miúdo, com 14 anos, sujeitava-se ao bombardeamento de bolas do pai. Mas bombardeamento à séria, só remates de força.

Ahahahahahah.
A sério, pobre do miúdo. Nós, que o considerávamos o benjamim, atirávamos à baliza mais em jeito e tal. O Peter, não. Era com cada tiro, ahahahahah. Pimba, pimba, pimba, pimba.

E o Kasper?
Pequenino, franzino, ia a todas. Não se acobardava nem se intimidava, gostava até desse desafio.

[…]

Acabamos assim.
[Sá Pinto inclina a cabeça para ver melhor] Ééééééé, não acabes assim, Rui. Isto é a final da Taça de Portugal perdida para a Académica, o momento mais desgosto da minha carreira de treinador.

Acabo como então?
Com uma foto do jogo em Manchester, quando eliminámos o City. Ou então uma em Bilbao, na meia-final da Liga Europa 2011.

Pois ééééé, City e Bilbau.
Foi a quinta meia-final europeia do Sporting.

E tu foste a duas?
Exactamente, como jogador em 2005 e como treinador em 2011.

Como é que foi a eliminatória com o Athletic?
Fantástico em Alvalade, nunca deveríamos ter sofrido o golo. Aliás, até devíamos ter ganho por mais, uma do Carrillo na cara do guarda-redes. Se fosse 4-1, não seria nada anormal. Também é verdade que eles, sem fazerem por isso, também podiam ter chegado ao 2-2 num lance do Llorente, acho. Aqueles lances de bola parada e tal. Bem, fomos para Bilbau a defender a vantagem mínima e somos eliminados no último minuto. Houve uma infelicidade monstra.

E o City?
Aí foi espetacular. O Porto, campeão nacional, tinha levado seis do City na eliminatória anterior e toda a gente pensava que íamos ser goleados. Até me lembro de um jornalista dizer que nem valia a pena ir jogar, que ia ser uma desgraça e sei lá o que mais. Achei engraçado e lá os eliminámos.

A eliminatória até chegou a estar em 3-0.
Isso, 1-0 em Alvalade, 2-0 em Manchester. Depois eles fizeram a reviravolta.

E há aquela defesa do Patrício no último minuto.
Isch, muito boa, a defesa. Mas, sinceramente, não sei se a bola entrava. Acho que roçava no poste, quanto muito. Eles tinham uma equipa eischhhhhhh.

Já tinham Agüero?
Agüero? Tinham Agüero, Dzeko, Balotelli, Kolarov. Mais, mais? Nasri, Kompany, Richards, Hart. E tudo no seu melhor. Aquilo era assim: olha, hoje não jogas tu, jogas tu, está bem? E conseguimos eliminá-los. Agora, de volta à foto da final da Taça de Portugal. Correu-nos tudo mal, nunca pensámos que pudéssemos perder com a Académica.

O que é correu mal?
Tudo, tudo, tudo. Desde as condições do relvado, seco, com a bola a colar, até a uma série de incidências do jogo. A começar pelos primeiros minutos. Um miúdo nosso, de quem gosto muito, faz uma falta sobre o Polga, o árbitro nada e o golo nasce daí.

O miúdo é o Adrien?
Exactamente. É daquelas coisas que não percebo, como é que miúdo que é nosso joga contra nós? Faz uma entrada sobre o Polga, o Polga no chão, à rasca, e o árbitro manda seguir. Na sequência, 1-0 do Marinho. Uma coisa muito engraçada: nós sabíamos que eles, ali nos três quatros, junto à linha lateral, faziam cruzamentos longos em que a bola passava pela zona do penálti até ao outro extremo da área. Foi falta, entrada violentíssima do Adrien, o árbitro nada, nós ficámos à espera do apito e o lateral deles mete a bola tal e qual como tínhamos ensaiado. O Marinho obriga o Insúa a fechar para o lugar do Polga e há uma descompensação evidente. Golo. A partir daí, eles fecharam-se lá em baixo e nós tentámos tudo, mas o relvado estava seco e a bola não andava. O terreno parecia uma selva, era final de época com jogadores a acusar o toque e o Paulo Baptista foi uma vergonha. Uma arbitragem ina-cre-di-tá-vel, apitava tudo contra nós. Há dois penáltis que ele não marca e há ainda possibilidade de golo do Ricky e ainda do Jeffrén. Enfim, tudo correu mal.

Pelo meio, entre Sporting jogador e treinador, acabas a carreira no Standard.
Foi um desgosto não ter acabado a carreira no Sporting, idealizei sempre esse momento, mas não foi possível e nem vale a pena falar disso. Então, aventurei-me para aqui e ainda fiz uma época no Standard.

Havia interessados em Portugal?
Siiim, recebi muitos convites, mas não queria jogar contra o Sporting e decidi emigrar. O Standard recebeu-me de braços abertos, num patamar diferente, claro. Ainda por cima, arranquei os ligamentos do pé no início da época e parei dois meses.

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