Hoje abordo aqui ideias sobre o futebol profissional e a sua articulação com a Formação. Algumas destas ideias são constatações típicas do adepto da “bola”, dúvidas que temos e das quais gostaríamos de ser esclarecidos por quem de facto é conhecedor – o profissional de futebol. Ainda assim, lanço-as aqui, até porque entendo que o modelo de Formação deve ser imposto pelo clube, o qual o deve conter na sua política desportiva. É que, independentemente dos resultados desportivos que o treinador consiga obter, a factura é paga pelo clube/sociedade anónima desportiva e cabe a ela garantir a sustentabilidade económico/financeira do projecto.

Sistema de jogo
na Formação, o sistema de jogo é o 4-3-3. Segundo Aurélio Pereira – e eu gosto muito de ouvir quem realmente sabe, especialmente quando possuem a humildade do nosso catedrático Senhor Formação – o sistema de jogo mais fácil de aprender é o 4-3-3, porque dá mais liberdade aos jovens, não lhes retirando totalmente o “jogo de rua”. O sistema 4-4-2, nas suas múltiplas versões com dois médios centro de perfil, com duplo-pivot ou em losango, exige outra qualidade táctica, outra interpretação do jogo. Ora, se os nossos jovens, desde os 14/15 anos, treinam neste sistema fará sentido, quando chegam aos séniores, experimentarem outro? Até por isso, a contratação de Jorge Jesus para mim fez pouco sentido. Principalmente, se quisermos ancorar o nosso rendimento desportivo e a nossa sustentabilidade financeira no projecto da Formação.

Veja-se, por exemplo, a dificuldade que Podence (zero golos) teve para ser o segundo avançado de um sistema que não conhecia (simultaneamente, observem de onde partiram a maioria das suas 7 assistências da época). Diga-se que estas dificuldades não foram exclusivas do pequeno-grande jogador proveniente da nossa Academia. Alan Ruiz, que na Argentina e no Brasil jogava a partir da ala direita, também nunca se enquadrou e só Bruno Fernandes, que teve 4 anos da tacticamente fortíssima escola italiana, teve um desempenho assinalável. O meu ponto, e admito que seja polémico, é que se queremos ter um projecto de futebol profissional assente na Academia então deveremos herdar o seu sistema de jogo, havendo naturalmente os sistemas alternativos que o treinador principal entenda criar. Um modelo à Barça, mas nós também somos mais do que um clube. Até admito como 2ª opção que se adapte o modelo de jogo aos jogadores que temos (se a aposta na Formação for real não se afastará do que anteriormente disse), agora o que penso não dever acontecer nunca é os jogadores terem de adoptar o modelo do treinador (isso também fez a diferença na performance de Rui Vitória face a JJ, quando o 1º soube adoptar o sistema que o 2º tinha deixado no Benfica, prescindindo do seu 4-3-3 que tão bons resultados lhe tinha granjeado em Guimarães).

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Treinador Principal do futebol profissional
a meu ver, o treinador tem de ser alguém com especial vocação de artífice, no sentido em que está na última estação de produção de talento da linha de montagem que é a nossa Formação. Ao seu nível, tratará dos “acabamentos”, a dimensão táctica do jogador. Se este chegar aqui com deficiências técnicas, a nível do passe e recepção orientada, dificilmente terá um crescimento tão exponencial quanto aquele que se poderá esperar no plano táctico (olho para Ristovski, por exemplo, um jogador rápido e todo-o-terreno, mas nota-se a falha na sua formação a nível de recepção). Já a finta orientada ou o remate poderão mais facilmente ser trabalhados, burilados pelo treinador.

Ao mesmo tempo, o treinador tem de estar habituado à pressão de ganhar, mesmo quando com orçamentos inferiores aos seus rivais. Deixo aqui um nome de alguém que penso ter essas duas valências, a título meramente ilustrativo: Rudi Garcia. O treinador francês foi campeão pelo Lille, em 2010/11, numa equipa onde despontavam os jovens Hazard, Gervinho ou Cabaye. Seguidamente, foi para a Roma onde bateu o record de vitórias seguidas na Serie A (2013/4), com 12 vitórias consecutivas, lançando os jovens Dodô (20 jogos), Florenzi (41 J), Destro (23 J) ou Ljajic (32 J), todos com idades compreendidas entre os 20 e os 23 anos, numa temporada onde ganhou 26 dos 38 jogos que disputou no campeonato, totalizando 85 pontos (só superado por uma super Juventus que fez a sua melhor época de sempre). Actualmente, é o treinador do Marselha, equipa que disputou a final da Liga Europa com o Atlético de Madrid.

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Adjuntos
um dos adjuntos da equipa profissional deve ser uma velha glória do Sporting, campeão pelo clube e com capacidade para passar a cultura Sporting ao plantel. Deve também ser um homem leal e que ajude na integração do treinador principal e restante equipa técnica, especialmente se forem estrangeiros.

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Gabinete Técnico do futebol profissional
formada por Director Geral para o futebol profissional, treinador principal do futebol profissional, Coordenador do futebol de Formação, treinador dos sub-23 e treinador dos juniores. Reunindo semanalmente, espaço onde se pode ir avaliando a evolução dos jogadores jovens com potencial para subirem à 1ª equipa do clube. Decisões como “queimar etapas” na Formação, posições em que é necessário intensificar o treino do jovem, com mais conteúdos tácticos, para mais rapidamente suprir uma lacuna da equipa principal, empréstimos para rodar ou dispensas devem ser aqui definidas, de forma a que o Director Geral possa saber com a máxima antecedência possível com o que pode contar na equipa principal e as posições em que terá de ir ao mercado.

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Política de quotas da Formação até que a aposta se consolide
não sou muito fã das quotas, mas a verdade é que se tem de começar por algum lado. Por exemplo, em tempos não muito distantes, foi a única forma de as mulheres poderem subir na sua carreira profissional. Uma discriminação positiva e que, no início poderá mais privilegiar a quantidade do que a qualidade, mas creio ser a única forma de impedir desvios ao que deveria ser o nosso ADN. Julgo, por isso, que deveria haver um número mínimo de jogadores provenientes dos nossos escalões de Formação na equipa principal e nem me chocaria que isso fosse integrado nos Estatutos do clube.

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Tecto máximo de jogadores
o plantel principal deve ter um número máximo de jogadores. Na minha opinião deveria ser de 24: dois por cada posição, 3 pontas-de-lança e 3 guarda-redes. Havendo lesões, subiriam jogadores dos sub-23 à equipa principal para as posições em défice. Seria uma maneira inteligente de optimizar recursos, com consequências positivas em termos de custos com pessoal e resultados líquidos da sociedade anónima desportiva.

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Política de empréstimos
do meu ponto-de-vista, cumprindo-se os pressupostos dos dois pontos anteriores não seria necessário emprestar muitos jogadores (existe a equipa sub-23). Em todo o caso, estes, a acontecerem, por motivos de maior competitividade, deveriam privilegiar clubes que tenham treinadores com histórico de aposta em jogadores jovens e da nossa Formação, tais como José Couceiro, Luis Castro ou mesmo Silas. A meu ver, o treinador é mais importante do que o clube. Pode-se ter óptimas relações com o clube, mas o treinador não apostar em jovens. A não ser que se queira influenciar a escolha do treinador por parte do clube, mas isso já seria passar aquela linha que a mim me começaria a causar alguma urticária, pois a possibilidade de a coisa entrar no domínio do conflito de interesses seria considerável.e tenho como certo que o Sporting é um clube que não pode estar ligado a essas situações.

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Contratação de novos jogadores
só deveriam ser contratados jogadores cirurgicamente e para as posições em falta. Posições como as de ponta-de-lança ou de defesa esquerdo, que a nossa Formação geralmente não produz, por exemplo, e outros que conjunturalmente seja necessário colmatar. De qualquer forma, a qualidade das “fornadas” da Academia não é uniforme de ano para ano pelo que que haverá anos em que será necessário actuar mais no mercado. Evidentemente, uma boa oportunidade de mercado não deve ser desperdiçada, obedecendo ao tecto contemplado em cima. Vejo o Sporting a contratar um jogador de qualidade média como Marcelo (defesa), com 28 anos, e faz-me uma certa confusão. O mesmo se passou com Ruben Ribeiro. Eu proporia que só se contratassem jogadores com idade máxima de 23/24 anos (numa óptica de rendibilização de investimento) e alguns jogadores mais velhos apenas quando pudessem efectivamente fazer a diferença (Mathieu, por exemplo) e trouxessem a experiência que faltasse à equipa. Nunca contrataria nenhum jogador por empréstimo, excepto se tiver uma cláusula de opção com um valor acessível para as nossas finanças.

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Introdução do treino por sectores na Formação
vemos as melhores práticas dos desportos profissionais americanos e fica sempre a sensação que a Europa está muito atrás em diferentes matérias. Desde logo na interligação com os adeptos, mas aqui vou falar do treino por sectores, algo que é particularmente visível no futebol americano. O futebol ganhará muito com os ensinamentos de outros desportos. Por exemplo, a basculação (mudança de flanco) é uma coisa que se vê com frequência num jogo de andebol. Como é possível termos um homem como Manuel Fernandes nos nossos quadros e continuarmos sem produzir um ponta-de-lança com qualidade? Manuel Fernandes daria um bom treinador de avançados e pontas-de-lança em particular, transversal aos diferentes escalões de Formação, ensinando os miúdos em questões de posicionamento no campo, colocação do pé na bola, cabeceamento (vemos muitos que chegam ao plantel principal com défices nesse aspecto – Gelson, Matheus, etc). Não seria o Manél mais útil para nós aqui que no Scouting?

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Scouting
conseguir cadastrar a base-de-dados com o maior número possível de jogadores, nacionais e internacionais, ainda em idade juvenil e ter a capacidade de os ir acompanhando até que as regras FIFA (jogadores estrangeiros) não impeçam a sua contratação. Isto traria menores custos na sua aquisição. Quando se chega a um jogador “já feito”, os custos são necessariamente superiores. Procurar mercados emergentes (Argentina, Uruguai, Chile, os brasileiros já estão muito inflacionados), mas também afluentes. No tempo de Sousa Cintra chegaram ao Sporting, pela mão do empresário Lucídio Ribeiro, uma série de jogadores muito interessantes, provenientes do centro da Europa e do Magrebe. Balakov, Iordanov (bulgaros), Cherbakov (Ucrânia), Valckx (holandês) ou Naybet e Hadgi (marroquinos) foram jogadores que chegaram ao Sporting por valores acessíveis e que tiveram excelente performance desportiva, além de, alguns deles, proveitos extraordinários para o clube após venda. Abandonaram-se esses mercados e não se percebe bem porquê.

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Propriedade Intelectual vs Academia
julgo que a maioria dos adeptos e até alguns dirigentes confunde muito a nossa Formação com a Academia de Alcochete. A Academia é um espaço físico, com excelentes condições é certo, mas o que faz toda a diferença é a propriedade intelectual, o enorme talento de homens como Aurélio Pereira ou João Couto, por exemplo, ou dos falecidos César Nascimento e Osvaldo Silva que fizeram escola. Se alienarmos isto, podemos ter a melhor Academia do mundo que os resultados não aparecerão. E depois há outras coisas: aquele campo pelado, ali ao lado do antigo pavilhão, viu nascer jogadores como Futre, Figo e Ronaldo (apanhou a Academia já no final da sua formação). Esses campos irregulares estimulavam a técnica e a habilidade dos jogadores, obrigados a dominar a bola após ressaltos inesperados ou a fintar entre umas covas ou lombas no terreno de jogo. Hoje em dia, os campos são perfeitos mas os talentos escasseiam. Dá que pensar, mas talvez não fosse má ideia ter um campo pelado em Alcochete, que pudesse recriar um pouco as condições do futebol de rua, onde craques como os já citados, para além dos ultramarinos Peyroteo, Hilário, Eusébio, Coluna ou Matateu, aprenderam o ofício. E continuem a recrutar formadores de excelência para enquadrar os nossos jovens.do ponto-de-vista desportivo e educacional.

Texto escrito por Pedro Azevedo em És a Nossa Fé
* “outros rugidos” é a forma da Tasca destacar o que de bom ou de polémico se vai escrevendo na blogosfera verde e branca