Está há seis épocas à frente da equipa de futsal do Sporting e já conquistou 17 títulos: cinco campeonatos nacionais, três Taças de Portugal, três Supertaças, duas Taças da Liga e quatro Taças de Honra. Levou por três vezes os “leões” à Final Four da Liga dos Campeões da modalidade, de onde saiu com uma medalha de bronze e duas de prata. Falta-lhe a de ouro e o tetracampeonato, objetivos que o treinador de 45 anos, nascido e criado em Cantanhede, vai continuar a perseguir ao serviço do Sporting. Sim, porque para mudar de clube só se for para o Barcelona. Não é por acaso que o chamam o Guardiola do futsal

Vale muito a pena aproveitar o domingo para ler esta entrevista de Nuno Dias ao Expresso!

Qual foi a sua primeira modalidade federada?
Basquetebol. Devia ter 11, 12 anos. Joguei um ano num escalão de minis, porque nem sequer tinha idade para jogar como iniciado. Gostava de jogar, mas como nunca fui muito alto… Num desporto em que o alvo está muito acima de nós, convém ter alguma altura se queremos prosseguir. Por isso, no ano a seguir fui logo jogar futebol no Marialvas, uma equipa de Cantanhede, que ainda existe.

Em que posição?
Era médio centro.

Torcia por que clube?
Na minha família toda a gente é do Sporting, só o meu avô materno é que era do FCP. Eu e o meu irmão João jogávamos muito Subbuteo, e como é 5 anos mais velho era sempre o primeiro a escolher a equipa que queria. Escolhia naturalmente o Sporting e os bonecos dele eram verdes. Eu como mais novo não mandava nada e ficava com os que sobrava. Como os que sobravam eram azuis e o meu avô era do FCP, a partir daí torcia pelo FCP.

Quem eram os seus ídolos no futebol?
Lembro-me do Gomes e do António Oliveira, porque eram os que mais se destacavam naquela altura. Lembro-me do FCP ter sido campeão em Viena. Mas eu fui sendo o do contra, porque toda a gente na família é do Sporting.

Ficou no Marialvas até quando?
Fiz 6 épocas na formação, depois, juntamente com mais 2 colegas fomos os únicos a subir ao plantel sénior e ainda joguei uma época de sénior. Entretanto, entrei na Faculdade e naqueles 2 primeiros anos não pude jogar no Marialvas porque a exigência era maior.

Entrou para que curso e onde?
Entrei em Educação Física, na Escola Superior de Educação de Coimbra. Dois anos depois, regressei ao Marialvas.

Foi sempre o que sonhou, tirar o curso de educação física?
Recordo-me que, quando era puto, gostava de ser veterinário porque os meus avós eram de uma aldeia, viviam no campo e tinham vários animais. Eu sempre gostei de animais. Mas isso foi até ao 8.º, 9.º ano. No 10.º ano escolhi logo a opção Desporto. A partir daí fiquei com as ideias claras do que gostaria de ser: professor de Educação Física.

Depois da licenciatura em Coimbra fez o quê?
Dei aulas em Monte Redondo. Já no meu 2.º ano do curso tinha um horário completo, em Vilarinho do Bairro. E conseguia conciliar. Era professor, aluno e já jogava. No último ano do curso fui para Académica jogar futsal.

Como é que surge o futsal?
No final das épocas havia muitos torneios de verão, que eram todos em ringues ou pavilhão, e sempre gostei de participar. Além de gostar de jogar até achava que tinha algum jeito. Mas naquela altura eu já recebia algum dinheiro do futebol 11 e o futsal em termos financeiros não nos dava nada. Eu precisava do dinheiro para os meus estudos e para as minhas coisas. Só que, no último ano do curso, tinha estágio durante o dia e aulas à noite que iam coincidir com os treinos no Marialvas. Tive que abdicar de jogar futebol 11 nessa altura. Mas apareceu a Académica, que estava na II Divisão. Tinham-me visto jogar em alguns daqueles torneios e chatearam-me para ir jogar futsal com eles. Nesse meu último ano do curso experimentei e fui jogar para a Académica.

Muito diferente futebol de 11 e futsal…
Não tem nada a ver. Mas não me custou nada a adaptar, antes pelo contrário. Senti-me muito mais confortável até.

Porquê?
O jogo é muito mais emotivo e atrativo porque o campo é mais pequeno e a bola está sempre mais perto das balizas. A única modalidade desportiva que conheço em que existe a probabilidade de o resultado acabar 0-0 é o futebol. Quem gosta de desporto, de sentir a adrenalina do jogo, gosta de ver golos, gosta de ver a bola perto da baliza e gosta de ver boas jogadas, de sentir emoção. E o futsal é isso tudo. Aliás, o lema do futsal é o “ataque contra-ataque” e acho que está muito bem colocado. Em segundos tudo muda e tudo se altera.

Não sentiu nenhum problema de adaptação, nem tático nem técnico?
Não. Naquela altura os aspetos táticos do jogo não eram muito elaborados e desenvolvidos como são atualmente, além do mais comecei na II divisão e havia ainda muito para aprender. Jogava atrás como fixo, provavelmente com a mesma ideia que tinha no futebol, que o jogo passe por aqui, de organização e de pensar mais aquilo que são as estratégias. Acho que já nessa altura pensava dessa forma.

Como correu a primeira época?
Muito bem porque a Académica foi campeã nacional e subiu à I divisão e eu fui chamado pela primeira vez à seleção nacional universitária, para um estádio de observação. Isto tudo ainda no último ano do curso. O engraçado é que passaram por esse estágio de observação uns 60 atletas para um campeonato do mundo que ia realizar-se em Braga, em 1998. E fui o único que consegui chegar aos 12 finais que participaram no campeonato do mundo. Foi um ano em que cresci muito e tornei-me melhor jogador.

E entretanto?
Acabei o curso. Tinha feito a 1ª época de futsal na Académica e fui convidado por um clube que já estava na I Divisão, o Instituto D.João V. Um clube em que a administração estava ligado a um grupo de colégios privados cooperativos. Uma das condições que me ofereceram foi ter emprego. Eu estava a acabar o curso e eles garantiam-me lugar de professor. Juntei o útil ao agradável.

Recebia enquanto professor e enquanto jogador?
Sim. Ao mesmo tempo que jogava já treinava uma equipa do escalão de formação.

Nessa altura nem sequer tinha grande experiência enquanto jogador. Onde ia buscar informação para passar a outros?
Do que ia pesquisando, do que ia lendo. O meu primeiro treinador, do Instituto, o prof. Rui Gama, era um autodidata porque naquela altura não havia muitas fontes onde ir recolher informação. Ele ia “beber” muito a Espanha. Ia ver treinos de outros colegas em Espanha, porque os espanhóis estavam naquela altura num patamar muito acima do nosso. E trazia essa informação para nós. Depois, o facto de ir jogar à seleção, com o Orlando Duarte que era treinador no Sporting e selecionador nacional…Recordo-me que cada vez que ia a um estágio da seleção, à noite, antes de dormir, uma das minhas preocupações era passar todos os exercícios que tinha feito naquele dia para um papel. Cada vez que fazia um estágio chegava ao fim com um mini dossier de tarefas de treino.

Fez um ano na Académica e depois esteve sete épocas como jogador no Instituto D. João V, até 2006. Foi alguma vez sondado para ir para fora?
Não. O futsal era amador, mesmo o Sporting era uma equipa amadora, treinava ao fim do dia. Não havia Benfica também. Eram tudo equipas amadoras com atletas amadores que treinavam só ao fim do dia. Mas entendo que essa oportunidade nunca surgiu, porque não ia deixar a minha vida profissional, como professor de educação física, para abraçar uma carreira de amador, provavelmente com um rendimento muito mais baixo. Tinha um emprego estável e ainda ganhava alguma coisa por jogar, não ia arriscar. Toda a gente sabia.

Já estava casado?
O meu primeiro casamento foi em 1998 ou 1999, já não me lembro bem. Separei-me quase dez anos depois, sem filhos.

Como é que faz a transição de jogador para treinador?
Eu era jogador e já treinava equipas de formação. Dava aulas, a seguir tinha o treino dos meus miúdos e depois ia a correr para o meu treino enquanto jogador. Fui fazendo os cursos de treinador também, enquanto jogador, porque sabia que ia querer continuar ligado à modalidade quando deixasse de jogar. Fui selecionador distrital das equipas de Leiria, durante 3 anos. Ou seja, enquanto jogava tinha já o bichinho de poder contribuir com alguma coisa para o crescimento de equipas de formação. Entretanto, o Instituto D.João V quis mudar de treinador. Eu na altura já era um líder dentro do balneário. Quando falaram comigo, disse que tinha de pensar bem porque deixar de jogar para passar a ser treinador, ainda por cima na I Divisão, de uma equipa composta por atletas que eram todos meus colegas há um mês, era um passo difícil de dar. Mas por outro lado também achava que se eu já era um líder para eles enquanto atleta podia dar essa continuidade de trabalho. Por outro lado pensava que era uma oportunidade única porque se não fosse treinador naquela altura na I divisão, ali na zona não havia mais clubes na I divisão, certamente que não iria surgir tão depressa outra oportunidade a este nível. Então aceitei.

Nunca lhe passou pela cabeça ser jogador/treinador?
Não. Impossível. Não dá. Tomar decisões, jogando, corrigindo no treino sendo eu jogador também, não, isso não existe.

Esteve 5 anos no Instituto enquanto treinador. Quais as melhores recordações?
Títulos nunca conseguimos ganhar, porque já nessa altura o futsal deu um passo muito importante com o número de equipas profissionais que passaram a existir. O Sporting, o Benfica, o Freixieiro, a Fundação, e outras. Mas o ser a melhor equipa das não profissionais era um objetivo grande para nós. Apesar de estarmos numa zona em que não havia futsal para podermos escolher atletas de qualidade, porque os melhores já estavam em Lisboa ou no Porto, fomos conseguindo alguns resultados interessantes. Nos últimos 2, 3 anos em que fui treinador conseguimos chegar às meias-finais. Ou seja, chegamos aos quatro melhores do país, sempre com uma equipa totalmente amadora em que a maior parte dos atletas eram meus colegas enquanto professores ou eram funcionárias do colégio..

Quais foram as primeiras dificuldades que encontrou enquanto treinador?
Sinceramente, nunca tive grandes dificuldades. A grande dificuldade é passar de jogador a treinador e a maior parte daqueles atletas eram meus amigos.

Nunca houve nenhum tipo de conflito?
Não. Felizmente, estive em grupos de pessoas bem formadas. Eles entenderam que no treino deixei de ser o Nuno Dias capitão de equipa e jogador – e passei a ser Nuno Dias treinador. Esse era o passo de que tinha algum receio, que era o respeito que tem que se ter e o nível de hierarquia que se tem de entender entre quem é jogador e quem deixou de ser jogador e passou a ser treinador. Felizmente correu bem.

Entretanto vai para o CSKA como adjunto.
O adjunto é outra conversa. No último ano do Instituto D. João V, vamos às meias finais e eliminamos o Modicus do Paulo Tavares que a seguir me convida para ir com ele para a Rússia. É engraçado. O Instituto ia acabar e eu ia ficar a dar aulas, eventualmente ficaria ligado a uma clube de 2.ª ou ia ficar ligado à formação. O Paulo Tavares tinha um convite para ir para o CSKA e convidou-me para ir com ele. Tínhamos um bom relacionamento já desde o curso de treinadores que fizemos juntos. Partilhávamos muitas ideias mesmo no fim dos jogos. Trocávamos jogos, naquela altura ainda trocávamos cassetes VHS por correio, não havia a internet. Como eu era professor de educação física ele achava que isso também era uma mais valia no capítulo de preparação de desempenhos motores. Nessa altura já vivia com a Alexandra, que estava grávida das gémeas.

Foi uma decisão difícil de tomar então.
Muito. A Mariana e a Francisca nasceram em Outubro e eu fui para a Rússia três meses antes, em julho. Pensamos bastante se era a oportuno ou não eu ir.

Como foi o primeiro embate na Rússia? Era o que estava à espera?
A barreira mais difícil de ultrapassar é a língua. Ainda por cima num país onde poucas pessoas falam inglês. Tínhamos um tradutor, mas parece que há sempre coisas que escapam. A relação de confiança com o tradutor tem de ser grande, mas tínhamos conhecido o tradutor naqueles dias. Parece que há sempre qualquer coisa da mensagem que não está a passar, ou de lá para cá ou daqui para lá. Esse é o aspecto mais difícil.

Esteve lá um época…
…Em que conseguimos fazer com que o CSKA fizesse a melhor classificação de sempre, um 4.º lugar.

Conseguiu assistir ao parto das suas filhas?
Não. Vim cá numa altura em que a minha esposa disse-me que se calhar estava para acontecer. Vim, estive cá uns 5,6 dias e não aconteceu nada. Voltei. 15 dias depois elas nasceram. Na altura no contrato eu tinha 4 viagens para ir e vir, mas o presidente do clube disse-me: “Esta viagem não conta para as 4, esta viagem é a minha prenda, podes ir à vontade”. Acho que recebi o telefonema às 6 da tarde e à meia noite estava no avião. Vim direto, cheguei de manhã, já elas tinham nascido.

O que aprendeu com a experiência em Moscovo?
Primeiro, fui para uma liga muito mais competitiva que a nossa. Segundo, fui pela primeira vez profissional. A minha vida era o futsal, só pensava em futsal. Pedi uma licença sem vencimento. Por isso foi um ano em que aprendi muito sobretudo ao nível de pensar o futsal, porque não tinha aulas para preparar, nem avaliações dos miúdos para fazer, só tinha de pensar em futsal, pensar no treino, analisar adversários, analisar a Liga, etc. O facto de ver muitos e bons jogos, e de a liga ser extremamente forte e competitiva, leva-nos a ver mais coisas daquelas a que não estávamos habituados. Depois, claro, treinamos de manhã e de tarde, ou seja tínhamos mais unidades de treino do que aquelas que treinava no Instituto. Tudo isto leva-nos a evoluir muito, na análise do jogo e do adversário, na tarefa de treino, na forma como se preparar um treino de uma equipa profissional. E depois também o facto de lidarmos com uma realidade diferente em termos de atletas.

Como assim?
Atletas com mais traquejo, mais experientes, mais “mafiosos” digamos assim. Leva-nos a tentar perceber outros lados. Lembro-me do Paulo Tavares dizer-me muita vezes: “Tu não percebeste”. Às vezes estávamos em reuniões e ele dizia-me: “Fica só atento a isto ou aquilo, que eu vou continuar a conversa”. E eram pormenores que às vezes me escapavam, porque eu era “bonzinho”, ingénuo de mais. As maldades não as apanhava, para mim estava sempre tudo bem e achava que as pessoas fazem as coisas certas por razões certas. Houve muita coisa que passei a apanhar e a entender melhor, porque nessa altura aprendi um pouco essas segundas intenções que às vezes existem.

Chegou a falar russo?
Em março já conseguia dar um treino em russo. O Paulo Tavares às vezes tinha reuniões e eu ficava a dar o treino sozinho e não precisava de tradutor para treinar. Já havia muita palavra uma frase que sabia, apesar de não conseguir manter uma conversação.

Ia apenas com uma época contratualizada ou havia possibilidade de continuar?
O Paulo ia com 3 épocas e eu ia com 1 mais 1.

Não fica porquê?
Porque o CSKA acabou. Ou seja naquela altura fizeram um investimento muito grande em jogadores e equipa técnica estrangeiros. O meu vencimento na Rússia era bem maior do que vim auferir para o Sporting como treinador principal, só para termos uma ideia.

Como surge o convite do Sporting?
Eu ainda estava na Rússia, a disputar os playoffs, e tive uma primeira abordagem de um amigo que tinha uma ligação ao diretor das modalidades, Mário Patrício. Entretanto, o Miguel Albuquerque [diretor do futsal do Sporting] diz-me para lhe ligar quando chegasse a Portugal porque queria falar comigo. Foi fácil chegar a acordo.

Foi fácil mudar de Leiria para Lisboa?
Foi. A minha mulher era professora de EVT e no ano em que viemos estava ainda com licença de maternidade. O ano a seguir foi aquele em que o Ministério da Educação acabou com os pares pedagógicos em EVT. Metade dos professores de EVT ficaram no desemprego e calhou-lhe a ela. Neste momento está a tomar conta das filhas, que é um trabalho grande. Quando sou eu que tenho de o fazer é que sei o que me custa (risos). Mas é gratificante.

Colocaram-lhe alguma condição quando veio para o Sporting?
Não. Eu não preciso de condições para querer ganhar. Dificilmente encontrarão um treinador mais ambicioso do que eu. E com os objetivos bem definidos. Eu sabia que teria de vir para triunfar. Nem conseguia entender as coisas de outra forma. Inclusivamente, acho que vim para o Sporting com um contrato de 2 anos, mas antes de acabar o primeiro ano… renovei. Devem ter entendido que se calhar era a pessoa certa para se continuar a ganhar.

Já vai no tricampeonato conquistado. Tem uma lista de 17 títulos e levou o Sporting por 3 vezes à final-four da Taça UEFA. Foi medalha de bronze no primeiro ano e de prata nos 2 últimos.
Falta a de ouro.

Como é que explica o seu sucesso em tão pouco tempo?
Acho que escolhi bem quem trabalha comigo. Esse foi o primeiro passo importante que dei.

Uma das pessoas que trabalha consigo é o Paulo Luís e é ele quem o faz descer à terra. É assim?
(risos). O Paulo Luís conheci-o no primeiro curso em Coimbra. Fizemos 4 anos juntos. Éramos um grupo de 5 amigos que ainda hoje mantém uma relação muito forte de amizade. Damo-nos tão bem que no fim do primeiro ano de curso resolvemos ir morar juntos, em Coimbra, porque cada um era de um sítio diferente. O Paulo Luís jogava futebol, também, e depois esteve ligado ao futsal na Benedita. Quando vim para o Sporting liguei-lhe logo para saber se estava disponível para vir trabalhar comigo. Eu fervo em pouca água, altero-me e ele é como se fosse um pêndulo, um barómetro, que mete travão em algumas coisas. Naquelas alturas em que estou eufórico ou estou mais desnorteado, ele é uma pessoa extremamente calma que me ajuda a descer.

Sempre foi assim ou o rastilho está cada vez mais curto?
Não, acho que não (risos). Vou já fazer uma promessa: para o ano não me vão ver nesse registo. Vou-me acalmar mais. Primeiro porque isto não dá saúde a ninguém e porque acho que não é preciso. O nosso grande trabalho é na preparação e gestão do treino, depois no jogo é uma questão de gerir pequenos aspetos estratégicos ou pequenas situações de substituição. A intervenção já não vai passar tanto por aquilo que lhes vou constantemente dizendo, o grande papel foi feito durante a semana, durante as tarefas de treino. Às vezes é para me manter no jogo, concentrado, ligado, a forma como intervenho também, a forma como estou ativo no jogo. Mas reconheço que exagero e o Paulo nessas alturas é a pessoa certa no lugar certo. E curiosamente faz anos no mesmo dia que eu (risos).

Tem duas licenciaturas.
A segunda é em Ciências do Desporto e Educação Física. A primeira foi na ESE e a segunda na Universidade de Ciências do Desporto e Educação Física. O curso de professor do ensino básico variante professor de educação física da ESE apenas permitia dar aulas aos alunos do 1.º e do 2.º ciclo e com uma autorização aos do 3.º ciclo. Resolvi fazer a segunda licenciatura para poder dar aulas também no secundário.

Dizem que é muito metódico e obcecado e que escolhe as equipas segundo um método de pontuação nos treinos. Explique lá isso.
Isso já não fazemos, mas quando viemos para cá achávamos que era uma forma de manter uma grande competitividade no treino. Sempre defendi que o treino é a base para o sucesso, o que fazemos no jogo é reflexo da qualidade do treino. Uma das formas de fazer com que houvesse competitividade era pontuar o treino aos atletas de maneira a que eles sintam que estão a ser avaliados todos os dias e que a competição, que tem de ser saudável, tem algum peso nas nossas escolhas.

Mas escolhia as equipas com base nesse método de pontuação?
Tínhamos algumas opções relacionadas com o método. Não era que os mais bem pontuados fossem os 5 que jogam e os outros não são convocados. Não. Mas muitas dúvidas tirávamos em função daquilo que tinha sido a prestação da semana.

Se tivesse de comparar o futsal com outra modalidade, qual seria?
O hóquei em patins e basquetebol, mas mais o hóquei. Porque tem os mesmos números de atletas, o mesmo objetivo de jogo. O nível tático, o nível das movimentações que se fazem no jogo tem muitas coisas parecidas, aspetos táticos, muito movimento e muita situação de dinâmica parecida.

Disse que ter de gerir muitos jogadores estrangeiros é mais cansativo. Porquê?
É desgastante. Porque todas as semanas tínhamos de deixar jogadores aptos e com muita qualidade de fora. E isso não é fácil fazer. Por mais justos que queiramos ser, e somos, e eu luto muito por isso, que os atletas não possam apontar que houve incoerência ou injustiça, ter que gerir jogadores de qualidade, principalmente ao nível dos estrangeiros, e deixa 3 todas as semanas de fora, num plantel que tem 8 estrangeiros…Deixar 3 de fora e por vezes 3 que estão bem e jogam bem, é complicado.

Alguma vez foi questionado por algum atleta?
Acho que não. Se calhar também nunca fui porque quando tomava as decisões, passava-lhes as decisões. Não que eu precisasse de justificar-me para aquilo que são as minhas opções, porque acho que não tenho de justificar-me de nada, mas fazia questão de dar uma palavra aos atletas dizendo-lhes o porquê das decisões. O melhor exemplo é este último jogo com o Benfica.

Conte.
O quinto jogo foi incrível porque tínhamos disponíveis 8 estrangeiros para poder escolher só 5. O Fortino já tinha cumprido o jogo de suspensão e já podia jogar. Mas para jogar com o Fortino eu tinha de deixar um dos outros estrangeiros de fora. Como é que ia deixar se até tínhamos ganho na Luz e até tínhamos feito um bom jogo? É difícil fazer este tipo de gestão. Mas depois pensamos: o jogo vai pedir mais o quê?, será que eu vou estar a perder e vou precisar de situações estratégicas para atacar uma situação de guarda-redes avançado? Aí terei de levar o Divanei. Ou será que vou estar a ganhar e vou precisar de defender uma situação de 5 para 4? E aí vou precisar de levar o Caio. Será que os jogadores vão estar muito cansados e vou precisar que o jogo tenha ritmo? Aí vou ter de levar o Cavinato. O totobola à segunda-feira acertamos sempre, não é? O problema é que nós temos de fazer as apostas antes. E temos de prever aquilo que vai acontecer e que o jogo nos vai pedir. Felizmente temos acertado mais vezes.

Foi suspenso e teve de ver a final na bancada. O que é que aconteceu?
Quer que lhe diga mesmo a verdade? No jogo 3, era um jogo muito importante para nós porque perdendo esse jogo íamos levar a decisão para a Luz. Se calhar estava um bocado mais ansioso com esse jogo e provavelmente chateei mais o árbitro no início do jogo. Mas o que é certo é que já tinha havido, tanto no jogo 1 como no 2, várias situações desagradáveis no sentido de agressões, e em que tinha sido injustiçado pelas arbitragens. Isso foi público. As várias situações de agressões por parte dos jogadores do Benfica aos jogadores do Sporting que não foram punidas. Acho que havia um sentimento de revolta de todos nós por essa situação. Mas o que me leva à expulsão foi eu ter dito ao árbitro: “Sr. árbitro, isto é uma vergonha”. Foi após um duelo entre o Bruno Coelho e o Fortino, em que o Bruno Coelho disputa a bola e dá um pontapé no peito ao Fortino. Eu achava que aquele lance podia ser para cartão vermelho e o árbitro deu apenas amarelo. E disse ao 3.º árbitro: “Isto é uma vergonha”. Ele chamou o árbitro principal e ele expulsou-me.

Achou injusto?
Achei. Aliás, não há nenhum árbitro neste anos todos, nenhum, que possa dizer que o insultei. Acho que foi a segunda vez na vida que fui expulso. A primeira vez foi o ano passado em Braga, a 3 ou 4 minutos do fim, no jogo do título também, e agora está.

Recorde o que aconteceu em Braga.
No jogo do Braga, foi numa falta sobre o Pedro Cary. O lance até foi na área do lado contrário e era impossível ao árbitro ouvir aquilo que eu possa ter dito. Provavelmente foi pelos gestos, a forma efusiva como reclamei. Não há um árbitro que possa dizer que alguma vez o insultei ou que o tratei mal ou que as ofensas verbais foram graves no sentido de me expulsarem.

Garante que para o ano não vai acontecer?
Não, porque acho que devo alterar essa postura.

Está a fazer alguma coisa para isso? Meditação…
Ainda não fiz nada (risos). Mas vou tentar fazer alguma coisa, não sei bem o quê. Vou tentar pesquisar algumas coisas. Estes dois jogos também me levam a fazer isso, porque acho que poderia ter ajudado mais no banco, apesar de ter plena confiança tanto no Paulo como no Raul. É injusto para eles passarem o ano inteiro ao meu lado e depois estarem ali sozinhos. Aliás, a primeira coisa que o Casca me disse quando me abraçou no final do jogo, quando fomos campeões, foi: “Volta para o banco, que isto para mim não dá”.

Mudou muito ao longo dos anos a nível tático?
Muito, não. Há princípios que mantenho desde o primeiro dia em que cheguei ao Sporting. Há adaptações e alterações que vamos tendo de fazer, principalmente em função dos atletas que vamos tendo ao dispor. Se tenho pivots com muita qualidade, não posso passar o tempo todo a jogar em 4X0, que é um sistema tático sem pivot. Há sempre coisas que vamos adaptando e alterando em termos estratégicos, de bolas paradas, de cantos, livres, até porque também sabemos que as equipas nos vão conhecendo.

Qual foi o título que mais lhe custou perder?
Acho que foi o da UEFA, do ano passado. Principalmente por os números terem sido tão dilatados.

Já lhe puseram a alcunha do Guardiola do Futsal. Gosta?
Tem a ver com a qualidade de jogo e quando estamos a ser comparados a alguém que é muito bom naquilo que faz, como é o caso do Guardiola, não me incomoda. Mas prefiro ser o Nuno Dias do futsal.

O Ricardinho é mesmo o melhor do mundo?
(pausa). Se calhar, é. Atualmente acho que sim.

Hesitou.
Porque ele não é guarda-redes, ou seja, se tiver de ir para a baliza não consegue fazer o trabalho dele. É como o Ronaldo, é o melhor do mundo, é, mas se jogar a central não é. Na posição dele é, não tenho dúvidas nenhumas. Ao contrário do Ricardinho que esteve comigo a jogar na Rússia, que era muito menos constante e muito menos coletivo, ele agora é um jogador muito mais de equipa, que ataca e defende e que joga para a equipa. Já não são só aquelas coisas que o público gosta de o ver fazer, que nós treinadores nem sempre gostamos. Gostamos mais que os jogadores tragam outras coisas ao jogo, mas o público bate palmas a essas habilidades que não têm resultado nenhum. Os treinadores gostam mais das coisas que dão resultados.

Qual foi o título que mais gozo lhe deu ganhar?
Dão-me gozo todos. O mais especial acaba por ser este porque foi a primeira vez que fui tricampeão. Ser campeão três anos consecutivos são coisas que não estão ao alcance de todos. Acho que nenhum treinador o consegui. Equipas sim, treinadores não. Mas há outros. O primeiro título de todos em 2012-13. A primeira Taça de Portugal na época 2012-13 também, porque foi o 1º título que consegui no Sporting.

O que ambiciona agora?
Ser tetra (risos).

Tem contrato no Sporting até quando?
Mais um ano.

Se lhe aparecesse uma boa proposta de outro clube, ia?
Neste momento, melhor do que o Sporting e que me levaria a ponderar bem, seria o Barcelona, apesar de não ganhar nada há não sei quanto tempo. O Sporting não é só o futsal. O Inter é um grande clube, ganha em Espanha, é campeão Europeu há muitos anos, mas a dimensão Inter Movistar comparada com a dimensão Sporting Clube de Portugal… não é nada. Sinto que estou num grande clube e que para mudar teria que ser ou para um outro grande clube, ou por aspectos financeiros que valesse realmente a pena a mudança.

E seleção?
Não penso nisso sinceramente. Acho que a seleção está muito bem entregue ao Braz e neste momento não me vejo a ter que andar à espera meses e meses para ter uma competição. Gosto de treinar todos os dias, gosto da competição ao fim de semana, de preparar jogos e treinos consecutivamente. E na seleção não teria uma coisa dessas. a seleção reúne-se de 2 em 2 meses para fazer uma competição de 2 em 2 anos.

Em relação aos recordes que já tem e que já são muitos, qual é o mais importante para si?
O número de jogos consecutivos sem perder está em andamento porque para o ano começamos com esse número e vamos aumentar. São já 72 jogos, e se um ano tem 26 jornadas, estamos a falar de 3 anos. Ou seja há 3 anos que o Sporting não perde para a Liga Sportzone. Mas vamos continuar. Esse é o mais importante porque vamos continuar a aumentá-lo. Mas acho que o número de menos golos sofridos, 22, na época passada, é um número que nunca mais vai existir mesmo. Os outros, com mais ou menos dificuldades as equipas vão conseguir chegar lá, agora os 22 golos sofridos, dificilmente vai-se voltar a ter números desses.

Do que tem observando onde é que o futsal evoluiu mais e onde acha que precisa de evoluir?
Primeiro, mais do que dizer o que evoluiu é importante dizer porque é que evoluiu. O facto de termos acesso a informação e a mais jogos é extremamente importante. Antigamente o André era treinador do Belenenses eu dava-me bem com ele, ligava-lhe: “Manda-me o teu jogo que eu mando-te o meu”. Isto por correio, em VHS. E os cortes era muito mais difíceis de fazer. Trocava com o André e com mais 2 ou 3 treinadores. Neste momento o acesso ao jogo e à informação é muito maior. Inclusivamente há uma plataforma onde estão todos os jogos de todas as jornadas e de todas as equipas. Isso permitiu-nos observar e analisar.

A maior evolução então vem da partilha de informação?
A partilha e a formação de treinadores que neste momento entendem melhor o jogo também por causa disso e preparam melhor as tarefas de treino em função de tudo isso que observaram.

Onde acha que pode melhorar ainda?
Onde pode melhorar, e aí nós treinadores também temos uma quota parte de responsabilidade, tem a ver com a formação. A formação dos atletas começa na formação dos treinadores. Atualmente coordeno os cursos de treinadores em Lisboa e também sou formador em Leiria. Acho que o nosso papel na formação dos treinadores, no sentido de os encaminhar e de lhes dizer aquilo que é o mais importante para o jogo e que devem ensinar, é extremamente importante para que também consigam formar melhores atletas desde os escalões mais baixos. Subir de júnior a sénior é um salto muito grande. É difícil vermos jogadores chegarem a sénior e conseguirem ter um desempenho bom. Também tem a ver com aquilo que aprenderam nas suas equipas e com os seus treinadores de formação.

Se lhe pedissem hoje para fazer um 5 de sonho quem é que escolhia?
Escolhia a minha equipa técnica primeiro (risos). Pivot, o Ferrão do Barcelona, alas Merlim de um lado e Ricardinho do outro, fixo o Douglas do Kairat que infelizmente tem agora um lesão no joelho, e guarda redes talvez o Higuita, do Kairat.

Para o ano a equipa do Sporting vai ter grandes alterações. Porquê?
Primeiro porque acho que devíamos diminuir os estrangeiros. Não é bom para nós nem para eles ficarem todos os fins de semana muitos estrangeiros de fora. Acho que é mau eles trabalharem muito bem durante a semana e depois por causa de uma regra não podemos contar com eles. Foi uma gestão muito difícil e até para o rendimento constante deles é mau. Por isso vamos reduzir essas opções. Depois acho que são importantes as idades, apesar de o BI não jogar. O melhor exemplo para nós é o Fortino que é o nosso jogador com mais idade e ele fez uma época notável. Peço desculpa aos outros todos, mas o Fortino foi o melhor profissional com que trabalhei até hoje. Um exemplo, uma capacidade de trabalho incrível, uma postura e maneira de estar na vida, no treino e no jogo espectacular. Mesmo quando não havia treino era o primeiro a chegar a Alvalade para ir ao ginásio. Depois do último jogo já anunciamos a saída de 5 jogadores.

Mas vêm outros. Está tudo de acordo com o que pretendia?
Do 5 maravilha que me pediu para fazer, nenhum deles vem (risos). Só o Merlim é que vai ficar, mas mais nenhum vem.

Mesmo assim para o ano tem hipótese de ser tetracampeão?
Claro. Das 6 competições em que o Sporting esteve envolvido perdeu apenas duas. Podemos sempre ganhar essas duas.

De que forma é que estas convulsões no Sporting afetam o trabalho da equipa de futsal?
Diretamente não influenciou nada. Não afetou o nosso trabalho, a dinâmica no treino. Há muita informação e contra informação, nós e os jogadores ouvimos, e isso se calhar vai mexendo, mas objetivamente acho que não interferiu diretamente com aquilo que foi o rendimento em treino e em jogo. Mas estamos no clube, não somos uma quinta.

Não receia que a nova direção aposte menos no futsal?
Não. O Sporting é caracterizado por ser um clube eclético, num ano em que se constrói o pavilhão João Rocha e em que se ganha em todas as modalidades de pavilhão, em que se consegue bater recordes atrás de recordes…Repare, no futsal o Sporting teve este ano assistências médias acima de 4 clubes da Liga NOS. Estamos a falar de um pavilhão que leva 3000 pessoas e de estádios que levam 30.000 ou 50.000 e do futebol.

É supersticioso?
Não muito. No fato do meu casaco tenho uma medalhinha e uns papéis que as minhas filhas me deram e disseram: “Oh pai leva isto que dá sorte”. Desde o primeiro dia que uso isso, mas mais por respeito, do que por acreditar que aquilo vai dar sorte, porque eu não acredito nem na sorte nem no azar. Não vou ganhar porque levo a medalhinha. Mas sou crente, por educação.

Faz ou já fez promessas?
Já fui mais de fazer promessas. A irmã da minha mãe, que é minha tia e madrinha, é freira em Fátima e vou algumas vezes, não tantas quanto devia, ter com ela. Inclusivamente fui 2 anos catequista, quando tinha uns 18, 19 anos. Foi a educação que os meus pais me deram.

No último jogo não viu os penaltis. Porquê?
Apesar de termos ganho o 4º jogo também nas grandes penalidades, nunca tive muita felicidade nesses desfechos. Devo ter sido dos treinadores que mais vezes perdeu nas grandes penalidades. No ano em que estive na Rússia, o CSKA ficou em 4º, e no playoff jogamos com o 5º e o CSKA foi derrotado pelo Sinara em 3 jogos, a penaltis, nunca tinha acontecido. O ano passado perdemos a Taça em penaltis. Já tínhamos perdido um campeonato para o Benfica em penaltis. Por isso, quando chega aos penaltis penso logo “Já fomos” (risos).